Novo Código Florestal destruirá plano de recuperação da Mata Atlântica
Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) mostra que isenção de reserva legal em imóveis de até 4 módulos fiscais atingirá 67% da área que deveria ser recuperada no bioma mais ameaçado do país. Caatinga, que já sofre com desertificação, seria o bioma mais afetado.
Há dois anos um grande conjunto de organizações da sociedade civil, empresas privadas e universidades públicas selaram um pacto pela restauração do bioma Mata Atlântica, um dos hotspots brasileiros (junto com o Cerrado) em função da sua altíssima biodiversidade e do elevado grau de ameaça a sua sobrevivência. A meta traçada foi de restaurar, até 2050, 15 milhões de hectares de florestas, recuperando áreas protegidas ilegamente desmatadas e locais de baixa aptidão agrícola. Até o momento, no entanto, apesar dos esforços, foram recuperados pouco mais de 40 mil hectares, e, se o projeto de alteração do Código Florestal for aprovado como está, a meta se tornará não só difícil, mas impossível de ser alcançada.
O IPEA fez um estudo para avaliar qual seria o impacto - na restauração dos biomas brasileiros - da aprovação da regra que isenta todos os imóveis de até 4 módulos fiscais de recuperarem suas reservas legais. Essa regra, presente no relatório aprovado na comissão especial da Câmara dos Deputados em 2010, vem sendo defendida por vários representantes do agronegócio e pelo relator Aldo Rebelo (PCdoB-SP), como uma medida de justiça social com os pequenos agricultores, que não teriam terras suficientes para poder plantar e ainda preservar. Os defensores dessa ideia alegam que o impacto ambiental seria pequeno, já que os pequenos imóveis, embora numerosos, representariam pequena parcela do território nacional.
O estudo do IPEA, no entanto, joga luzes sobre essa questão, mostrando que o impacto ambiental não é tão pequeno assim. Pelo contrário. Intitulado "Código Florestal: implicações do PL 1876/99 nas áreas de reserva legal", ele calcula que 67% das áreas de reserva legal ilegalmente desmatadas na Mata Atlântica estariam isentas de recuperação. Ou seja, apenas 1/3 do passivo atual seria, na melhor das hipóteses, recuperado. Isso significaria uma anistia de 3,9 milhões de hectares.
Mas há situações piores. A caatinga, bioma que vem sofrendo acelerado processo de desertificação justamente por perda da cobertura vegetal nativa, perderia 70% das áreas a serem recuperadas. No país todo, segundo o estudo, seriam quase 48 milhões de hectares de desmatamentos ilegais anistiados.
Organizações ambientalistas e ligadas à agricultura familiar vêm defendendo que, se houver algum tipo de anistia desse tipo, que seja direcionado exclusivamente aos agricultores familiares, e não a todo e qualquer proprietário de imóveis com até 4 módulos. A diferença é que, para um agricultor ser considerado como familiar, ele só pode possuir um único imóvel, onde trabalha e ganha seu sustento. Com uma regra que abre genericamente para 4 módulos, um proprietário que tenha cinco ou seis fazendas dentro desse tamanho (que pode ser de até 320 ha em Goiás, 160 ha em São Paulo ou 440 ha no Mato Grosso do Sul) estaria isento de recuperar a reserva legal em todos eles. Além disso, por não haver um controle maior, um imóvel de 600 ha em Goiás poderia facilmente dividir sua matrícula no Registro de Imóveis em duas e passar a ser, aos olhos da lei, duas fazendas isentas de reserva legal. Apesar de todos esses argumentos, e do apelo dos movimentos ligados à agricultura familiar, o relator Aldo Rebelo vem insistindo em manter a regra.
O Código Florestal irá a votação nesta terça-feira, 24 de maio, e esse é um dos pontos polêmicos, dentre vários outros. Se quiser ver uma análise completa, clique aqui .
Raul Silva Telles do Valle, advogado e coordenador adjunto do Programa de Política e Direito Socioambiental (PPDS), do Instituto Socioambiental (ISA)
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