Votar em quê e para quê?

Quem chegar de fora e não conhecer a nossa situação actual, à beira da bancarrota, acreditará que Portugal vive em plena normalidade democrática e social, atendendo ao folclore partidário e à euforia do futebol, que remete o país para um cenário tipicamente surrealista que Salvador Dali, certamente, gostaria de pintar.

Ponta Delgada, 24 de Maio de 2011

Votar em quê e para quê?. 15052.jpegEstamos como aquele doente que céptico aos avisos médicos, continua a abusar da saúde, ou melhor, da falta dela... agravando o seu estado clínico geral, confiado que no fim um remédio milagroso o salvará... Que há por aí muitos alienados, não temos dúvidas... Mas, Santo Deus, é demais!

Pese embora toda a evidência da gravidade da nossa situação e as chamadas de atenção do actual Presidente da República para a necessidade de um consenso alargado à volta de um compromisso comum entre as forças políticas com assento parlamentar, em ordem a superar no mais curto espaço de tempo os efeitos da Crise Financeira e Económica que se abateu como uma peste sobre nós, os partidos, sobretudo os chamados do "Arco do Poder", não querem saber... E não querem, porque estão a dar um deplorável exemplo de irresponsabilidade e demagogia, mais preocupados consigo próprios, com a sua clientela política, que com o País que dizem insistentemente servir. Não só não esclarecem o que de facto se pode fazer, como passam a vida a discutir detalhes num contínuo processo de retórica da mesquinhez, do disse que disse, a raiar por vezes o insulto pessoal, o que faz as delícias de uma "mídia" cada vez mais subserviente aos ditames da Intelligentsia Internacional, apostada que está em condicionar e manipular a Opinião Pública.

Dão assim, a quem visita Portugal, a imagem de um País, que afinal não está tão mal como se diz... Pois se tivesse, nem eleições antecipadas seriam provocadas, convenientemente provocadas... Aliás, do nosso ponto de vista, serão perfeitamente inúteis, independentemente de quem as ganhe. E serão, porque já tudo está previsto e programado... Apenas servirão para legitimar, pelo escrutínio popular, decisões já tomadas... e consequentemente ilibar os decisores políticos de qualquer responsabilidade futura. Exemplo disto, é ouvirmos invariavelmente, em conversas de café e até em fóruns, a propósito dos problemas que o Euro trouxe à nossa Economia, a frase feita, "O que é que querem? O Povo concordou"... Que consentiu, não temos dúvidas, mas daí a sufragar tão importante decisão em referendo, vai um grande passo, pelo que o argumento é uma cretina falácia.

Ao forrobodó dos partidos, junta-se o fórum da interminável e estéril discussão das "tricas e laricas" do futebol, na imprensa, rádio e televisão, em que adeptos fanatizados confundem desporto com uma "briga de galos"... procurando valorizar o seu clube em detrimento do adversário, mesmo que o seu clube tenha sido derrotado por uma goleada... São horas e horas de tempo de antena, por vezes em "discurso directo", de baboseiras e futilidades, para não falar de outras convenientes "distracções"...tão privilegiadas pelos nossos meios de Comunicação Social.  

Na verdade a nossa situação é péssima. Com uma Dívida Soberana a tocar o patamar dos 250% do PIB, não se vislumbra uma saída viável, nem sequer a médio prazo... Está em causa a nossa sobrevivência como País, historicamente fundado há cerca de oito séculos, o mais antigo da Europa, como até a própria Democracia.

A Democracia aliás, promessa "encantada e encantadora" da Revolução dos Cravos, foi desde logo escamoteada, quando foi permitida uma Descolonização precipitada sem auscultar as partes interessadas, sobretudo daqueles que directamente seriam afectados por esta, a população multirracial que viva na África Portuguesa, a qual acabou por ser a maior vítima de uma Independência mal negociada. Veja-se as guerras fratricidas que se seguiram. Já nessa altura a "mão invisível" do Poder Financeiro e Económico que hoje nos sufoca, agia com a cumplicidade de muitos dos actuais políticos, alguns acantonados no PS e na Esquerda em geral, mas também no PSD, manobrando para usurpar as riquezas que estavam sob a tutela do Estado Português há cerca de 5 séculos, cuja defesa ao longo da História exigiu muito sacrifício do Povo Português. A Democracia foi também esquecida quando não se referendou a nossa adesão à CEE. Depois, apesar do prometido, a Constituição Europeia e o seu sucedâneo, o Tratado de Lisboa, foram liminarmente afastados do escrutínio popular. Este último tratado mereceu apenas um indiscreto e comprometedor "Porreiro pá!" do 1º. Ministro José Sócrates, num entusiástico aperto de mão ao seu colega Durão Barroso, actual Presidente da Comissão Europeia e ex-1º. Ministro, o tal da tanga...

Se naquela altura, em 2002, já estávamos de tanga, como não estaremos hoje? Um e outro, por sinal, são grandes entusiastas da desconstrução de Portugal e "testas de ferro" dos Grandes Interesses Internacionais, a começar pela protecção obsessiva à banca. Nenhuma outra actividade económica em Portugal merece tanta "bondade" do Estado... E de acordo com o "Memorando da Troika", a saga vai continuar...ou seja, o Governo obriga-se a apoiá-la financeiramente em caso de falta de liquidez. Porque será que não vimos ainda nenhum político e economista, mesmo dos mais rebarbados, falar disto? Curioso também referir que Durão Barroso e José Sócrates antes de chefiarem o Governo Português foram sujeitos ao "Curso Intensivo de Estratégia Global" do sinistro Grupo de Bilderberg, uma das muitas organizações internacionais de que a Elite Global se serve para "influenciar" a Política Interna dos Estados em ordem à Globalização Económica de que aquela é a principal interessada. Com efeito, há muito que a Soberania Nacional foi hipotecada e a Democracia, encerrada numa gaveta do armário das promessas no sótão da Política Nacional... Portanto senhores políticos situacionistas, pedir ao Povo responsabilidades políticas pelas "asneiras" que têm cometido "deliberadamente" é no mínimo imoral.

Portugal já estava de mãos e pés atados com as directrizes draconianas impostas por Bruxelas, nomeadamente uma Dívida Pública e um Défice Orçamental que não podem exceder, respectivamente, 60% e 3% do PIB. Condicionantes, diga-se a verdade, que poucos conseguem cumprir, a começar pelas maiores Economias da União Europeia. Agora, com a obrigatoriedade dos Orçamentos do Estado terem que ser previamente aprovados pela Comissão Europeia, uma espécie de Governo Supra-Nacional, que pode "recomendar" alterações neste ou naquele item, à revelia do Parlamento Português, logo da vontade "democrática" dos portugueses, o país perdeu total autonomia administrativa. O termo recomendar é aqui um mero eufemismo, por que na verdade os Estados Membros não podem deixar de as respeitar, até por que os governos domésticos gostam de ser bons alunos e ficar bem na fotografia... Não vá o futuro doirado num qualquer cargo na ONU ou em outra qualquer organização internacionalista ir por água abaixo...

Claro que todas estas disposições são justificadas com a "indispensável" defesa do Euro, uma moeda alienígena sobrevalorizada, que muito penaliza a nossa Economia, sobretudo em termos de Comércio Externo, mas que beneficia e de que maneira o eixo Paris-Berlim e os satélites do Benelux. Com o "Memorando da Troika", um autêntico programa de governo com 150 medidas, aceite pelo PS, PSD e PP, fechou-se o arco da nossa submissão ao Poder Centralizador da União Europeia. Nos próximos três anos qualquer governo saído das próximas eleições, a realizar no próximo 5 de Junho, terá de obedecer aos ditames da Troika (FMI, Comissão Europeia e BCE), sob pena do financiamento prometido, 78 mil milhões de Euros, ser interrompido unilateralmente. Até parece aquela promessa de um pai ao filho: se te portares bem, dou-te uns trocos para ires ao cinema e para as pipocas. Se não. Já sabes... Não há pão de milho para ninguém... 

O próximo executivo se quiser fazer algo de diferente, pode fazê-lo. Todavia nunca poderá aligeirar as medidas do Memorando da Troika. Terá que ser nesse caso mais papista que o Papa... Aliás até já se percebe nas entrelinhas do discurso eleitoral, essa hipótese. Veja-se a discussão à volta da Taxa Única... Os eleitores que se cuidem...

O agiotismo Internacional pode agora dormir descansado... Pode, por que a maioria dos portugueses, mesmo aqueles que sempre foram comedidos nos gastos, estão obrigados a pagar dívidas que nunca contraíram e menos ainda autorizaram os governos a contrair, ainda que possam ter dado a estes, em dado momento, o seu voto de confiança. Muitas vezes o fizeram confiados na "bondade" das promessas anunciadas, algumas perfeitamente demagógicas, demagógicas porque nunca são avaliados e apresentados os custos. Como o país está de bolsos vazios...à rasca até para comer e beber, não há como não obedecer. Ora nestas circunstâncias perguntamos: Votar em quê e para quê?

 

Artur Rosa Teixeira

([email protected])

 

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey