Como as sanguessugas...

Ponta Delgada, 13 de Janeiro de 2011

14415.jpegNa nossa meninice gostávamos de ir com os amigos à pesca dos bagres num riacho próximo de casa. Fazíamo-lo na expectativa de apanhar alguns para o almoço. A técnica consistia em arrastar um cesto sob os tufos do mato rasteiro das suas margens lodosas. Estas eram não só o habitat daquele siluriforme, conhecido na Europa por peixe-gato, como também de estranhos seres escuros, anelados e viscosos, semelhantes a lesmas...

Peixe, pouco apanhávamos, mas sanguessugas, sempre vinham ter connosco... três ou quatro. Da primeira vez que topámos com tão exótico espécime, demos saltos de aflição, pois o horrível bicharoco, agarrado à nossa perna, nutria-se do nosso sangue a olhos vistos sem que conseguíssemos interromper o seu sanguinário repasto. Nós gritámos e sacudimo-nos, batendo com o pé no chão para o desgraçado soltar-se, enquanto o resto da malta ria-se à gargalhada. Até que um bom vizinho se abeirou e vendo a nossa aflição de bezerro desmamado, acendeu um cigarro e com a ponta bem acesa encostou ao "verme inchado de sangue" e de imediato encolhendo-se, retorcendo-se de dor (terá aquele desalmado dor...), soltou-se. Uff, que alívio! É que o gajo abocanha-se à vítima através de fortíssima ventosa e só a larga quando tem o papo cheio dez vezes o seu volume. E fá-lo sem que sintamos sugar deleitosamente o nosso sangue...

Naquela época, mal sabíamos que as sanguessugas, as verdadeiras do mundo animal, que são anelídeos hirudíneos, que segregam um anticoagulante enquanto sugam o sangue, que até podem ser úteis à medicina popular, têm o seu correspondente em alguns espécimes bípedes racionais, da ordem dos símios... Referimo-nos aos homens do Mundo Financeiro Internacional que, por trás da cortina, se alimentam do produto do Trabalho de milhões de cidadãos, alheios à desgraça social que provocam, sempre apoiados ideologicamente por uma coorte de políticos e de economistas, especializados em escamotear e branquear a usura com a qual vão empobrecendo os povos.

Relendo por estes dias os controversos Protocolos dos Sábios de Sião, uma obra do final do Século XIX de cariz maquiavélico, considerada apócrifa, que procura comprometer os judeus numa conspiração à escala planetária, o que é no mínimo injusto, uma vez que toma a árvore pela floresta, pode ler-se muito a propósito, no Capítulo XX, o seguinte: "Os empréstimos externos são sanguessugas que, em caso algum, se podem arrancar do corpo do Estado, salvo se o largarem por si ou se aquele as extirpar radicalmente. Mas os Estados gentios não as arrancam e até continuam a colocar outras, embora possam perecer com essa sangria voluntária. No parágrafo seguinte, pode-se ler: Na realidade, o que é o empréstimo senão isso, sobretudo o empréstimo externo? O empréstimo é uma emissão de letras de câmbio do governo, contendo uma obrigação a certa taxa de juros, proporcional ao total do capital emprestado. Se o empréstimo for taxado em 5%, por exemplo, em vinte anos o Estado terá pago, sem utilidade alguma, tanto de juros quanto o valor do capital emprestado; em quarenta anos, pagará o dobro da dívida; em sessenta, o triplo; e a dívida fica sempre por quitar". Lapidar!

Face às pressões que observamos sobre a Dívida Soberana que certa mídia alardeia todos os dias, nomeadamente comentando o carrossel das taxas juros, que vive do humor das agências de notação financeira, e anunciando a fatalidade da entrada do FMI, que até parece o justiceiro do Oeste Americano que há-de pôr cobro ao desatino do consumo de créditos pelo Governo, empresas e famílias, ficamos muitas vezes a reflectir se realmente os credores internacionais pretendem de facto que se liquide a mesma, ou se querem antes viver da cobrança de juros, juros extorsivos, como qualquer agiota com banca montada na esquina... Inclinamo-nos para esta última hipótese.

De facto assim é. Se observarmos o historial da União Europeia, veremos que a adesão à moeda única, o Euro, significou o epílogo de uma trama contra os Estados Europeus mais débeis, na esteira aliás de outro projecto, mais abrangente, a Globalização Económica. Significou desde logo importante e fundamental transferência de soberania para o BCE, a partir da qual os Estados deixaram de emitir moeda própria, como faziam antes, pelo que passaram a depender do crédito externo para injectar moeda no mercado interno. Veja-se que aquele banco central vende moeda ao sistema bancário europeu a 1% a 2% e este vende a mesma moeda aos Estados Membros por 6% a 7,5%! Este é dramaticamente o caso português.

A necessidade de injectar moeda no mercado nacional resulta do facto da nossa Balança de Pagamentos ser endemicamente deficitária, ou seja, porque importamos mais do que exportamos, saem mais euros do que entram. E isso se deve muito a uma Economia débil, sobretudo depois da perda dos mercados ultramarinos. Ainda mais empobrecida em resultado de decisões políticas irresponsáveis quando da nossa adesão à CEE e durante o processo de integração. Desde logo as que permitiram o desmantelamento da nossa Agricultura, Pescas e Indústria. Quando os Fundos Estruturais começaram a entrar no país quase ninguém teve a percepção que se tratava de uma oferta envenenada... Serviram na verdade para eliminar a concorrência nacional a favor da Agricultura, Indústria e Comércio da Europa historicamente mais rica, de uma Europa onde por ironia trabalham milhares de portugueses, cuja mão-de-obra é diligente e barata. Passaram a juntar mais uma vantagem: um mercado de consumidores compulsivos com um fascínio irracional pelos produtos da estranja. Estranho, não?

O que deram com uma mão, tiraram com outra e com muito mais vantagem... Até mesmo as grandes vias, que a todos fascinou e fascina, que eram necessárias, serviram mais para a penetração das importações, agora livres de taxas alfandegárias, do que para a exportação de produtos nacionais. Daí que actualmente alguns insignes economistas e políticos, nomeadamente o Dr. Cavaco Silva, falem da necessidade de aumentar as exportações e substituir as importações pela produção nacional, naquilo que for possível. Inclusive fala-se num regresso à Agricultura! Parece que esta gente andou a dormir... Será? Para nós apenas estão a reconhecer erros cometidos. Só não revelam que em tudo isto houve uma intenção espúria de entrega do País. Não é por acaso que alguns se consideram "bons alunos de Bruxelas"...

A acrescentar à nossa desgraça, mais dois factores se conjugaram para afundar o país, fazendo crescer desmesuradamente a Divida Soberana: o despesismo do Estado e o consumo desbragado de créditos. O primeiro, serviu para alimentar a voracidade das clientelas partidárias com bons "tachos" e boas negociatas por baixo da mesa e o segundo, serviu para produzir um falso crescimento Económico, que aumentou drasticamente o défice da Balança de Pagamentos. Ambos serviram para aumentar a dependência Económica e Política do País em relação ao Capital Financeiro Internacional, hipotecando o Futuro das próximas gerações. Quem ganhou? Os mesmos de sempre, ou seja, os agiotas internacionais para quem muita gente da nossa praça trabalha.

Quando as instituições internacionais, credoras ou não, como o FMI, o BCE, Bruxelas, etc, "recomendam" o corte nos rendimentos do Trabalho; "recomendam" o aumento dos impostos sobre o consumo; "recomendam" a privatização de activos do Estado, a pretexto de um défice orçamental mínimo, nada mais estão a fazer do que a apontar o caminho da Servidão, além de garantir uma remuneração crescente para Capital Financeiro Oligárquico, através de taxas de juro extorsivas. Trata-se pois do endividamento crescente das nações até à rendição irrestrita dos povos à Nova Ordem Internacional, com um Governo Único Universal, um Banco Central Único Universal e uma Moeda Única Universal. É deste perigo que Os Protocolos dos Sábios de Sião e muitas outras leituras que temos feito, nos alertam.  

Ainda mal alinhavámos este artigo de opinião e eis que o Governo põe mais uma pá de cal sobre o Futuro de Portugal. Ufano anunciou o sucesso do leilão da dívida pública, cerca de 1.200 milhões de Euros em Obrigações do Tesouro a dez anos, à taxa de 6,7%. O seu ufanismo contudo é meramente político como sempre, pois, embora a procura tenha sido superior à oferta, o Governo não conseguiu negociar taxas mais baixas. Daí que o prémio Nobel da Economia de 2008, Paul Krugman, considere esta operação "pouco menos que ruinosa". Adiante alertou que o aparente sucesso de tais operações levará a "periferia europeia" à destruição. De facto, independentemente dos juros, a venda da dívida pública é a assunção de mais um passivo para liquidar passivos vencidos. Quer dizer que não estamos a conseguir honrar as nossas dívidas com rendimentos próprios, ou seja, estamos simplesmente a substituir um credor por outro e sabe-se lá qual deles é o mais agiota.

Enquanto concluíamos este artigo, a imprensa informava que o negócio das Obrigações do Tesouro foi concluído com a China e que esta, além dos juros extorsivos semelhantes aos dos restantes credores, vai ter a porteira aberta do mercado nacional para os seus bancos e empresas... Um verdadeiro negócio da China, não?

Artur Rosa Teixeira

([email protected])

 

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey