Emir Sader
Os golpistas incluída toda a imprensa, menos a Última Hora insistiam em dizer que a data era 31 de março; nós, que era primeiro de abril. Ainda mais que eles tentavam dizer que tinha sido uma revolução, confessando o prestigio da palavra revolução até ali identificado com a revolução cubana.
O que são 45 anos transcorridos desde aquele primeiro de abril até hoje? O que foi aquilo? O que restou daquilo?
Medido no tempo, parece algo distante. Afinal, tinham transcorridos apenas 34 anos desde a revolução de 30 - o momento de maior ruptura progressista na história brasileira. Período que incluiu os 15 anos do primeiro governo de Getúlio e os 19 de democracia liberal, incluídos os 4 do novo mandato de Getúlio e os 5 do JK.
Nem é necessário discorrer muito para dizer que se tratou de um golpe militar, que introduziu uma ditadura militar. Nem a ditabranda da FSP (Força Serra Presidente), nem o autoritarismo de FHC todas tentativas de suavizar o regime. Um regime dirigido formal e realmente pela alta oficialidade das FFAA, que reorganizou o Estado em torno dessas instituições, tendo o SNI como seu instrumento de militarização das relações sociais. Um regime que atuou politicamente a favor da hegemonia do grande capital nacional e internacional. Para isso, entre suas primeiras medidas estiveram a intervenção militar em todos os sindicatos e o arrocho salarial a proibição de qualquer campanha salarial, sonho de todo grande empresário.
Para que se criasse um clima que desembocou no golpe militar, foi montada uma campanha de desestabilização que hoje se sabe, pelas atas do Senado dos EUA tinha sua condução diretamente naquele país, com participação direta do então embaixador norte-americano e a cumplicidade ativa da grande mídia que até hoje não fizeram autocrítica do papel ditatorial que tiveram, nem mesmo a FSP, que emprestou seus carros para ações repressivas da Oban -, somada às mobilizações feitas pela Igreja Católica e pelos partidos de direita com o lacerdismo moralizante na cabeça.
Nunca como naquele período as grandes empresas privadas lucraram tanto. Foram elas as maiores beneficiárias da repressão prisões arbitrárias, torturas, fuzilamentos, desaparições, entre outras formas de violência de um regime do terror. Foram o setor economicamente hegemônico durante a ditadura ao contrário da visão inconsistente de FHC, de que uma suposta burguesia de Estado seria o setor hegemônico, para absolver os grandes monopólios nacionais e internacionais.
O Brasil vinha vivendo um processo importante de democratização social, política e cultural. O movimento sindical se expandia, os funcionários públicos passavam a incorporar-se a ele, os militares de baixa graduação passavam a poder se organizar e se candidatar ao Parlamento, se desenvolvia a sindicalização rural, acelerava-se a criação de uma forte e diversificada cultural popular no cinema, no teatro, nas artes plásticas, -, um movimento editorial de esquerda se fortalecia muito.
Foi para brecar a construção da democracia que o golpe foi dado. Com um caráter abertamente antidemocrático e fortemente antipopular como as decisões imediatas contra os sindicatos e campanhas salariais demonstram -, foi um instrumento do grande capital e da estratégia de guerra fria dos EUA na região.
1964 se constituiu em um momento de forte inflexão na história brasileira. O modelo de desenvolvimento industrial passou a se centrar na produção para a alta esfera do consumo e a para a exportação, acentuando a concentração de renda e a desigualdade social, assim como a dependência.
O Brasil que saiu da ditadura, 21 anos depois, era um país diferente daquele de 1964. As organizações democráticas e populares haviam sido duramente golpeadas. A imprensa havia sido depurada dos órgãos de esquerda. (Não esquecer que a resistência na imprensa foi feita pela chamada imprensa nanica, por si só uma denúncia da imprensa tradicional.) O país havia se transformado no mais desigual do continente mais desigual do mundo.
Vários dirigentes da ditadura ainda andam por aí, junto com seus filhos e netos, dando lições de democracia, sendo entrevistados e escrevendo artigos na imprensa. A imprensa não dirá nada ou tentará, uma vez mais, se passar por vítima da ditadura, escondendo o papel real que desempenhou. (Que tal republicar as manchetes de cada órgão naquele primeiro de abril de 1964?) Na resistência e na oposição à ditadura se provou quem era e é democrata no Brasil. ( O texto foi originalmente publicado no Blog do Emir)
Emir Sader é filósofo, cientista político e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), onde coordena o Laboratório de Políticas Públicas.
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