Enviado ao Congresso Nacional no mês passado, o projeto de lei que institui a Fundação Estatal (fundação pública de direito privado, sem fins lucrativos) propõe introduzir no serviço público federal novo modelo pelo qual haveria mais flexibilidade de gestão de áreas como saúde, cultura, ciência e tecnologia e desporto. Essas instituições são caracterizadas pelo regime celetista de trabalho e pela contabilidade privada, que permitem a captação de recursos e a equiparação de salários com o mercado de trabalho.
Nesta entrevista, o secretário de Gestão do Ministério do Planejamento, Francisco Gaetani, diz que, com a Fundação Estatal, a intenção do governo é tornar o gasto mais eficiente e oferecer serviços de melhor qualidade para a população. Gaetani ainda explica como vai funcionar o modelo e de que forma ele vai permitir a correção de distorções recorrentes na administração pública.
Em Questão - Uma das críticas atribuídas ao projeto de lei que cria a Fundação Estatal refere-se ao fato de esse novo modelo não atacar todos os problemas de setores-chaves do serviço público. Uma das soluções sugeridas seria uma ampla reforma administrativa. Qual o posicionamento do governo com relação a isso?
Francisco Gaetani - O Brasil tem longa tradição de reformas administrativas frustradas, especialmente nos últimos 70 anos. Em geral, a frustração tem muito a ver com a ambição das reformas. A realidade do Estado brasileiro é complexa: trata-se de federação heterogênea com três níveis de governo e com pesos e contrapesos entre os poderes bastante problemáticos. Neste contexto, os esforços de reformas políticas globalizantes tiveram relativamente poucas chances de sucesso. Reformas do Estado confrontam múltiplos interesses, que se mobilizam para resistir a mudanças. A estratégia do governo atual é trabalhar com temas específicos, focados, até porque assim se discutem com maior profundidade e qualidade as questões em jogo, como no caso das fundações estatais de direito privado.
EQ - Por que instituir novamente a fundação estatal no serviço público federal?
FG - Existe uma série de atividades que o governo desenvolve - que não são seu monopólio - que são mais bem executadas por modelos organizacionais que obedecem à dinâmica do direito privado. Este permite que organizações públicas captem recursos e os reinvistam. O regime de trabalho proporcionado pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) é mais flexível. A modernização tecnológica é mais natural. Enfim, o direito privado permite maior capacidade de adaptação das organizações públicas ao dinamismo da realidade e do mercado de trabalho.
O regime estatutário não é o mais adequado para instituições como hospitais, museus, centros culturais, instituições de pesquisa e várias outras que precisam funcionar de forma mais ágil, eficiente e flexível. Basta análise realista de como essas instituições estão hoje - no nível federal, estadual e municipal - para se perceber a urgência de se promoverem mudanças. Setores como hospitais e institut os de pesquisa precisam de funcionários altamente especializados e com remuneração condizente com suas qualificações. As fundações possibilitarão serviço de melhor qualidade. Em mundo que funciona em tempo real, se não houver organizações capazes de dar respostas rápidas a demandas, fica muito difícil melhorar a gestão. Nos nossos hospitais, instituições culturais e nos centros de ciência e tecnologia, não bastam vontade política e recursos. A estrutura de governança delas não permite cumprirem seu papel social.
EQ - Como será a captação de recursos para o funcionamento das fundações?
FG - Essas instituições não farão parte do orçamento da União. Os recursos serão repassados a elas mediante a prestação de serviços e o cumprimento de certas metas. Além disso, podem captar recursos fora. Um museu pode prestar para a sociedade o serviço pactuado com o Ministério da Cultura, mas pode também ter lojinha que venda brindes, cobrar entrada, fazer promoções e organizar espetáculos. Pode reinvestir na modernização. Um hospital pode comprar equipamentos, desenvolver convênios com instituições internacionais, receber doações. Hoje uma pessoa não tem por que deixar sua fortuna pessoal para um hospital público. O dinheiro iria para o Tesouro, que dificilmente o devolveria. Não há incentivo para se buscarem recursos para investir na própria instituição. Com a estrutura proposta, esse dinheiro é diretamente aplicado na fundação, que o pode reinvestir porque tem personalidade jurídica própria.
EQ - A definição das metas e dos serviços prestados pelas fundações será feita via contrato de gestão?
FG - O contrato de gestão engloba a organização no seu conjunto. Estamos discutindo nesse processo, isto é, na fase de tramitação do projeto, a possibilidade de usarmos a expressão "contrato de serviços". O governo precisa assegurar contrapartida pelo menos para o básico, isto é,"o pão e a água". A geléia, a manteiga, o queijo e a fruta dependem do desempenho da instituição, de sua capacidade de captar mais recursos, inclusive no próprio governo.
EQ - Como seráfeita a contratação do quadro de pessoal nesse modelo?
FG - Será feita por concurso público simplificado no regime celetista. Abre-se a vaga, publica-se anúncio no jornal e na internet, escolhem-se currículos, é realizada seleção através de provas e entrevistas, por exemplo, e começa-se a contratar. Isso demora uns 45 dias, um mês. Se fosse feito concurso público com base no regime estatutário, são nove meses, em média, dependendo do volume de recursos. E freqüentemente não seleciona profissionais com o perfil desejado em razão das dificuldades formais de se fazer um concurso. Vamos supor que seja preciso fazer concurso público para os ministérios do PAC, plano que é prioridade do governo; são necessários nove meses para colocar um engenheiro na vaga. Há certos problemas que não podem esperar isso.
EQ - O regime da CLT vai permitir maior valorização do funcionário pelo desempenho?
FG - Por que nas empresas é mais fácil encontrar avaliação por desempenho e promoções por mérito? Porque há mais flexibilidade. Surge-nos a oportunidade de competirmos com o mercado em melhores condições através da oferta de remuneração adequada. O que acontece com os salários do serviço público, em geral?
Na base, ele paga bem melhor que o mercado; no nível intermediário, razoavelmente melhor e nos níveis mais altos, bem pior que o mercado. Numa fundação privada, o que vai acontecer é a possibilidade de contratação guardando melhor correspondência com a realidade das regiões do País. No mercado de trabalho, os salários são dados por oferta e demanda. As fundações por regime celetista permitem, também, diferenciação regional, por desempenho, por mercado de trabalho, por demanda.
EQ - Essa flexibilidade também vai permitir que funcionários com mau desempenho sejam demitidos?
FG - Um dos desafios da administração pública federal é estruturar bons sistemas de avaliação de desempenho. No regime celetista, é mais comum encontrarmos empresas com bons sistemas desse tipo. O foco não é a possibilidade de demissão - embora isso seja previsto por nossa legislação trabalhista, mas sempre sujeito às restrições dos acordos coletivos e das garantias dos direitos dos trabalhadores. Na hipótese extrema de uma pessoa ser demitida em organizações regidas pela CLT, as coisas não se passam como no setor público, onde praticamente não se consegue demitir por mau desempenho. Neste caso, vai ser factível. Mas ninguém cria organização para demitir pessoas, pelo contrário. O foco é no fortalecimento do serviço público e na geração de arranjos organizacionais capazes de assegurar sua qualidade, eficiência e efetividade.
EQ - Como ficam os funcionários do regime estatutário que, eventualmente, forem trabalhar nessas fundações?
FG - Há muita gente do regime estatutário contando tempo para se aposentar que teme perder direitos e por isso é contra tais organizações. Não vai ser o caso. Essas pessoas que forem trabalhar nas fundações se, depois de dois anos, não se integrarem podem retornar ao ministério de origem. Então, não há nenhuma violação dos direitos de quem está hoje trabalhando no regime estatutário.
EQ - Entre 1967 e 1988, existiram fundações estatais na administração pública federal, quando foi apontada uma série de problemas na adoção desse modelo. Qual a diferença do projeto que está no Congresso agora?
FG - Naquela época, várias fundações contratavam pessoas para outras instituições. Essa foi a maior distorção que aconteceu no passado. As fundações desviaram-se da sua finalidade, prestaram-se a outros fins. Além disso, no regime autoritário, não havia crítica. Não havia controle democrático das instituições. Hoje, as fundações naturalmente estão sujeitas aos mecanismos de controle do Estado democratizado. E há mais: mecanismos de controle social estão sendo propostos para aperfeiçoar o modelo. Isso vai contribuir para essas fundações terem enraizamento social muito maior.
Fonte: Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República
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