A ditadura do status quo nas Universidades Públicas Brasileiras
A surpreendente ascensão do movimento estudantil ocorrida nos últimos meses tem evidenciado os limites e dificuldades do exercício da democracia nas universidades públicas.
Pois paz sem voz, paz sem voz não é paz, é medo
Marcelo Yuka
A surpreendente ascensão do movimento estudantil ocorrida nos últimos meses tem evidenciado os limites e dificuldades do exercício da democracia nas universidades públicas.
A legitimidade das assembléias estudantis tem sido recorrentemente questionada pelos principais veículos de imprensa e pelos grupos avessos ao direito de greve. Da mesma forma, os métodos de luta adotados pelos grevistas têm sido freqüentemente rechaçados.
Piquetes, barricadas, ocupações são tomados como métodos de violência que agridem aos direitos individuais, a liberdade de expressão, a liberdade de ir e vir, assim como são considerados uma afronta ao Estado, único detentor legítimo da violência e da coerção. Cabe, pois, a pergunta: tais métodos seriam uma questão de princípio de baderneiros ou um recurso tático adotado para pôr em evidência as reivindicações legais e legítimas ignoradas do movimento grevista e para tornar possível um processo de negociação com os reitores? Para responder a essa pergunta, é necessário deixarmos de seguir a cartilha da grande mídia.
O atual cenário nos mostra que existe na universidade uma relação desigual de poder entre alunos, funcionários e professores e que estes últimos gozam de grande poder coercitivo sobre os primeiros devido à sua posição estrutural e meritocrática na Academia. Num momento de fortes protestos estudantis por todo o território nacional, a distribuição social desigual da capacidade de influenciar a pauta daquela grande mídia só agrava esse cenário. Cada vez mais fica revelada a falácia da neutralidade dos grandes meios de informação e evidenciam-se seus interesses de classe na defesa do desmonte dos serviços públicos.
É nessa estrutura desigual de distribuição de poder e autoridade que acontecem iniciativas como as do governador de São Paulo José Serra, que se vale da prática de governar por decretos, ferindo a competência de legislar da Assembléia Legislativa, como pudemos notar por ocasião da criação das Secretarias de Ensino Superior e Desenvolvimento e com o descaso em relação às Constituições Estadual e Federal. É, portanto, também por conta dessa estrutura desigual de poder que se iniciaram as discussões e debates desencadeados no impressionante movimento que temos visto. De reunião em reunião, num primeiro momento, depois de assembléia em assembléia, foi se constituindo ao longo de quase um semestre uma mobilização profícua, instrutiva e democrática.
É preciso atentar para esse processo, para a dinâmica das assembléias e para a sua capacidade de avanço no que tange à construção da democracia. Tal como em uma aula aberta em plena greve, as assembléias contribuíram (e continuam a contribuir) para a informação e formação dos participantes, obrigando-os a se informar, confrontar idéias, colocá-las em causa e, por fim, a formar uma opinião. Diferente do tipo de formação de opinião pautado apenas pela grande mídia, a opinião formada a partir da idéia do conflito, da diversidade, parte da simples opinião para chegar à opinião mobilizada, do consenso imposto ao consenso construído. O primeiro julga os fatos políticos como sendo uma simples questão de razão/irrazão, ao passo que o consenso construído pressupõe várias possibilidades de expressão das vontades políticas e por fim uma possibilidade de aliança entre elas e, a partir daí, uma proposta política comum.
Há aqui um flagrante contrastre com a tão propalada opinião pública. Interpelar um possível opinante passivo e pôr-lhe uma questão já anteriormente formulada é o processo de captação deste tipo de opinião, que é, de um modo geral, pautada pelo predomínio da informação veiculada pelos principais jornais e canais de TV.
De modo diferente, o processo de formação da opinião mobilizada parte do conflito político-ideológico e obriga os opinantes a interpretarem os fatos políticos enquanto tais, por intermédio de critérios políticos. Adotar critérios políticos para analisar e julgar fatos políticos é uma habilidade/capacidade dos indivíduos que queda negligenciada, subestimada pelo simples e banal processo de coleta da opinião pública consultada. Daí o grande peso e legitimidade da opinião mobilizada.
E foi exatamente porque um grande contingente de alunos (e, de maneira significativa, de funcionários) passou a tratar fatos políticos como tais, que agora as relações de poder e autoridade em setores da sociedade brasileira e em especial nas universidades públicas deixam evidenciados os limites do atual processo de tomada de decisões no que tange à democracia. O que temos visto é uma mobilização na qual se passou a questionar os critérios políticos impostos pela grande mídia e pelos professores nas salas de aula, para se construir os próprios critérios políticos por meio da informação via blogs de greves e ocupações e formação pelas assembléias. Construiu-se, desse modo, ferramentas que possibilitaram aos estudantes discutir democracia e direitos coletivos seja com os professores, os reitores ou até mesmo com o governador.
É aqui que reside a surpreendente força do movimento para além da sua legítima defesa de manutenção dos serviços públicos e dos direitos coletivos. Ao longo da atual mobilização a principal vitória será, sem dúvida, o fortalecimento de uma percepção geral de que democracia sem debate político significa ditadura do status quo, um autoritarismo disfarçado, pautado pelos critérios elitistas daqueles que detém o monopólio dos meios de informação e formação.
Campinas, 21 de junho de 2007.
Andriei Gutierrez
Danilo Martuscelli
Leandro Galastri
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