Em entrevista ao Pravda, o sociólogo Book Sambo revelou que o Estado moçambicano, de um modo geral, não tem uma política clara sobre quando deve ratificar ou não um instrumento internacional de direitos humanos. Sambo que é, igualmente, pesquisador de temáticas de direitos humanos na LDH denuncia: as instituições do Governo ocultam a informação - desde o acesso à informação até à sonegação de dados - que seja do interesse da LDH. O governo não nos dá a informação verdadeira sobre as barbaridades cometidas pelas suas instituições, afirma.
Sociólogo Book Sambo:
Os homens do governo moçambicano não cresceram o suficiente para acomodar interesses de direitos humanos
Em entrevista ao Pravda, o sociólogo Book Sambo revelou que o Estado moçambicano, de um modo geral, não tem uma política clara sobre quando deve ratificar ou não um instrumento internacional de direitos humanos. Lembro-me de uma entrevista que a Liga Moçambicana dos Direitos Humanos (LDH) fez ao ex- ministro dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, Leonardo Simão, sobre os critérios para a ratificação dos Instrumentos Internacionais de Direitos Humanos, ao que nos respondeu: nós (Estado/governo) não temos uma regra clara. Mediante as circunstâncias, nós podemos ratificar um documento ou não.
Sambo que é, igualmente, pesquisador de temáticas de direitos humanos na LDH denuncia: as instituições do Governo ocultam a informação - desde o acesso à informação até à sonegação de dados - que seja do interesse da LDH. O governo não nos dá a informação verdadeira sobre as barbaridades cometidas pelas suas instituições, afirma.
Entrevista conduzida por Josué Bila
Em Moçambique, o debate e a defesa mais corrente sobre os direitos humanos aponta para os baleamentos (mortais), protagonizados pela PRM, ao crime, à actuação do tribunal, PGR, Ministério da Justiça e outras instituições afins.
- Por que, dificilmente, os debates e os defensores dos direitos humanos não desafiam, em mesmo plano, outros direitos, a título de exemplo, o acesso a água, a saúde, a alimentação, a habitação, ao talhão, ao emprego, ao lazer e a cultura?
Book Sambo (BS) Bom essa questão é interessante na medida em que tem a ver com o contexto do País. De uma forma geral, existem direitos civis e políticos, cuja observância e materialização não precisa que o País seja tão robusto em termos económicos e financeiros. Depende, sim, da boa vontade política ou predisposição do Governo para a materialização desses direitos (civis e políticos). Vou dar-lhe um pequeno exemplo sobre a tortura: o governo não pode defender a tortura, dizendo que nós somos um país pobre e que, por via disso, não temos condições para não torturar esses ladrões que apanhamos por aí. Eles não podem justificar-se na descapitalização do País para não materializar os direitos civis e políticos.
Porém, nos direitos económicos, sociais e culturais, a coisa é um pouco diferente, porque a sua observância implica uma certa estabilidade económica e financeira desse país. Por causa disso, e, sabendo que a nossa economia não está muito robusta nem estável, estando na fase de crescimento, evitamos cobrar com muita veemência a observância dos direitos económicos, sociais e culturais - estou a falar do direito ao emprego, à educação, à saúde e outros. Se aparecemos a cobrar esses direitos, o governo vai defender-se, dizendo que não tem dinheiro e que o nosso orçamento depende da ajuda externa; não temos ainda condições para dar emprego a todos, razão pela qual estamos a incentivar as pessoas a aderirem ao auto-emprego.
Disse que a nossa economia não está muito robusta nem estável para materializar os direitos económicos, sociais e culturais. Por causa disso, quer dizer que os direitos humanos são divisíveis em Moçambique, encontrando-se, por exemplo, o direito à vida, de um lado, e, o direito à saúde, de outro?
BS - No meu parecer, os direitos humanos não são divisíveis; são indivisíveis, por isso que chamámo-los de direitos humanos, pressupondo a sua interligação. O direito à saúde, quando não for respeitado e garantido, a pessoa acaba perdendo a vida.
Nos Objectivos do Milénio, que o governo tenta perseguir, ele incorporou nas suas políticas a saúde e educação, por exemplo. Por causa disso, o governo intensifica as suas acções, subsidiando a saúde, principalmente a parte farmacêutica e consultas e por aí em diante. Este investimento à área de saúde é notável, porque verifica-se uma grande diferença entre o que as unidades sanitárias públicas cobram e os preços estipulados pelas chamadas clínicas privadas. Só para concluir, o Governo tem respeitado o direito à saúde, apesar de que não é do jeito como gostaríamos que fosse.
Quais poderão ser as prováveis causas que concorrem para que o Estado moçambicano não ratifique o Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais, quando, a Constituição da República, o PARPA, a Agenda 2025 e outros documentos moçambicanos defendem aqueles direitos?
BS - Primeiro, a nossa Constituição já incorpora muitos direitos dos cidadãos descritos nos instrumentos internacionais de direitos humanos, apesar de Moçambique não ter ratificado um e outro instrumento, como é o caso do Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociaise Culturais (PIDESC). Segundo, não sei, efectivamente, a causa da não ratificação. Talvez o Governo pode ter uma resposta plausível. O que posso fazer é levantar algumas hipóteses desse posicionamento de Moçambique.
De um modo geral, o Estado moçambicano não tem uma política clara sobre quando deve ratificar ou não um instrumento internacional de direitos humanos. Lembro-me de uma entrevista em que a Liga Moçambicana dos Direitos Humanos fez ao ex-ministro dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, Leonardo Simão, sobre os critérios para a ratificação dos instrumentos internacionais de Direitos Humanos, ao que nos respondeu: nós (Estado/governo) não temos uma regra clara. Mediante as circunstâncias nós podemos ratificar um documento ou não. Terceiro, o Estado e o governo não querem comprometer-se com os cidadãos e o mundo inteiro na garantia e implementação dos direitos económicos, sociais e culturais, pois a ratificação implica o avanço visível na efectivação desses direitos. Ao ratificar, o governo seria extremamente pressionado pela sociedade civil e pela comunidade internacional.
Será que os actores cimeiros do Estado e governo moçambicanos têm clareza e comprometimento cultural, ético e político sobre a defesa e implementação dos direitos humanos?
BS - A meu ver, se os actores cimeiros do Estado e do governo tivessem cultura de implementação de direitos humanos, não poderíamos assistir a esse espectáculo de violações dos direitos humanos no nosso país. Os homens do governo moçambicano não cresceram o suficiente para acomodar interesses de direitos humanos. Veja que os baleamentos que estão a ocorrer, até dentro da própria corporação policial e instituições do Estado, indicam, claramente, que o nosso executivo não está comprometido com a causa dos direitos humanos. O executivo não consegue mostrar interesse com os direitos humanos, no plano prático. É por causa disso que, em Moçambique, aos defensores de direitos humanos são criadas barreiras para que não exerçam as suas actividades com liberdade.
Que barreiras sofrem os activistas e defensores de direitos humanos em Moçambique?
BS - As instituições do Governo ocultam a informação, desde o acesso à informação até à sonegação de dados, que seja do interesse da LDH. O governo não nos dá a informação verdadeira sobre as barbaridades cometidas pelas suas instituições, porque ele sabe que, caso a LDH publique um relatório sobre a situação de direitos humanos em Moçambique, os doadores e a comunidade internacional estarão lá e poderão fazer exigências.
Em muitos casos, nós temos constatado uma tentativa de contornar a informação ou o escamoteamento da verdade. Por exemplo, estamos a continuar a investigar sobre o tráfico de órgãos humanos e já publicamos um relatório sobre esse tema. Mas, o governo não quis colaborar directamente, dando informações fidedignas; muitas instituições do governo negaram. Uma das causas que concorreram para que seguissémos o caso de tráfico de órgãos humanos tem a ver com a recusa que o governo estava a encetar em relação a esse fenómeno. O governo não queria assumir a existência de tráfico de órgãos humanos. Assumia, sim, haver tráfico de pessoas, particularmente menores e mulheres.
Por que é que os defensores de direitos humanos moçambicanos dificilmente não apontam as chamadas políticas neoliberais como violadoras de direitos humanos, vitimando sempre o Estado moçambicano?
B.S. Esta questão é muito polémica, porque, neste momento, o debate sobre direitos humanos prende-se em dois pólos. Uma coisa é estarmos perante cometimento de um crime e outra é quando estamos perante violação de direitos humanos. Trata-se de um crime quando se viola uma legislação interna. E quem comete crimes são agentes singulares. Isso não tem a ver com direitos humanos.
Então, violação de direitos humanos é mais quando se trata de envolvimento de entidades governamentos e movimentos armados (grupos de guerilha). Até hoje, a estas duas instituições são imputadas violações de direitos humanos. Até este momento em que está a entrevistar-me (Maio), decorre um debate sobre a inclusão das multinacionais ao lado do conjunto das entidades governamentais e movimentos armados como violadores de direitos humanos.
Por outro lado, o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional impõem determinadas medidas aos governos, que têm, de certa forma, um impacto negativo na base ou na vida das populações. O que se pergunta é: por que razão o governo não negociou, colocando sua visão de governação, não aceitando as políticas das instituições do Breeton Woods, de ânimo leve, como tem vindo a acontecer.
Qual é a ligação entre as políticas neoliberais e a violação dos direitos humanos, particularmente no terceiro mundo?
BS. A ligação entre as políticas neoliberais e a violação dos direitos humanos é evidente. É a partir das políticas neoliberais que começam a surgir conceitos sobre desenvolvimento sustentável, exclusão social, desemprego e assimetrias regionais. Existem vários problemas conjunturais e estruturais causados exactamente pela implementação de políticas neoliberais. O governo (moçambicano) está em um dilema: precisa de fundos externos para implementar os seus programas e políticas, mas também é obrigado a seguir, de alguma forma, as recomendações dos que lhe dão dinheiro. E nem sempre as recomendações do Banco Mundial, FMI e outros doadores coincidem com a implementação efectiva dos direitos humanos. Contudo, o governo é obrigado a receber esses fundos para a sua sobrevivência , mesmo prevendo e sabendo que os direitos humanos básicos dos cidadãos serão violados.
Algumas correntes nacionais e internacionais defendem que os direitos humanos sao Ocidentais.
-Qual é o seu posicionamento?
BS. Eu não diria, de uma forma tácita, que os direitos humanos são Ocidentais. Penso que quando falamos de direitos humanos estamos querendo universalizar esses direitos. Essa é uma questão de lógica de direitos inerentes à pessoa humana, que não têm a ver com o espaço geográfico em que essa pessoa se encontra; não tem a ver com os costumes que essa pessoa desenvolveu no seu espaço geográfico; tem a ver com o facto de ele ser ser humano. Ele e qualquer um deve gozar de boa saúde, vida, educação independentemente de ser ocidental, africano e por aí em diante.
Pequeno BI
Book Sambo é bacharel em Ciências Sociais e licenciado em Sociologia, pela Universidade Eduardo Mondlane.
Iniciou a sua carreira de docente como monitor na Universidade Eduardo Mondlane e
actualmente realiza pesquisas na área de Direitos Humanos para a Liga Moçambicana de Direitos Humanos, colaborando simultaneamente com a Amnistia Internacional.
É co-autor do livro A Leitura Sociológica (2004) , coordenado por sociólogo Elísio Macamo, e autor de vários artigos publicados na revista Democracia e Direitos Humanos.
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