Carlos Marighella

Frei Beto.


"Para a história, a vida e a morte de Marighella são muito recentes. À esquerda falta consenso a respeito das reais circunstâncias de sua morte —exceto a de que foi vítima do terrorismo de Estado. Dou a minha versão em "Batismo de Sangue", sem eximir meus confrades de responsabilidades. Dela discorda Jacob Gorender em "Combate nas Trevas", mas concorda Emiliano José em "Carlos Marighella, o inimigo número um da ditadura militar".

Essa polêmica não favorece um melhor conhecimento do que importa —a sua vida de revolucionário brasileiro. Não se forma uma geração sadia sem utopias e figuras paradigmáticas altruístas. A minha, que teve o privilégio de completar 20 anos de idade nos anos 60, salvou-se da "juventude transviada" graças a Luther King e Che Guevara, a dom Hélder Câmara e João XXIII e, sobretudo, à derrota dos EUA na guerra contra uma das nações mais pobres do mundo, o Vietnã. De nossos sonhos brotaram a Bossa Nova e o Teatro do Oprimido, o Cinema Novo e o tropicalismo, o movimento estudantil e as comunidades eclesiais de base, a emancipação da mulher e a contracultura. Acatamos a sugestão de Che: "Seja modesto, queira o impossível".


Marighella situa-se entre aqueles que, com seu sangue, escreveram as mais importantes páginas da história do Brasil: Zumbi, Sepé Tiaraju, Felipe dos Santos, Tiradentes, Cipriano Barata, Frei Caneca, Bento Gonçalves, Angelim, Antônio Conselheiro, o "monge" João Maria, Luiz Carlos Prestes, Francisco Julião e tantos outros. São nomes que ainda não saíram das sombras a que a elite insiste em relegar a nossa história. Em nossas escolas, e nos raros programas televisivos que se referem à história do Brasil, poucos conhecem a geografia semântica de termos como Palmares, Cabanagem, Canudos, Contestado, Farrapos, Praieira, Confederação do Equador, Coluna Prestes."

Filho de imigrantes italianos, Marighella encontrou no Partido Comunista o esteio que lhe forjou o vigor combatente. Deputado federal constituinte, não se deixou cooptar por aqueles que, após a ditadura Vargas, buscaram um pacto político que não incluía os direitos econômicos das classes populares. Marighella não ambicionava o poder, mas o Brasil soberano, livre da submissão ao capital estrangeiro.


Por fidelidade a suas origens operárias, rompeu com o PCB para aderir ao primado da ação. Estava cansado de documentos e palavras, quando o momento exigia, como ainda hoje, mudanças radicais na estrutura social brasileira. Queria uma revolução. Porém, desde os anos 30, a elite brasileira repete com insistência: "Façamos a revolução antes que o povo a faça". É o que se vê nesses supostos projetos contra a pobreza apadrinhados, em véspera de eleições, por aqueles que se situam entre os responsáveis pela escandalosa desigualdade social reinante no Brasil.


Uma nação ou uma pessoa que se envergonha de sua própria história corre o risco de perder raízes e identidade, qual colonizado que louva o colonizador e procura imitá-lo. A vida de Marighella foi um gesto de oblação. Trinta anos depois de morto, ele prossegue desafiando a generosidade dos vivos, e apontando, para o nosso país, um caminho de futuro, onde todos tenham saúde, educação, trabalho e moradia. É o que basta.

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey