Se figuras públicas, a braços com processos judiciais, têm direito a tempo de antena no canal estatal de televisão para se explicarem à população, será que se pode descrever Portugal como um Estado de Direito?
Quanto à separação da vida privada, da vida pública, Portugal e os portugueses, regra geral, faziam-na bem. Aventuras extra-conjugais e questões que não se relacionavam com o cargo publico não eram notícia do domínio público...até que há pouco tempo certas mulheres começaram a abrir as pernas, se relacionavam com figuras públicas (do futebol) e acabaram por abrir a boca, em público, contando segredos íntimos...e a comunicação social estava lá, e continua a estar. Lamentavelmente.
Ora bem, já não se pode dizer que em Portugal, a comunicação social tem mais respeito pela condição humana do que em outros países. Chegou a mentalidade tabloide, e está para ficar.
Parte desta globalização de valores, nivelando tudo por baixo, passa pela facilidade dada a figuras públicas em Portugal quando confrontados por processos judiciais, irem à televisão se queixarem contra tudo e todos, a justificarem suas acções.
De facto, quando se trata de uma figura publica, acusado de crimes, tudo facilita-se. Ontem foi a vez de Valentim Loureiro, arguido no processo apito dourado que conseguiu tempo de antena na RTP 1, canal estatal de televisão, explicar-se perante os telespectadores.
Não teria sido mais correcto explicar-se num tribunal, perante um juiz? No caso de ele conseguir ser ouvido por um júri, o seu caso não teria sido influenciado já pela cobertura publica? Será que qualquer juiz irá contemplar o seu caso com a mesma neutralidade depois do teor deste ter sido emitido no principal canal estatal de televisão? A RTP não se torna cúmplice assim nas teias do Major?
Não seria mais correcto a comunicação social relegar qualquer cobertura sobre este caso, e outros, para segredo de justiça, presumindo que o Major Valentim Loureiro é inocente até ser provado ao contrário, deixar este senhor viver a sua vida e desempenhar seus cargos públicos com a dignidade de uma pessoa inocente até que o sistema de justiça bem entender alterar o estatuto?
Se um membro qualquer do publico, que não seja figura publica, for acusado de ter cometido um crime, ele terá o mesmo direito de apresentar seu caso na televisão pública? Sendo a resposta não, então só se pode concluir que a RTP não providencia um serviço publico, mas sim serve de feudo elitista para os ricos e poderosos limparem seus nomes fora do devido foro legal, que se chama um tribunal.
E sendo esse o caso, não se pode concluir que Portugal seja um estado de direito quando seu principal canal de televisão serve os interesses particulares de figuras publicas. Há que demonstrar o mesmo rigor na separação dos interesses quando se trata de processos judiciais, que quando se trata de uma amante, ou uma prostituta.
Mas não é isso que se vê. Falta agora o dono dos quatro cães arraçados de Rottweiler, que degolaram uma senhora ucraniana há dias, aparecer no Canal Dois, a chorar, a dizer que deve ter sido algo no vento. A ver vamos se este caso não for arquivado.
Timothy BANCROFT-HINCHEY
PRAVDA.RuSubscrever Pravda Telegram channel, Facebook, Twitter