Por Milton Lourenço
Um representante do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) anunciou recentemente, em São Paulo, em reunião com representantes do setor privado, que, pela primeira vez, a soma das vendas brasileiras para os países da América do Sul nos últimos 12 meses havia sido superior às realizadas para os EUA no mesmo período. E o fez em tom triunfal, dando a entender que esse objetivo teria sido resultado de uma estratégia governamental.
Se assim foi, eis aqui um objetivo estabelecido com bem pouco juízo. Afinal, num estágio da vida das nações em que o que mais o gigante chinês quer é negociar com a única superpotência do planeta, festejar o fato de ter vendido mais para a América do Sul do que para os EUA é algo que foge à luz da razão. É caminhar sorrindo para o abismo.
Na mesma reunião, o representante do MDIC anunciou, no mesmo tom triunfal, que 10% do aumento das exportações brasileiras foram para países que, tradicionalmente, não faziam parte do nosso intercâmbio, como Cazaquistão, Líbano, Nigéria e Argélia, resultado do esforço do governo brasileiro em abrir novos mercados.
O MDIC anunciou ainda que o Brasil está perto de fechar um amplo acordo comercial com a Índia e outro com a África do Sul, de menores proporções e limitado ao setor automotivo. Além disso, tem preparado para 2006 um programa de missões a Guatemala, Costa Rica, Equador, Angola e Moçambique, com o objetivo de intensificar o intercâmbio com esses países.
Nada contra essas nações, mas convenhamos que esses esforços serão mínimos se comparados com os prejuízos que o País começa a acumular com o distanciamento que vem ocorrendo em relação aos EUA e seu imenso mercado interno de US$ 11 trilhões. Também é absolutamente inconsistente o argumento de que o aumento das exportações brasileiras para os países sul-americanos pode substituir as vendas para os EUA, compensando as perdas que estamos registrando, de maneira significativa, desde 2003.
A realidade é que norte-americanos e europeus estão aumentando o consumo de automóveis, máquinas, produtos químicos e aço da China e da Índia, em detrimento do produto brasileiro. Com o câmbio valorizado, o Brasil começa a perder espaço em produtos manufaturados em que, até há pouco tempo, tinha não só tradição como especialização. E começa a voltar a ter uma pauta exportadora de produtos primários, essencialmente agrícolas.
Como está claro e só não percebe quem não quer, a decisão de emperrar as negociações para a formação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) foi um tiro que saiu pela culatra, pois os EUA estão jogando pesado contra o Mercosul, a exemplo do que fazem contra a União Européia. E, claro, contra a Venezuela, por razões óbvias.
Ao costurar tratados bilaterais com vários países sul-americanos, os EUA começam a erguer uma Alca sem o Mercosul, tendo já assinado acordos com Peru e Colômbia, enquanto negociam com Equador e Bolívia. Negociando em condições desfavoráveis, pois de maneira isolada, essas nações sul-americanas se deixam atrair pelas vantagens apresentadas pelos EUA, dando em troca preferências tarifárias, na maioria das vezes, superiores às oferecidas aos produtos brasileiros.
Isso significa que, à medida que os EUA avançam na região com acordos bilaterais, as vantagens comerciais dos acordos no âmbito da Associação Latino-Americana de Integração (Aladi) começam a desaparecer, prejudicando a competitividade dos produtos brasileiros. Isso pode levar também as companhias brasileiras a estabelecer parcerias com empresas dos demais países sul-americanos ou abrir filiais, transferindo parte de sua produção para lá, a fim de aproveitar as vantagens oferecidas pelo sedutor mercado norte-americano.
Não é preciso ser futurólogo para imaginar os problemas sociais que podem advir se as empresas brasileiras forem obrigadas pela competição a criar empregos nos mercados vizinhos. Tudo isso mostra que também não será por muito tempo que o MDIC poderá esgrimir o frágil argumento de que as vendas para os países sul-americanos substituem as perdas com o mercado norte-americano. Se não houver uma mudança de mentalidade, logo vamos começar a perder mercado também nas vizinhanças.
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Milton Lourenço é diretor-presidente da Fiorde Logística Internacional, de São Paulo-SP (www.fiorde.com.br). E-mail: [email protected]
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