A experiência histórica é farta em exemplos de que o Fundo Monetário Internacional (FMI) não é um bom conselheiro para países como o Brasil. Mas a instituição, que serve aos desígnios do imperialismo americano e europeu, teima em dar palpites infelizes sobre a economia nacional. O mais recente está contido em relatório divulgado nesta quinta-feira (27), que faz alarde sobre a suposta deterioração das contas fiscais, que teria sido "particularmente brusca".
De acordo com o FMI, na atual situação, o governo brasileiro não deve realizar "sua meta fiscal (superávit primário da ordem de 3% do Produto Interno Bruto, PIB) por ampla margem". O superávit, que nada mais é do que uma poupança feita para pagar juros da dívida interna com recursos subtraídos dos investimentos públicos, nos é apresentado como um dogma que não admite contestações. Negligenciá-lo é considerado um pecado mortal, imperdoável.
Política anticrise
Parte da política adotada pelo governo Lula em 2009 e também no ano passado para contornar os efeitos da crise mundial do capitalismo consistiu em reduzir sensivelmente o superávit primário, de forma a usar os recursos públicos disponíveis para ampliar os investimentos e evitar a queda do consumo. Isto compreendeu, entre outras coisas, renúncias fiscais, capitalização do BNDES, tímida ampliação do prazo do seguro-desemprego para algumas categorias e fomento do crédito público.
A política anticrise traduz uma orientação antagônica às receitas impostas pelo FMI que foram aplicadas pelo país no passado (durante a ditadura militar, anos 1980, e no governo FHC) e teve inegável êxito. O Brasil saiu rapidamente da crise e voltou a crescer a partir do segundo semestre de 2009. Se o caminho escolhido fosse o da austeridade fiscal recomendado pela direita neoliberal o resultado não seria o mesmo e provavelmente estaríamos, agora, às voltas com estagnação econômica e desemprego em alta.
Coro reacionário
É tal orientação (contra a crise) que o FMI critica no relatório, acusando o governo de manter uma política fiscal muito relaxada. A famigerada instituição, gendarme da oligarquia financeira, não está isolada nesta crítica. Lidera um coro reacionário, que emana do mercado financeiro, serve a interesses obscuros e ecoa com força na mídia hegemônica. O suposto "descalabro" fiscal é a verdade absoluta do momento e, na versão do pensamento dominante, seria a causa profunda da aceleração da inflação, tese contestada por inúmeros economistas, inclusive pelo renomado crítico da globalização neoliberal e do FMI, o norte-americano Joseph Stiglitz.
É importante assinalar que, embora tenha sustentado os gastos públicos num momento de queda da receita (decorrente da crise e das isenções fiscais), o Brasil não incorreu em déficit público primário, ao contrário do que sucedeu com os Estados Unidos, Japão e União Europeia. Manteve o superávit primário, embora menor, e o crônico saldo negativo das despesas financeiras (designado de déficit nominal) provocado pelo escorchante pagamento dos juros, que consomem mais de 5% do PIB.
Déficit imperial e inflação
Já o déficit nos EUA é deveras escandaloso. Deve chegar a US$ 1,5 trilhão, cerca de R$ 2,5 trilhões, neste ano, de acordo com a previsão do Escritório de Orçamento do Congresso. Significa mais de 10% do PIB estimado em US 14,6 trilhões. O valor da dívida pública da velha e decadente potência não é menos chocante, está ultrapassando os últimos limites estabelecidos pelo Parlamento e se estes não forem elevados em breve o governo pode se tornar inadimplente e cair em moratória.
Todavia, Washington não só continua com a gastança como também não abre mão do privilégio de emitir dólares para resgatar títulos públicos, embora seja evidente que esta atitude é uma das principais causas da inflação e da guerra cambial que ameaça o mundo. O FMI, embora recomende um "ajuste [fiscal] significativo" para o império, não se atreve a dar palpites sobre o uso abusivo das impressoras do Federal Reserve.
Ao contrário do que dizem o FMI e a direita, o Brasil não enfrenta uma crise fiscal e nem demanda um ajuste recessivo para reprimir a demanda. O problema número 1 da economia é dado pela mais alta taxa básica de juros reais do planeta, que deprime os investimentos, valoriza o câmbio e desequilibra o orçamento. Infelizmente, parece que a área econômica do governo está se deixando levar pelo canto de sereia neoliberal, em detrimento da valorização do salário mínimo, do PAC e do desenvolvimento nacional.
Da redação, Umberto Martins, com agências
Vermelho.org.br
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