V Medidas para ultrapassar esta crise
por Carlos A. G. Gomes [*]
A convicção dos adeptos do liberalismo económico, segundo a qual o interesse geral é perfeitamente assegurado se cada um prosseguir com o seu interesse particular, revela-se manifestamente ilusória perante as evoluções decisivas do ciclo, além do facto de esta posição mascarar a oposição de interesses entre capitalistas e entre estes e os assalariados.
Os sistemas financeiros são incapazes de se auto-regularem e, por conseguinte, as medidas de liberalização financeira contêm o germe das crises. À medida que crescem as fortunas aumenta a confiança e os investidores tomam posições cada vez mais arriscadas, intercalando maior endividamento em relação ao capital que possuem. A lógica deste modo de operar permite conseguir grandes lucros com pouco capital, graças à inflação dos preços dos activos que se auto-engendra. O auge termina com os níveis de endividamento excessivo de todos os agentes e a escassa capitalização das entidades financeiras, facto que lança a semente das falências dos devedores e dos intermediários financeiros.
Todas as políticas do neo-liberalismo têm como efeitos, directos ou indirectos, centrais ou laterais, enriquecer os mais ricos e poderosos à custa do empobrecimento e a opressão da maioria da humanidade. Todas tendem a escravizar e sujeitar os povos que despojaram dos seus rendimentos e dos seus recursos. Entre todas as políticas destaca-se a injusta dívida externa que pesa sobre os países periféricos. Peritos e não peritos demonstram que os países endividados reembolsam cada ano mais do que recebem como empréstimo, que com o seu endividamento perdem a sua liberdade política e que os seus governantes se convertem nos intermediários dos grandes usurários para colocar no mercado a soberania dos seus povos, malbaratada, nula de todo o direito. O liberalismo tem sido a arma principal dos ganhos dos super-ricos e das grandes potências em prejuízo dos povos e dos cidadãos. Todos os estudos sérios levam à certeza de que com a continuação desta política o futuro da humanidade está gravemente ameaçado.
No decurso dos períodos de depressão, a interactividade entre monopólios e Estado assume formas bem conhecidas. Em todas crises financeiras o Estado aparece sempre como o único agente capaz de garantir a confiança e de injectar capital. Por isso, as nacionalizações temporais de entidades financeiras são comuns, às quais se agrega agora a possibilidade de comprar acções preferenciais. Esta solução permite ao Estado recuperar parte ou a totalidade dos recursos adiantados, vendendo as suas participações accionistas quando a situação melhorar.
A gravidade dos efeitos desta crise exige a tomada de rigorosas medidas, umas de possível aplicação imediata ou a curto prazo, outras exigindo uma mudança mais longa envolvendo o próprio sistema.
O que se revela, em primeiro lugar, necessário é uma democratização do Estado que empreenda a modificação das relações sociais de produção. É urgente substituir a intervenção do Estado em proveito dos monopólios privados por uma nacionalização progressiva dos sectores-chave da actividade económica, planificando a orientação da produção e distribuição em função das necessidades dos cidadãos e do país. Só assim podem ser suspensos os obstáculos postos pelo capitalismo monopolista à via duma sociedade tendente à satisfação das necessidades dos homens, à supressão das desigualdades sociais e à eliminação do carácter constrangedor do trabalho.
No caso do nosso País, permito-me sugerir algumas medidas que considero susceptíveis a implementar pelo Governo a curto prazo, tais como:
O Estado intervir no processo de encerramento de empresas, de redução da sua actividade ou de despedimentos colectivos, com a participação dos trabalhadores ou dos seus representantes, de forma a acautelar a continuidade da produção e do emprego.
2- Acabar com a flexibilização do trabalho, suspender o actual Código do Trabalho e fomentar a criação de novos empregos directamente por parte do Estado e das autarquias.
3- Promover um aumento salarial de emergência beneficiando trabalhadores com menores rendimentos e alargar o subsídio do Fundo de Desemprego.
4- Planificar e incrementar a produção nacional em conjunto com as organizações representativas dos sectores produtivos, as pequenas e médias empresas e produtores e comerciantes individuais e familiares, as autarquias e instituições defensoras dos interesses locais ou regionais.
5- Reduzir as importações, sobretudo de mercadorias que são ou podem ser produzidas no País, numa óptica de defesa dos interesses nacionais e não das multinacionais.
6- Apoiar as PMEs no incremento da sua actividade, organização e gestão, política de crédito e criação de novas actividades.
7- Proceder ao controlo efectivo dos preços, evitando a tendência especulativa frequente em tempos de crise.
8- Acabar com a privatização de actividades públicas rentáveis ou de exploração de recursos naturais e serviços das comunidades,
9- Acabar com a utilização de meios financeiros do Estado ou de instituições públicas para salvar os investidores financeiros ou especuladores, compensar as descidas de lucros das grandes empresas nacionais ou multinacionais.
10- Regulamentar e supervisionar as instituições financeiras, incluindo fundos de pensões, impedir os empréstimos bancários destinados a especulações financeiras, extinguir o "offshore" da Madeira.
11- Definir uma política de concessão de crédito, de curto e longo prazo, que contribua para o desenvolvimento económico e assegure o interesse e a defesa dos cidadãos.
Outras medidas, não imediatas, são susceptíveis de virem a ser implementadas com o apoio indispensável dos cidadãos:
1- Combater o liberalismo económico e financeiro.
2- Alterar o sentido da globalização, como meio de domínio das multinacionais à escala mundial, substituindo-o por uma campanha de solidariedade entre os povos que elimine as diferenças entre os países ricos e os economicamente subordinados.
3- Promover a nacionalização da banca, dos seguros e doutras instituições financeiras.
4- Reduzir o consumo petrolífero do País, o mais cedo possível, e congelar de imediato os megas projectos do governo.
5- Eliminar o ascendente do poder económico sobre o poder político.
6- Acabar com a democracia formal e instituir um regime democrático, a nível político, social e económico, que salvaguarde os iguais direitos de todos os cidadãos.
Almada/18/Março/2009
[*] Economista, autor de Economia do sistema comunitário , [email protected]
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
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