Crise geral do capitalismo IV – Análise e sugestões

por Carlos A. G. Gomes [*]
IV – CRISE DE 2008


Em 2001, após os atentados terroristas nos EUA, criaram-se condições para uma economia de guerra com o objectivo de animar e impulsionar a produção mundial. Como segunda medida, o Governo dos Estados Unidos fixou uma política de baixas taxas de juro para permitir a recuperação da economia americana, oferecendo dinheiro barato tanto a capitalistas como à população em geral, ampliando a quantidade de clientes devedores, animando a gestão dos empréstimos e, com ele, o consumo massivo.


Novas linhas de crédito foram difundidas, em especial as relativas às hipotecas. Os bancos, incluindo os comerciais, começaram a outorgar créditos a longo prazo para a compra de apartamentos ou vivendas com facilidades excessivas sem cuidar da capacidade de pagamento por parte dos compradores. Conjuntos de dívidas eram posteriormente vendidos a instituições especializadas com base em pagamentos futuros e na valorização sistemática dos próprios imóveis. Este auge de hipotecas denominou-se "subprime". A política seguida beneficiou dum êxito inicial porque se ampliou o mercado imobiliário, mantendo-se uma forte procura de casas cujos preços não paravam de subir.


Em vários países, incluindo Portugal, tornou-se viável obter novos empréstimos pela diferença entre o valor actualizado da casa e o valor que faltava pagar da hipoteca, através do refinanciamento da dívida, o que permitia obter empréstimos destinados a outros usos. Este mecanismo baseado no incremento do valor da casa entra em rotura se o valor das casas deixa de subir e começa a descer. Foi o que começou a acontecer nos começos de 2006. Nessa altura a Reserva Federal Americana voltou a subir as taxas de juro para evitar um aumento da inflação e para de algum modo reter este mecanismo, pois já se começava a notar a formação duma bolha especulativa. Esta bolha forma-se quando muitos investidores compram qualquer coisa na perspectiva de uma subida de preço e a mudança dessa tendência gera uma explosão.


A forte procura pelos mesmos activos não pode deixar de elevar as cotações, de modo que se afigura muito fácil ganhar dinheiro especulando com acções, títulos de crédito, divisas, contratos futuros, etc. Assim se alimenta a auto-euforia. Como a economia está sempre a mudar, espera-se que algumas empresas sejam favorecidas pelas transformações e que, em compensação, outras sejam desfavorecidas. Por consequência, é de esperar uma maior procura pelas acções das primeiras e menor pelas últimas, daí resultando a subida da cotação daquelas e a queda da cotação destas. O efeito líquido das subidas e descidas de cotações deveria aproximar-se do zero. Mas não é isso o que se observa, devido às frequentes manobras especulativas que visam o controlo das grandes empresas, inclusive as multinacionais.


Em 2007, regista-se uma desaceleração dos indicadores de produção mundial nos níveis de custos laborais, produtividade do trabalho e receitas. O colapso financeiro mundial iniciou-se um ano antes da data em que se desencadeou na fatídica semana iniciada em 14 de Setembro de 2008 com a falência de um dos cinco grandes bancos de investimento norte-americanos, a que se seguiu o resgate da principal empresa de seguros (AIG), a venda forçada dos activos do principal banco de aforro e crédito (Washington Mutual), dum dos maiores bancos comerciais (Wachovia). Já nos meses anteriores, outros bancos mais pequenos tinham falido. Desencadeou-se igualmente a falência de bancos europeus.


Nessa semana, o sistema financeiro dos Estados Unidos esteve à beira dum colapso total; desencadeou-se uma virtual paralisação do crédito interbancário e da emissão de papeis comerciais de curto prazo.


Os preços das matérias-primas começaram a subir devido à expansão desordenada do sector da construção e à alteração sistemática das cotações do petróleo. Tanto as matérias-primas fundamentais derivadas da agricultura como as relativas à indústria energética em geral, deram lugar ao aumento dos custos de produção e à redução dos lucros.


Cada promessa de pagamento ou letra tem um prazo de vencimento mas, com a redução de recursos e perda de liquidez, as exigências de pagamento multiplicam-se e os devedores declaram falência. Muitas empresas quebram ou reduzem o seu nível de operações, despedem trabalhadores, aumentando o desemprego. Como ficam endividadas, compram menos a outras empresas, o mercado contrai-se e surge a aceleração do desemprego, a redução de salários, a contracção do mercado consumidor.


As empresas tentam adaptar-se às flutuações do mercado. Entendem que a etapa fundamental do ciclo económico é o mercado e não a produção, e assim procuram pôr em prática um sistema de trabalho adequado à pretensão de produzir apenas o que é possível vender. Procuram seguir uma política de diminuição sensível das existências em armazém, ou seja, adoptar o princípio "zero de inventário" através duma produção cingida à procura, encomendas ou consumo corrente. Neste quadro se insere a política de flexibilização do trabalho imposta pelos governos, em colaboração com as empresas capitalistas, que tem como consequências: o embaratecimento da força de trabalho, a redução de salários, o aumento da intensidade do trabalho, a manutenção ou o aumento dos lucros. Trata-se de concretizar o objectivo de fugir aos efeitos das crises transferindo-os para o mundo do trabalho.


As bolhas especulativas estalam quando a economia enfrenta o embargo produtivo e a queda estrondosa da taxa de lucro. Quando a bolha da especulação rebenta todos os capitalistas acham que foram vítimas de circunstâncias marginais e exigem dos governos o apoio financeiro que permita manter os seus rendimentos. A realidade revela que os governos correm a salvar os detentores do capital outorgando o dinheiro do erário público aos bancos e outras instituições financeiras, à custa dos contribuintes.


As soluções esboçadas concentraram-se num dos problemas específicos, a provisão da liquidez. Só depois se concentraram num segundo problema, facilitar a venda de activos arriscados (denominados tóxicos) e só em terceiro lugar, de facto o mais importante, a recapitalização das entidades financeiras, sem o que não pode haver uma recuperação do crédito. A compra de activos "tóxicos" evita que se depreciem mas não soluciona o problema principal que é a falta de capital das entidades. Por fim, é considerada a possibilidade legal dos governos adquirirem acções das entidades financeiras.


O mundo enfrenta uma insolvência generalizada que afecta, em primeiro lugar, os países e organizações, públicas e privadas, sobre-endividados e/ou muito dependentes dos serviços financeiros. A situação que prevalece nos princípios do ano 2009 no sistema financeiro mundial é que uma parte importante dos agentes económicos, incluindo os Estados, baseou o seu crescimento nestes últimos anos no endividamento, o que reflecte e amplia o problema da solvência global. As receitas fiscais dos Estados já estão em queda o que poderá conduzir a um agravamento do défice. O problema da insolvência coloca-se igualmente em relação aos fundos de pensões.


As baixas das taxas de juro podem ser ineficazes em caso de crises de solvência, pois não produzem qualquer estímulo e incitam ao endividamento. O recurso dos bancos centrais ao Banco Central Europeu é uma forma de aumentar a quantidade de moeda em circulação correndo-se o risco do regresso da inflação. A emissão de novos títulos do tesouro traduz-se numa criação monetária pura e simples.

[*] Economista, autor de Economia do sistema comunitário , [email protected]
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey