Crise geral do capitalismo I – Análise e sugestões

por Carlos A. G. Gomes [*]


I - CRISE DE 1974
O ano de 1973 marca o fim brusco do processo de crescimento que se desenvolveu desde o fim da segunda guerra mundial. O ano seguinte constituiu um ponto de viragem no funcionamento da economia capitalista mundial. Como em todas as crises anteriores do capitalismo, a crise de 1974 consistiu no aparecimento dum período histórico em que se acentuam as contradições do sistema, neste caso agravadas por algumas características específicas. Nomeadamente, foi a primeira recessão generalizada que atingiu simultaneamente todas as grandes potências capitalistas, especialmente EUA, Japão e Reino Unido.


Assumiu inicialmente as características duma crise clássica de sobreprodução, com a produção acumulada durante os anos de prosperidade a exceder o que os mercados podiam consumir. São sinais reveladores deste facto a capacidade de produção excedentária num número crescente de ramos industriais importantes, tais como, construção, matérias-primas, bens intermediários, de equipamento e de consumo.


Surge uma ruptura brutal do equilíbrio já instável entre a oferta e a procura de mercadorias. Bruscamente a oferta ultrapassa a procura solvível ao ponto de provocar um recuo das encomendas e uma redução importante da produção corrente. À venda ao desbarato, com prejuízo, segue-se a diminuição dos estoques e da produção corrente, fenómenos que conduzem ao movimento cumulativo da crise. Verifica-se, então, a redução em espiral: do emprego, dos rendimentos, dos investimentos, da produção, das encomendas. Ao não venderem as suas mercadorias, os produtores e comerciantes vêem-se incapacitados de pagar as suas dívidas.

Os lucros param ou diminuem, não podendo continuar a ser reinvestidos. Uma das causas das crises é explicada pelo subconsumo das massas a contrapor-se à sobreprodução. À pobreza e limitação do consumo das populações opõe-se a persistente tendência da produção capitalista em continuar a desenvolver as forças produtivas. O incremento da ganância empresarial contradiz com a possibilidade de acesso da população aos produtos necessários à manutenção do nível de vida, ou seja, da sua capacidade de compra, do que resulta uma redução paulatina do consumo.


A produção capitalista implica a interacção entre mercadoria e dinheiro. A obtenção de lucro não se realiza automaticamente, mas sim quando as mercadorias são vendidas. O desequilíbrio desta ligação entre mercadoria e dinheiro é uma primeira possibilidade de crise de superprodução ou de subconsumo. Mesmo em ambiente já denunciador da iminência de crise, verifica-se uma redução do poder aquisitivo dos trabalhadores resultante da política de travagem ou redução de salários e do desemprego em crescimento massivo. É de salientar que, mesmo na fase posterior de recuperação, o desemprego não deixou de aumentar adquirindo características crónicas, fenómeno que se mantém na actualidade.


Na fase de actividade febril, que precede a explosão da crise, há em geral um acréscimo e não redução dos investimentos, como geralmente há um aumento e não redução dos salários. Investimentos, emprego e produtividade não aumentam em proporção suficiente para sustentar por si próprios a expansão habitual. Quando o mercado está em expansão as empresas procuram obter uma parte deste bolo em crescimento, precipitando assim o sobreinvestimento e a capacidade excedentária. Logo que surge uma venda ao desbarato é absurdo aumentar a capacidade de produção de cada empresa. Pelo contrário, torna-se necessário reduzir as perdas e baixar os preços ou seja reduzir a produção, do que resulta um subinvestimento cumulativo ao nível macroeconómico. O investimento empresarial regista então uma queda acentuada na generalidade dos países capitalistas.


Em 1973, os preços dos principais produtos eram determinados pelo mercado mundial e não pelo mercado nacional. A alta de preços do petróleo deteriorou a relação de forças à escala mundial e obrigou a conceder às classes dominantes dos países da OPEP uma brusca e enorme parcela do rendimento petrolífero. A inflação manteve-se e acentuou-se na generalidade dos produtos industriais. No final de 1974 não havia ainda qualquer sinal de redução da pressão inflacionista. O processo inflacionário empobreceu os níveis de vida da classe trabalhadora e reduziu o poder aquisitivo.


A crise de superprodução amplia por sua vez a queda da taxa média de lucro, o que desencadeia o recurso acrescido ao crédito, o agravamento do endividamento das empresas e acentua a concorrência entre os capitalistas. As empresas, mais fortes sob o ponto de vista tecnológico e as mais poderosas sob o ponto de vista da dimensão dos seus capitais, dispõem de vantagens evidentes em relação às empresas mais retardatárias ou mais fracas. Como dominam o mercado tentam manter pelo máximo de tempo possível o anterior lucro médio.


São diversas as formas de aparecimento do acontecimento detonador que precipita as crises. Pode ser um escândalo financeiro, um brusco pânico bancário, a bancarrota duma grande empresa ou simplesmente a queda dum sector fundamental do mercado mundial. Pode ser mesmo uma brusca escassez de uma matéria-prima ou energética essencial. Mas a existência dum detonador não é a causa da crise. Para desencadear a criseé necessário que coincidam uma série de pré-condições que não derivam do detonador. Os elementos conducentes a uma próxima crise estavam já reunidos e apenas aguardavam por um elemento catalisador para se manifestar.


A crise revela-se primeiramente sob a forma de uma fracção do capital acumulado que, não podendo ser investida produtivamente em condições de rentabilidade habituais, é encaminhada para actividades especulativas e mais arriscadas. Esta acumulação de capital não permite aos capitalistas o usufruto imediato dos altos ganhos que procuram. Daí uma tendência dominante para um acréscimo de dificuldades financeiras difíceis de ultrapassar a curto prazo.


A crise de 1974 caracterizou-se também por uma sobreacumulação de capital, a avançar com uma rapidez sempre crescente que ultrapassa o ritmo de extensão da produção. As incoerências consequentes desta sobreacumulação introduzem na produção distorções múltiplas: incertezas nos mercados, perdas devido à anarquia da concorrência, desordem na execução de meios técnicos, agravamento das tensões sociais, da luta ideológica e política. Tudo isto constitui um labirinto que os Estados procuram permanentemente desenredar em conluio com a burguesia e em particular os seus grupos monopolistas.


O desenvolvimento de grupos financeiros está estreitamente ligado a esta sobreacumulação, à sua internacionalização e à capacidade de mobilizar créditos. Os capitais excedentes, não aplicáveis na produção ou em novos investimentos nos sectores de actividade económica, tendem a procurar uma valorização com carácter especulativo que se desenvolve com todos os riscos que comporta.


Os bancos atingidos pela crise estavam ligados, duma maneira ou de outra, aos grupos monopolistas. A dilatação do crédito, além de contribuir para uma alta de preços e das taxas de juro, provocou um avolumar considerável de créditos incobráveis. A utilização de capitais no curto prazo no financiamento de operações a longo prazo a elevadas taxas de juro ocasionou situações em que os bancos já não podiam fazer face aos seus compromissos para com os depositantes.


No sistema monetário registou-se um desvio de sustentação com o abandono da convertibilidade do dólar com o ouro, ocorrida em 1971 por decisão do governo americano, incapaz de resistir ao ataque especulativo contra o dólar. Reconstruiu-se então um novo sistema baseado na livre flutuação das taxas de câmbio, deixando a cargo de cada governo a adopção do regime cambial que preferisse. Os défices nas balanças de pagamentos cresceram bruscamente para além da média normal.


O receituário do economista Keynes, em defesa duma política de intervencionismo do Estado com o objectivo de suavizar os efeitos adversos dos períodos de regressão e das flutuações cíclicas, foi posto em causa. Em consequência disso, verificou-se uma viragem na prática de regulação estatal da actividade económica e financeira e defendido o mecanismo de mercado e a sua liberalização.


As sociedades multinacionais, surgidas após a Segunda Guerra Mundial, empenharam-se na criação de alicerces para a integração global dos ramos de actividade com maior relevância no comércio internacional. Em 1975, destacavam-se entre as grandes sociedades multinacionais a Exxon no ramo petrolífero, a General Motors como primeiro construtor de automóveis e, entre os fabricantes de aço, o grupo japonês Nippon Steel e o grupo americano US Steel.

[*] Economista, autor de Economia do sistema comunitário , [email protected]
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey