Há algum tempo atrás, quando se afirmava que o imperialismo estadunidense caminhava para o desfiladeiro, o que não significava prever a sua morte súbita, muitos questionavam o diagnóstico. Afirmavam que ele era catastrofista. Agora, porém, alguns analistas já admitem que o império do mal está em célere declínio, cuja maior expressão é sua grave crise econômica. A renomada intelectual Maria da Conceição Tavares, que escreveu vários livros e artigos sobre a inabalável hegemonia dos EUA, acaba de fazer uma autocrítica honesta e corajosa da sua visão anterior.
Altamiro Borges
Deus mercado virou diabo
Não escreveria hoje, como escrevi em 1984, sobre a retomada da hegemonia americana, disse numa entrevista à Reuters. Sempre incisiva, ela antevê que o século XXI não será mais norte-americano e decreta a falência das idéias neoliberais. O Deus mercado virou diabo na terra do gelo. Para ela, não há mais dúvida de que os EUA entrarão em recessão. A ligação entre essa crise e o setor real agora é o aperto do crédito. Sem continuar, vamos para uma recessão global. Sem crédito, o capitalismo não funciona. A tendência, afirma, seria a da desordem mundial.
Apesar deste diagnóstico, que seria taxado por alguns, no passado, de catastrofista e apocalíptico, a brilhante economista ainda vê saídas para o sistema. No momento, interessa ao capitalismo se regular. O neoliberalismo foi-se... Sofreu golpe mortal. O governo terá de regular, mas não é um processo fácil... Se conseguirem um acordo, ai já dá para todos [John McCain e Barack Obama] irem para casa disputar as eleições. Para ela, ou os EUA resolvem quais são as regras agora, enquanto são donos do cassino, ou daqui a pouco não adianta porque não serão mais os donos.
O dólar acabou
Mais pessimista, o ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Carlos Lessa, avalia que não há mais retorno para a crise estadunidense e prevê que ela contaminará o conjunto da economia mundial ela já chegou ao Brasil. Para ele, o dólar acabou e a crise só poderia ser estancada com um acordo entre as potências mundiais, um novo Bretton Woods. Mas o problema é o seguinte: os EUA não vão deixar que o dólar acabe. Os americanos vão tentar distribuir essa conta pelo mundo inteiro.
Lessa também abraçou a tese do declínio do império. Na história da humanidade, nunca houve uma sociedade tão poderosa quanto os EUA. É um poder militar, um poder cultural enorme, mas a chave desse poder chama-se dólar. Isto por uma razão muito simples: as reservas de todos os bancos centrais do mundo são lastreadas, predominantemente, em títulos do Tesouro dos EUA... Essa crise americana foi, na verdade, o jogo financeiro dos bancos americanos que, em última instância, debilitou profundamente o dólar. Ninguém sabe o tamanho do buraco. Com a crise do dólar, esse poder se derrete e, como efeito, a colapso econômico se espalha pelo mundo inteiro.
É o fim do neoliberalismo?
Mais cauteloso, o sociólogo Emir Sader avalia que a crise será grave, mas esboça dúvida sobre o fim da hegemonia ianque ou sobre a falência do neoliberalismo. Diante das maciças intervenções estatais nos EUA e na Europa para salvar o sistema do caos, ele pergunta: Elas significam o fim do neoliberalismo? É possível a retomada de processos regulatórios globais um novo Bretton Woods , que brequem estruturalmente a livre circulação de capitais e revertam os processos de desregulação econômicas, essência mesma do neoliberalismo?. A sua resposta é inquietante:
Nada indica que isso seja possível. Não existe uma lógica racional do capitalismo, que faça com que seus agentes de grandes corporações a estados dominantes ajam conforme uma lógica... Trata-se de uma grande crise capitalista, já se diz que a maior desde a de 1929, que pode abrir caminho à construção de um modelo alternativo. Mas por enquanto não se vislumbra nenhum modelo que possa ter esse papel, nem sequer de maneira embrionária... Tudo indica que, entre a crise do modelo precocemente envelhecido e as dificuldades de surgimento de um novo, mediará um período mais ou menos longo de instabilidades, de sucessão de crises, de turbulências.
Crise crônica e sistêmica
Já no seu 11º congresso, em outubro de 2005, o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) reafirmava a sua tese sobre o declínio do império estadunidense. Pode-se afirmar que o sistema capitalista-imperialista vive um período de aprofundamento de sua crise crônica e sistêmica. Sem cair numa visão fatalista e na atitude ingênua de prever a débâcle automática do sistema, pode-se asseverar que as contradições fundamentais do capitalismo estão em agravamento, normente a contradição entre o caráter social da produção e a apropriação privada de seus produtos, diz a resolução. De lá para cá, a crise apenas se agravou, revelando que a tese do declínio nada tinha de catastrofista.
O estouro da bolha imobiliária, a crise do subprime, confirmou o apodrecimento desta economia, após um curto ciclo de expansão que iludiu muita gente. Os EUA são hoje um país endividado, totalmente parasitário. Seu déficit gêmeo não pára de crescer e superou a casa de US$ 1,3 trilhão em 2006. O país precisa atrair cerca de US$ 3 bilhões ao dia para sustentar seus déficits. No final do ano passado, a dívida das famílias ianques atingiu a cifra recorde de US$ 11,5 trilhões e a das empresas superou US$ 8,4 trilhões. Na ocasião, o economista cubano Osvaldo Martinez garantiu que a crise econômica dos EUA é estrutural e insolúvel. A vida confirmou o seu diagnóstico.
http://altamiroborges.blogspot.com/2008/10/crise-dos-eua-e-vises-catastrofistas.html
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