Era inevitável: o fracasso da Organização Mundial do Comércio (OMC) em fechar um acordo está exigindo de muitos países uma redefinição de sua política externa. E Brasil e Argentina, depois de esperar muito da Rodada Doha, lançada em 2001 e concluída ao final de julho em clima de naufrágio, precisam agora sair em busca do tempo perdido, pois, finalmente, concluíram o que qualquer analista já havia percebido há vários anos: as futuras negociações terão de ser sempre regionais, e não globais. E isso, obviamente, passa pelo fortalecimento do Mercosul.
Milton Lourenço (*)
Era inevitável: o fracasso da Organização Mundial do Comércio (OMC) em fechar um acordo está exigindo de muitos países uma redefinição de sua política externa. E Brasil e Argentina, depois de esperar muito da Rodada Doha, lançada em 2001 e concluída ao final de julho em clima de naufrágio, precisam agora sair em busca do tempo perdido, pois, finalmente, concluíram o que qualquer analista já havia percebido há vários anos: as futuras negociações terão de ser sempre regionais, e não globais. E isso, obviamente, passa pelo fortalecimento do Mercosul.
A questão, porém, é saber que Mercosul os latino-americanos, os brasileiros inclusive, querem? É de lembrar que, criado em março de 1991, o Mercosul, na área comercial, apresentou resultados animadores em seus primeiros anos. Basta ver que, em 1998, os demais países do Mercosul absorviam 17,4% das exportações brasileiras, enquanto em 2007 essa fatia foi de apenas 8%. Portanto, se os países do Mercosul -- a Venezuela, inclusive, que aderiu ao pacto em 2006 -- pretendem se tornar uma força negociadora no cenário internacional precisam resolver uma série de disputas entre si e melhorar sua integração.
Que o Mercosul não pode ser comparado à União Européia é mais do que evidente. Basta ver que a integração é ainda mínima: o comércio entre Brasil e Argentina, os dois maiores parceiros do bloco, representa apenas 20% das exportações totais das duas nações, o que é uma taxa muito baixa, se comparada com a registrada na União Européia, de 65%, ou no Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), de 70%.
Fazer crescer essa taxa exige um esforço hercúleo que não pode ser alcançado apenas com a retórica em favor da solidariedade latino-americana. Neste ano, o superávit comercial do Brasil com a Argentina deve alcançar mais de US$ 5,8 bilhões, o que equivale a US$ 1,8 bilhão a mais do que em 2007, quando a balança comercial foi favorável ao Brasil em US$ 4 bilhões.
É de lembrar que esse superávit ocorreu apesar do câmbio favorável às exportações argentinas e das barreiras alfandegárias, como cotas e licenças não-automáticas aplicadas pelo governo argentino a uma série de produtos, como calçados, geladeiras, televisores e têxteis, que foram tomadas à revelia dos acordos regionais no âmbito do Mercosul. A intenção do governo argentino era reduzir o déficit comercial, com a promessa de revogar essa medidas quando ocorresse uma recuperação das vendas da Argentina do Brasil.
Como poucos efeitos práticos resultaram dessa ação, é provável que o governo argentino venha a adotar novas medidas restritivas a produtos brasileiros, mas o certo é que de pouca valia serão, já que o que conta é que o Brasil tem hoje muito mais a oferecer ao mercado argentino do que receber. Portanto, o mais provável é que esse superávit seja mais alargado nos próximos anos, em vez da redução dessa margem, como pretende o governo argentino.
Nesse caso, o mais provável é que o Brasil continue a tolerar novas medidas restritivas que seriam incompatíveis num bloco que se pretende uma união aduaneira, que, a rigor, deveria abolir tarifas aduaneiras no comércio entre seus membros e adotar uma política comercial comum em relação a países de fora, com o estabelecimento de uma tarifa externa comum.
Como nada disso existe, a previsão é que o contencioso Brasil-Argentina continue a contribuir decisivamente para tornar o Mercosul um bloco ainda menos articulado do que sempre foi, o que o levou a contribuir para o malogro do projeto de formação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) e para que o acordo com os países andinos ficasse aquém do que poderia ser um acordo essencial para a integração sul-americana.
Portanto, o fortalecimento do Mercosul, neste momento, passa por um retorno à condição de zona de livre mercado, mais compatível com a integração efetiva alcançada pelos cinco sócios, cujas realidades são extremamente distintas. Dessa maneira, cada membro do Mercosul ficaria livre para negociar isoladamente seus acordos de livre comércio com outros países, tal como parece ser o único caminho que resta depois do fracasso que se verificou no âmbito da OMC para a liberalização do comércio mundial.
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(*) Milton Lourenço é diretor-presidente da Fiorde Logística Internacional, de São Paulo-SP. E-mail:
Site: www.fiorde.com.br
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