Luiz Machado
"Uma única morte é uma tragédia; um
milhão de mortes é uma estatística".
Josef Stalin
A interatividade da Internet obriga-me a retornar ao assunto abordado em meu último artigo. Atendendo a inúmeros pedidos de internautas e alunos, focalizo com mais detalhes a relação entre economia e demografia e, mais especificamente, a questão do bônus demográfico.
A relação entre economia e demografia não é, efetivamente, muito percebida pela maior parte dos economistas, haja vista que poucos são os cursos que mantém a demografia como disciplina obrigatória. A rigor, uma das poucas vezes que o tema é abordado na maior parte dos cursos ocorre quando, na cadeira de História do Pensamento Econômico, estuda-se a contribuição do economista clássico Thomas R. Malthus e seu alerta para o risco de explosão demográfica. No entanto, a demografia trata de aspectos que têm profunda importância para a economia, razão pela qual esse desinteresse relativo não pode deixar de provocar certa preocupação.
Em seu excelente Dicionário de economia do século XXI , escreve o Prof. Paulo Sandroni:
Demografia. Estudo estatístico das coletividades humanas. Os dados para esse estudo, que abrange o tamanho, a distribuição territorial e as mudanças de uma população, são obtidos por meio dos censos, estatísticas vitais e outras observações específicas. O estudo de populações antigas é feito por meio de documentos, que constituem o campo da demografia histórica. Distinguem-se duas áreas na demografia: a análise demográfica, que relaciona a composição populacional à natalidade (ou fertilidade), mortalidade e migração, por meio de levantamento de dados, cálculo de índices e elaboração de modelos matemáticos; e o estudo populacional, que relaciona esses dados numéricos a fatores de ordem social, psicológica, econômica, política, sociológica, cultural e geográfica.
Como se vê, portanto, na definição do Prof. Sandroni, a demografia vai além do simples registro estatístico da população de um município, estado ou país, envolvendo também as tendências de fertilidade e os movimentos migratórios locais, regionais e internacionais, interferindo, desta forma, em fenômenos fundamentais da análise econômica, tais como produção, emprego e renda, para ficar apenas nos mais evidentes.
Num livro muito interessante publicado em 2003, Cidades imaginárias, o Prof. José Eli da Veiga questiona os dados do último censo realizado no Brasil no que se refere à distribuição da população entre rural e urbana. No seu entender, a população urbana no Brasil é menor do que a oficialmente reconhecida, pois os critérios utilizados pelo IBGE para definir o que é considerado zona urbana são muito restritos, o que faz com que muita gente que vive em pequenas aglomerações populacionais encravadas nos descampados do País seja contabilizada como habitante urbano, o que, para ele, é um equívoco.
Voltando o foco agora para a questão do bônus demográfico, tema a que me referi no artigo "Janela de oportunidade De País do futuro para País do presente?", a primeira coisa que gostaria de destacar é que se trata de um fenômeno estreitamente relacionado à transição demográfica vivida pelo Brasil nas últimas décadas do século passado, quando se verificou acentuada redução do nosso crescimento demográfico. Graças a essa redução, o Brasil está entrando agora numa fase extremamente favorável em se tratando da contribuição da variável demográfica para a obtenção do crescimento econômico.
O Prof. José Eustáquio Diniz Alves, do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Universidade Federal de Minas Gerais (CEDEPLAR-UFMG), é um dos maiores pesquisadores do Brasil sobre o assunto. O trecho que se segue contém as conclusões de um texto distribuído por ele em recente palestra ministrada no Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial, em cujo site www.braudel.org.br pode ser encontrada a íntegra do mesmo.
A economia brasileira viveu em 2004 o seu melhor momento da nova década. O quadro internacional, sem dúvida, ajudou muito.
Mas existem questionamentos se o país entrou em um ciclo de crescimento sustentado. A resposta para essa questão vai depender da gestão macroeconômica da política monetária, fiscal e desenvolvimentista. Porém, se o Brasil ainda enfrenta dificuldades decorrentes dos 500 anos de herança maldita, o país herdou uma situação inquestionavelmente favorável pelo lado demográfico. O quadro populacional do Brasil nas três primeiras décadas do século XXI favorece o crescimento econômico.
É o chamado bônus demográfico que representa uma janela de oportunidade decorrente da mudança da estrutura etária da pirâmide populacional.
Em qualquer país, a transição demográfica só acontece uma vez e somente uma vez se pode utilizar o bônus demográfico. No entanto, essa janela de oportunidade de nada adiantará para a solução dos problemas sociais se o país não for capaz de absorver a mão-de-obra disponível e incentivar as potencialidades da alta proporção de pessoas capazes de contribuir para a elevação da produção e da produtividade.
A situação interna é favorável, pois estamos com uma população mais preparada em termos de idade, de saúde, de educação, de habitação, etc. para promover o avanço do país. O Brasildo início do século XXI passa por uma combinação entre uma estrutura demográfica e uma estrutura social que realçam uma proporção da população em idade onde o retorno social e econômico das pessoas é maior. Este fato favorece a poupança e o investimento, tanto das famílias quanto da sociedade. Em síntese, a população não é um entrave, mas sim um fator impulsionador do take off do desenvolvimento.
Se o PIB crescer 5% ao ano entre 2000 e 2030 teríamos o mesmo crescimento da renda per capita do período de ouro de 1950 a 1980. Esta taxa de crescimento não está distante das possibilidades do país. Pelo lado populacional a situação nunca foi tão favorável, pois, nesse aspecto, o país ultrapassou o umbral do subdesenvolvimento. Contudo, falta aos governos e à sociedade civil superar a mentalidade subdesenvolvida e dependente, adotando políticas econômicas e sociais capazes de fazer do Brasil um país próspero e justo, respeitado no cenário internacional. A hora é agora. Após o ano de 2030 as condições demográficas vão ficar menos favoráveis devido ao crescimento das taxas de dependência e ao envelhecimento populacional. Contudo, se o país aproveitar bem o bônus demográfico existente no período 2000-2030, certamente as condições para enfrentar o futuro vão ficar mais favoráveis.
O futuro se constrói no presente. Infelizmente a população brasileira tem sido tratada mais como um problema do que como uma solução. Entretanto, o Brasil não pode perder essa oportunidade e os cidadãos não podem permitir que os dirigentes do país desperdicem o inédito e excepcional bônus demográfico.
Iscas para ir mais fundo no assunto
Referências e indicações bibliográficas
MALTHUS, Thomas Robert. Princípios de economia política: e considerações sobre sua aplicação prática; Ensaio sobre a população. Apresentação de Ernane Galvêas. Traduções de Regis de Castro Abreu, Dinah de Abreu Azevedo e Antonio Alves Cury. São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Os Economistas)
SANDRONI, Paulo. Dicionário de economia do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2005.
VEIGA, José Eli da. Cidades Imaginárias. São Paulo: Autores Associados, 2003.
Referências e indicações webgráficas
ALVES, José Eustáquio Diniz. Como medir o tempo de duração do Bônus Demográfico? Disponível em
http://www.braudel.org.br/eventos/seminarios/2008/0506/bonusdemografico_jeda_aparte.pdf.
MACHADO, Luiz Alberto. Janela de oportunidade De País do futuro para País do presente? Disponível em http://www.lucianopires.com.br/idealbb/view.asp?topicID=8313.
___________ Grandes Economistas Malthus e o alerta demográfico. Disponível em http://www.lucianopires.com.br/idealbb/view.asp?topicID=3689.
RIOS-NETO, Eduardo L. G. Questões emergentes na demografia brasileira. Texto para discussão 276, UFMG/Cedeplar, Belo Horizonte, 51 p. 2005, p. 27. Disponível em http://www.abep.org.br/usuario/GerenciaNavegacao.php?caderno_id426&nivel=1&texto_id=2935.
___________________________________________________
Este texto foi publicado originalmente em http://www.lucianopires.com.br.
A publicação deste artigo no site do COFECON foi autorizada pelo autor.
___________________________________________________
(*) Economista, formado pela Universidade Mackenzie em 1977. É Vice-Diretor da Faculdade de Economia da Fundação Armando Alvares Penteado - FAAP, na qual é Professor Titular das disciplinas de História do Pensamento Econômico e História Econômica Geral.
Subscrever Pravda Telegram channel, Facebook, Twitter