Nossa maldade não tem limites

Como todos os animais, nós somos profundamente egoístas porque esse é nosso instinto natural, é o que apreendemos como forma de sobrevivência.

O que nos coloca no ponto mais alto do mundo animal é que, ao adquirir consciência dos nossos atos, somos capazes de estabelecer critérios morais para julgar nossos atos, permitindo controlar essas pulsões

A vida civilizada nada mais é do que a repressão aos instintos que, se liberados, destruiriam todas as conquistas da humanidade, reunidas na famosa declaração dos direitos universais do homem.

Mas basta surgir, porém,uma grande crise social e econômica e toda essa fachada civilizatória pode vir abaixo e os homens mostram como sua maldade pode ser exercida sem qualquer limite ético.

Na história recente da humanidade nada foi tão revelador dessa possibilidade como o advento do nazismo na Alemanha.

O discurso de ódio extremo ao ser humano foi feito na língua alemã, a mesma em que se expressavam artistas, pensadores e cientistas como Marx, Freud, Rilke,Habermas,Hanna Arendt,Jung, Nietzsche, Lutero, Rosa Luxemburgo, Goethe, Einstein, Humbold, Mozart, Bach, Beethoven, Max Planck, Brecht, Schiller, Adorno, Marcuse, Walter Benjamin, Wagner e tantos outros.

De 1933 a 1945, a Alemanha viveu um período único na história recente da humanidade, onde o ódio a determinados grupos étnicos e políticos se tornou uma política de estado e pior uma política aceita pela maioria das pessoas.

Hoje, passados mais de 70 anos do fim desses trágicos eventos, ainda se ouve e se lê nos livros que o povo alemão não sabia do que estava ocorrendo, que tudo era obra de um bando de celerados, comandados por Adolfo Hitler e seus asseclas.

Em 2014, um filme alemão "Labirinto de Mentiras" (Im Labyrinth des Schweigens) de Giulio Ricciareli, mostrava como na década de 60, guardas do campo de extermínio de Auschwitz podiam continuar trabalhando em escolas primárias, prática estimulada pela política de esquecimento que os americanos impuseram na então Alemanha Ocidental, como forma de enfrentar os discursos acusatórios que vinham da Alemanha Oriental.

Depois que a escritora alemã Christa Wolf declarou que "para saber sobre a Gestapo, os campos de concentração e as campanhas de discriminação e perseguição bastava ler os jornais", o professor de História da Universidade Estadual da Florida, Estados Unidos,Robert Gellately, se dedicou a coletar provas de que a população alemã,na sua maioria, não só sabia, mas aprovava muitas das práticas de Hitler.

O resultado das suas pesquisas é o livro "Apoiando Hitler. Consentimento e Coerção na  Alemanha Nazista (editado no Brasil pela Record).

Disse o professor Gellately, em recente entrevista sobre o seu livro: "Conhecendo o mito "nós não sabemos de nada", fiquei chocado com a quantidade de material que era publicado na imprensa local, regional e nacional. Muito do que aconteceu estava ali - as pessoas apenas ignoravam por rejeitar a informação. Isso porque o regime nazista não ameaçava todos os alemães, apenas grupos minoritários selecionados, incluindo, claro, os judeus. A grande maioria da sociedade tinha pouco a temer. Já durante a II Guerra, entre 1939 e 1945, as informações eram mais encobertas. Não obstan te, um grande número de pessoas estava envolvido diretamente com as ações do governo, e as notícias chegavam a qualquer um que quisesse de fato saber o que acontecia por baixo dos panos. Nesse período, os campos de concentração cresceram, ocupando fábricas distantes dos centros urbanos e também no interior de algumas cidades, tornando-se parte da vida cotidiana das pessoas e, portanto impossível de serem ignorados."


Marino Boeira é jornalista, formado em História pela UFRGS

 


Author`s name
Timothy Bancroft-Hinchey