Regozijem-se com a 'nova' Casa de Saud

É fascinante assistir ao vasto, bem remunerado exército ocidental de lobbyistas/estenógrafos dos sauditas a cantar loas a uma "instituição tradicional e conservadora", também conhecida como Casa de Saud, e que agora embarca em nova "assertiva política externa". 

No que tenha a ver com a matriz ideológica de todas as variações salafistas-jihadistas na tresloucada galáxia do extremismo wahhabista, eu diria que se trata de um update na chefia da gangue. Nada sequer próximo, em termos de entretenimento, da saga "O Chefão" de Coppola, e com certeza mais sinistra.

Imaginem o escândalo, que seria 'repercutido' pela 'mídia' até as mais distantes galáxias, se a mesma coisa estivesse acontecendo entre os oponentes certificados do Império do Caos, como Irã, Venezuela, Equador, Rússia ou China. Mas como a Casa de Saud são "nossos felásdaputa", completados por um ministro, Ali al-Naimi, capaz de dizer que deveria ser Alá a determinar os preços do petróleo, o pessoal lá se safa sempre, façam, literalmente, qualquer coisa.

O novo capo di tutti I capi da Nova Casa de Saud, rei Salman, o Guardião das Duas Mesquitas Sagradas, deve ter dado uma escovada no Al Pacino que vive nele, para aprender a cortar rápido como adaga. Aprendeu bem: só com um movimento, conseguiu tudo que segue: 

Livrou-se de seu meio irmão e príncipe coroado, Muqrin. Muqrin jurou fidelidade ao novo patrão. 

Promoveu seu sobrinho, príncipe Mohammed bin Nayef, de n.3 para n.2 na linha de sucessão na Casa de Saud.

Promoveu o próprio filho, príncipe Mohammed bin Salman, a n.2.

Livrou-se do ex, eterno, ministro de relações exteriores príncipe Saud Al-Faisal, e pôs no posto um favorito de Washington, o não real Adel al-Jubeir, que foi embaixador nos EUA e tem sido a voz em inglês, não perdida na tradução, da guerra saudita (ilegal) contra o Iêmen.

Distribuiu a todas as forças militares e de segurança um bônus equivalente a um mês de salário.

Separou o ministro saudita do petróleo, da ARAMCO, a estatal do petróleo saudita. Precisa tentar equilibrar os livros - especialmente com a guerra dos preços de petróleo instigada pelos sauditas dando, já, em nada; a ridiculamente cara guerra contra o Iêmen; e todos esses bônus gigantescos para contentar os bonificados; afinal, virtualmente todos na hacienda do petróleo trabalham para a Casa de Saud. Quem apareceu com o esquema ministério do petróleo/ARAMCO foi o filho de Salman, Mohammed bin Salman.

De caso com a Máfia, remix 

Eis o que o mundo precisa saber sobre o update na chefia da gangue.

Comecemos pelo "jovem" príncipe Mohammed bin Salman (O que haveria de errado? Hagiógrafos ocidentais bajuladores especulam alegremente sobre a idade do homem como se fosse uma donzela em perigo, não homem feito de barba negra. Vale tudo, desde que não passe de 35 anos.)

O Jovem Real "enfeixa enorme poder" e como ministro da Defesa deu andamento ao bombardeio/guerra/"operação cinética" no Iêmen. O próprio rei elogiou suas "massivas capacidades". Fontes sauditas dizem-me que é resultado, em matéria de incompetência, de cruza do Dr. Evil com Mini-Me, sem Austin Powers para salvar o dia dele. Embora seja um pop star e celebridade televisiva dentro da hacienda mafiosa, não convenceu ninguém - ninguém, do Egito ao Paquistão! - a enviar tropas para a guerra "dele".

Para seu novo n. 3, segundo os especialistas oficiais, obteve "apoio da vasta maioria do Conselho de Fidelidade". A palavra operativa aí é "vasta maioria". Implica que o pessoal de Muqrin andava ligeiramente inconfortável. O Conselho de Fidelidade é um grupo de 35 descendentes do fundador da Máfia, rei Abdul Aziz bin Saud.

O Jovem Real, segundo a biografia oficial, teve obscura "carreira profissional de dez anos" quando então - miraculosamente - tornou-se conselheiro especial do pai, então governador de Riad. Foi nomeado ministro da Defesa e chefe da Corte Real no mesmo dia, 23 de janeiro, quando Salman tornou-se rei, depois da morte do ex-rei Abdullah, cuja família inteira foi completamente apagada politicamente.

Mohammed bin Nayef, 55, o novo príncipe coroado, é muito bem amado no Departamento de Defesa dos EUA, como uma espécie de policial saudita top e casca grossa do contraterrorismo. Consta que derrotou a al-Qaeda dentro da Arábia Saudita, só para que ela se reagrupasse no Iêmen onde agora, para todas as finalidades práticas, a mesma al-Qaeda recebe ajuda direta da Máfia, o que acrescenta novo significado à ideia de 'ter-um-caso-com-a-Máfia'. O pai dele, o ultra direitista falecido príncipe coroado Nayef, era coloridamente conhecido como "Príncipe Negro".

Como novo número 2, Nayef terá muito trabalho - continua presidente do conselho econômico e de desenvolvimento, e também foi nomeado vice-primeiro-ministro. Para todas as finalidade práticas é o novo sujeito-com-quem-se-tem-de-falar na Máfia.

Quanto a al-Jubeir, está sendo elogiado pelos suspeitos de sempre por sua "expertise" em política norte-americana. Nonsense. Al-Jubeir foi nomeado diretamente por Washington.

Dentro desse balé, é o silêncio de Muqrin que se ouve mais eloquentemente. É filho de uma escrava iemenita; foi protegido chave do falecido rei Abdullah; não é exatamente íntimo do ramo de Salman, da Máfia, os sudairis. Já há apostas sobre quando - se algum dia acontecer - ele finalmente contará a verdade sobre a coisa que fala e anda como golpe palaciano.

Qual a estratégia hoje?

Seja qual for o objetivo da sacudida, a 'nova' Casa de Saud - com o governo Obama "liderando pela retaguarda" - continuará a vender a ficção de que está libertando o Iêmen de um bando de terroristas, quando, de fato, está é realmente empoderando a al-Qaeda na Península Arábica (AQPA). São os mais ferozes inimigos da AQPA - os houthis - que estão sendo bombardeados por ordens do Jovem Real.

Para nem dizer que a Máfia reciclada - com pequena ajuda dos amigos qataris e turcos - está cuidando para que a Frente Nusra (ramo sírio da al-Qaeda) e o ISIS/ISIL/Daesh (que é facção que se separou da al-Qaeda) continue avançando em todas as frentes por todo o "Siraque" [orig. Syraq].

E além do objetivo da sacudida, como espertos israelenses já identificaram, o autodescrito governo "Não faça merda coisa estúpida" de Obama continuará a seguir todos os sinuosos mantras da Máfia. Mais ou menos. Se houver alguma coerência em apoiar jihadistas linha-dura na Síria, mas bombardear jihadistas linha-dura no Iraque; apoiar jihadistas linha-dura no Iêmen, mas apoiar jihadistas linha-dura na Líbia e, depois, reprimir jihadistas linha dura na Líbia e por aí vai.

O que torna tudo ainda mais absurdo é que a 'nova' Casa de Saud absolutamente detesta a 'estratégia' de Washington no Iraque e não acredita nem por um segundo que haja alguma 'estratégia' para a Síria. Quanto à própria sinuosa guerra deles mesmos contra o Iêmen, é muito menos sobre wahhabistas que odeiam xiitas "apóstatas", que sobre wahhabistas impermeáveis a qualquer sopro de Primavera Árabe perto das fronteiras deles.

A Máfia reina de fato desde 1902, mantida ou pelo fundador Ibn Saud Abdul-Aziz, ou por seus filhos. O rei Salman será o último de seus filhos a chegar ao poder. O Jovem Real já está afiando as adagas. Agora, é só esperar que a mídia-empresa ocidental o torne mais popular que Justin Bieber.

 

8/5/2015, Pepe Escobar, Asia Times Online
http://atimes.com/2015/05/rejoice-with-the-new-house-of-saud/

 


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Timothy Bancroft-Hinchey