Carnaval

É costume dizer no Brasil que o ano começa depois do Carnaval. Talvez seja verdade.

Abaixo da linha do equador a coisa é diferente.  Aqui, os meses de janeiro e fevereiro são insuportáveis.  Quentes, abafados, a cidade grande não permite que o ar circule direito, por causa dos altos prédios.  O asfalto é uma capa, um isolamento perfeito do que antes era terra, depois pedra.  Acumula um calor horroroso, além de ser excelente isolante para água de chuva.

Tudo se torna penoso.  O andar nas ruas, o trabalho, a locomoção.  Estes dois últimos, faz tempo, adotaram o ar refrigerado.  Você sente o frio, ou pelo menos não sofre com o calor enquanto trabalha ou está na condução.  Saiu, danou-se.  É como enfrentar o bafo de uma panela com água quente.

Mas chega o Carnaval e tudo muda.  As estradas ficam cheias de retirantes que procuram férias curtas em locais aprazíveis.  Caramba, que as filas são duras de encarar, são quilômetros e mais quilômetros.  Mas o povo enfrenta, a praia que se dirige não é tão longe assim, o lugar é mais fresco, sopra uma brisa gostosa, a cerveja gelada na areia parece o mais santo remédio, e muitas vezes é mesmo.  Alguns mais preparados levam um vinho branco, colocam a garrafa no recipiente que guarda a temperatura.  A barraca protege do sol inclemente, a água do mar está com uma temperatura invejável, cada mergulho parece um renascimento.  Mulheres exibem plástica perfeita, adquirida a duras penas nas academias durante todo o ano, esperando o festejo.

Viagreiros, palavra inventada pelo escritor João Ubaldo, debochando de algum da sua turma que não sobrevive sem o citrato de sildenafil, princípio ativo da droga, dão vivas à ciência. Estão livres do "mas isto nunca me aconteceu antes", deslavada mentira tantas vezes repetida.  Podem sem medo enfrentar a morena bem 'malhada' que o marido trocou por uma de menos dez anos.

É tudo um sonho, que vai acabar na reunião da quarta-feira às três horas na empresa, ou quando o folião, ainda pensando na água gelada do mar, procurar o  alicate de corte na sua bolsa de eletricista.

Hoje é segunda feira, 23 de fevereiro de 2015.  Começou o ano, gente!    

Jorge Cortás Sader Filho é escritor

 


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Pravda.Ru Jornal