"A minha segurança está ligada à segurança da população de rua"

"A minha segurança está ligada à segurança da população de rua"

Gabriel Brito, da Redação

En­tre­vis­tamos o Padre Júlio Lan­cel­lotti, fa­moso por sua atu­ação na Pas­toral da Po­pu­lação de Rua e alvo cons­tante de ame­aças de morte de se­tores por so­ciais fas­cis­ti­zados. Além do au­mento de ame­aças que já vêm de anos, ele co­mentou fatos como a de­sas­trada de­so­cu­pação da Co­mu­ni­dade do Ci­mento em 23 de março e o au­mento do nú­mero de pes­soas em si­tu­ação de rua em São Paulo e ou­tras grandes ci­dades bra­si­leiras.

"Está ocor­rendo uma in­ves­ti­gação. A Co­missão In­te­ra­me­ri­cana de Di­reitos Hu­manos emitiu uma cau­telar ao go­verno bra­si­leiro pe­dindo que ga­ranta minha se­gu­rança. No en­tanto, eles acham que minha se­gu­rança está se­pa­rada da questão da po­pu­lação de rua. São ques­tões que estão unidas".

Firme em sua po­sição de se manter ativo na pauta da po­pu­lação de rua, Lan­cel­lotti não se anima com as ati­tudes de um poder pú­blico em sua visão cada vez mais ne­gli­gente com as ques­tões so­ciais e faz um apelo em favor da so­li­da­ri­e­dade so­cial em tempos som­brios em di­versos as­pectos.

"As po­lí­ticas pú­blicas estão em di­mi­nuição e as di­fi­cul­dades au­men­tando. A po­pu­lação está cada vez mais ne­gli­gen­ciada e aban­do­nada".

A en­tre­vista com­pleta com o Padre Júlio Lan­cel­lotti pode ser lida a se­guir.
  

Cor­reio da Ci­da­dania: O se­nhor tem um his­tó­rico de anos de ame­aças contra sua in­te­gri­dade fí­sica por parte de grupos in­cóg­nitos. Elas se in­ten­si­fi­caram neste mo­mento?

Padre Júlio Lan­ce­lotti: A in­ten­si­fi­cação se dá por causa das redes so­ciais, porque se es­pa­lham mais ra­pi­da­mente e têm uma vi­si­bi­li­dade maior. A mo­ti­vação é sempre a mesma. Assim como acon­te­ceram vá­rias ame­aças em re­lação aos jo­vens da Febem quando atuava junto a eles em mo­mentos de re­be­lião, agora se ex­pli­citam em re­lação aos mo­ra­dores de rua.

Por­tanto, o mo­tivo não se se­para da minha pessoa. Se eu pa­rasse de de­fender mo­ra­dores de rua, não ha­veria ame­aças. Como estou com­pro­me­tido com essa po­pu­lação e sua causa, as ame­aças ocorrem. 

Elas se in­ten­si­ficam na me­dida em que hoje é mais fácil di­vulgar tais ques­tões. São ame­aças ex­plí­citas, como "tem que dar um tiro na testa desse velho", "tem que matar esse padre", "ele já passou da hora", coisas bas­tante ex­plí­citas e vi­o­lentas.

Cor­reio da Ci­da­dania: E houve al­guma si­tu­ação re­cente de tru­cu­lência e in­ti­mi­dação fora das redes so­ciais? 

Padre Júlio Lan­ce­lotti: Sim, existem ata­ques pes­soais também. Outro dia uma pessoa disse que ia me matar, me xingam, enfim, há ofensas di­retas.

Cor­reio da Ci­da­dania: Há al­guma in­ter­venção do poder pú­blico no sen­tido de pro­teger o se­nhor?

Padre Júlio Lan­ce­lotti: Está ocor­rendo uma in­ves­ti­gação. A Co­missão In­te­ra­me­ri­cana de Di­reitos Hu­manos emitiu uma cau­telar ao go­verno bra­si­leiro pe­dindo que ga­ranta minha se­gu­rança. 

No en­tanto, eles acham que minha se­gu­rança está se­pa­rada da questão da po­pu­lação de rua. São ques­tões que estão unidas. Se con­ti­nu­arem mal­tra­tando, sendo cruéis e vi­o­lentos, não vão poder parar minha atu­ação e de­fesa de tais pes­soas. 

Não adi­anta me dar se­gu­rança e negá-la a esta po­pu­lação. 

Cor­reio da Ci­da­dania: Al­guma fi­gura mais pro­e­mi­nente do poder pú­blico falou com o se­nhor?

Padre Júlio Lan­ce­lotti: Não. Es­tive com pes­soas li­gadas ao DHPP (De­par­ta­mento Es­ta­dual de Ho­mi­cí­dios e Pro­teção à Pessoa) e, no ano pas­sado, com o se­cre­tário de Se­gu­rança Pú­blica. No en­tanto, eles des­vin­culam minha pessoa da po­pu­lação de rua, como se fosse ódio pes­soal a mim. O ódio existe por causa deste seg­mento.

Cor­reio da Ci­da­dania: E o que o se­nhor tem visto nas ruas, tal po­pu­lação está au­men­tando?

Padre Júlio Lan­ce­lotti: Sim, muito, assim como a ne­gli­gência e a vi­o­lência. Em São Paulo e no Brasil in­teiro, em todas as grandes ci­dades, o nú­mero de pes­soas em si­tu­ação de rua se acentua por conta da si­tu­ação que vi­vemos no país e no mundo.

As po­lí­ticas pú­blicas estão em di­mi­nuição e as di­fi­cul­dades au­men­tando. A po­pu­lação está cada vez mais ne­gli­gen­ciada e aban­do­nada.

Cor­reio da Ci­da­dania: No dia 23 de março, houve a de­so­cu­pação da Co­mu­ni­dade do Ci­mento, uma fi­leira de cerca de um quilô­metro de bar­racos nas cal­çadas que la­deiam a Ra­dial Leste, maior via de li­gação entre esta re­gião e o centro da ci­dade. O que você pode nos contar deste epi­sódio?

Padre Júlio Lan­ce­lotti: Foi um pro­cesso bas­tante di­fícil com a jus­tiça. Avi­samos que havia pouco tempo para en­con­trar res­postas. O poder pú­blico foi bas­tante ine­ficaz, não cum­priu as exi­gên­cias es­ta­be­le­cidas pelo Ju­di­ciário, muitas pes­soas fi­caram de­sa­bri­gadas e aban­do­nadas.

Na­quela ma­dru­gada re­co­lhemos muita gente pelas ruas, que dor­miam nas cal­çadas, in­clu­sive mu­lheres e cri­anças. Al­gumas pes­soas foram para ou­tras ocu­pa­ções. É uma si­tu­ação muito ca­la­mi­tosa que só tende a au­mentar.

E vai au­mentar, ob­je­ti­va­mente, pelo au­mento da po­breza, do de­sem­prego, da ina­dim­plência, da au­sência de ações do Es­tado... Só piora. 

Cor­reio da Ci­da­dania: Como é sua si­tu­ação dentro da igreja, há muita opo­sição in­terna? 

Padre Júlio Lan­ce­lotti: Existe de tudo. A igreja não é se­pa­rada do con­texto da so­ci­e­dade. O que acon­tece nela se re­flete na igreja. Há os que apoiam, há os que são hostis.

Cor­reio da Ci­da­dania: O que po­deria ser feito para di­mi­nuir ta­manho pas­sivo so­cial?

Padre Júlio Lan­ce­lotti: Temos de ser mais so­li­dá­rios e an­darmos na di­reção con­trária desta onda de in­sen­si­bi­li­dade e in­di­vi­du­a­lismo, que trazem uma ne­gli­gência muito grande sobre tais ques­tões.


Ga­briel Brito é jor­na­lista e editor do Cor­reio da Ci­da­dania.

http://www.correiocidadania.com.br/34-artigos/manchete/13745-a-minha-seguranca-esta-ligada-a-seguranca-da-populacao-de-rua

 


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