O nosso espelho mágico

O nosso espelho mágico

Marino Boeira

Ao nos olharmos no espelho mágico não vamos ver uma imagem das melhores. 
O espelho mágico, de que falo, é aquele que não mostra apenas a nossa aparência física, mas também os nossos sentimentos.
É claro que não precisamos sair espalhando por aí os nossos defeitos, mas estão lá mostrados pelo espelho.

Somos mesquinhos, invejosos, raivosos. 
Caso o seu espelho mágico, como o meu, tenha um registro desses sentimentos, veremos que no passado, muitas vezes desejamos a morte dos nossos inimigos; tivemos inconfessáveis preconceitos de todo o tipo, de raça, de cor e de gênero; invejamos profundamente o sucesso de outros e ficamos torcendo para que finalmente, aconteça alguma coisa errada em suas vidas

O que espelho não mostra, porém, é que diariamente tentamos domar esses sentimentos menos nobres, porque sabemos que para viver numa sociedade, precisamos estabelecer limites para eles.

Não precisamos ler Freud e seus divulgadores para saber que civilização é repressão.
Fosse fácil viver respeitando os direitos dos nossos semelhantes, quando vemos que isso significa uma perda de espaço nosso, nossa condição de seres civilizados não teria o mérito que tem.

Eu, como tantas outras pessoas que conheço e talvez mesmo a maioria das pessoas, somos combatentes diários na conquista da vida civilizada.
Mas, nem todos são assim, infelizmente.
Assistimos hoje no Brasil a ascensão de uma série de personagens que se sentem liberados para externar os piores sentimentos que o ser humano pode ter - ódio, preconceito, inveja - e se orgulharem deles.

Ao contrário de nós, que os reprimimos, eles o proclamam publicamente.

Obviamente, estou falando de Bolsonaro e seus principais seguidores.
Dispondo de um extraordinário poder de disseminação de suas idéias, eles estão ajudando a liberar em milhões de brasileiros esses baixos sentimentos.
Talvez esse despertar de tanto ódio forme uma torrente de sentimentos incapaz de ser contida nessa nossa geração.

Nós, que nos consideramos civilizados ou que pelo menos nos esforçamos para viver como se fôssemos, tentamos erguer contra ele uma barreira feita de argumentos racionais, que poderiam ser aceitos em outra época.

Hoje, vamos ser varridos do mundo da política sob os aplausos da maioria dos brasileiros.
Talvez, precisaremos voltar ás catacumbas dos antigos cristãos ou às velhas células comunistas para defender os pequenos espaços de sanidade que ainda nos restam.
Quem sabe, espaços para discutir literatura, cinema e lembrar como era aquela época, onde homens e mulheres se sentiam fraternamente ligados por sentimentos de amor, justiça e igualdade.

Enquanto isso, acho que vou quebrar o meu espelho mágico.
Marino Boeira é jornalista, formado em História pela UFRGS

 


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