O modelo socio-economico que conduz a que se vulgarizem os afogamentos no Mediterrâneo é o mesmo que afunda os povos em dívida, para safar os bancos na Europa, com destaque para a Grécia e Portugal.
A reunião dos ministros das polícias e dos negócios estrangeiros da UE evidencia tratar-se APENAS de um problema de concertação internacional na área da segurança. É uma clara demonstração de que não querem ver o problema real das desigualdades no Mediterrâneo. Cinismo e propaganda.
Colocar o problema dos meios de salvamento, que é preciso ajudar Malta e Itália é uma abordagem curta, miserável. Revela que os cérebros da UE, todos juntos, apenas irão tentar apaziguar o coro do horror, antes de voltarem ao que lhes é importante, o sistema financeiro, as dívidas soberanas, a austeridade, a competitividade. Focar a questão nos meios é querer colocar a solução do problema em termos economicistas, de investimento em salvadegos e boias.
Os noticiários dão a voz a Machete e a Rangel, ambos advogados de negócios que choram lágrimas de crocodilo sobre a necessidade de atuar. Mais parecem curandeiros propondo missas ou comprimidos de farinha para as dores desse cancro que é o sistema político, social e económico global.
Por vezes cinismo pode ser risível; só pode produzir gargalhadas ouvir Paulo Portas acusar... as mafias.
Esta emigração clandestina, perigosa e mesmo mortal interessa ao capital mafioso global - os organizadores locais em África, os transportadores, os acolhedores na Europa e os utilizadores finais da mercadoria transportada, na mesma Europa. Com essa emigração pretende-se alimentar bolsas de trabalho informal, mal pago e sem direitos - muito menos dos que ainda vão existindo para os nativos europeus - perseguidos, sem papéis e sem abrigo, proibidos do sono ao relento por obstáculos colocados por edilidades e polícias. Para além dessa situação que encontram no eldorado europeu, sofrem ainda o anátema de terem a pele mais ou menos escura e serem muçulmanos.
As redes mafiosas cobram mais de 1000 euros pelo seu "trabalho" e ainda direitos de pernada sobre mulheres e de porrada sobre os homens que se aventuram a chegar à Europa. As redes mafiosas fornecem a preciosa liquidez aos bancos numa ajuda fraterna ao BCE e ao plano Draghi, fornecem trabalho escravo à agricultura ibérica, carne fresca aos industriais da prostituição nas cidades europeias; e armas para as guerras que garantem o fornecimento de novos fugitivos.
Os que se afogam no Mediterrâneo poderiam ser forçados a acampar nos centros de refugiados à espera de repatriamento (ou de fuga); os que se afogam em Calais falharam no desejo de se atarem sob camiões com destino a Inglaterra; outros sofrem sevícias sob as patas dos nazis gregos. Todos são somente danos colaterais do capitalismo ou gente com insuficiente formação em empreendedorismo. Culpados.
Essa emigração gera pressão para o rebaixamento de salários, das condições laborais e de vida dos europeus e é uma peça na lógica religiosa da competitividade e do mercado.
Mas é preciso ir mais fundo e mais longe. Não chega repisar o salmo tautológico de que a Europa não tem capacidade para sorver todos os africanos e asiáticos que a procuram. A Europa aceita uma torneira a pingar mas não a jorrar, o problema é quantitativo, uma vez mais. Um desajustamento entre a oferta e a procura.
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