O olhar do crioulo

No estado do Rio Grande do Sul não há como desvincular cavalo e
gaúcho; apartar um do outro é como tirar a alma de ambos. Há uma
cumplicidade enorme entre os dois, mesmo... uma afetividade que
atravessou longos períodos históricos desde que estas bandas ainda
eram território de Espanha.


De origem ibérica, foi introduzido, no que hoje vem a ser o
território riograndense, pelos padres jesuítas a partir de 1634 e
foi-se criando solto nos campos missioneiros, mais situados a
oeste, depois, passou a povoar os campos do sul e sudoeste - o
pampa, a campanha gaúcha. E foi ali que encontrou as condições
mais adequadas à sua ambientação: os campos livres e aqueles
primitivos habitantes, os índios pampeanos (charruas e minuanos),
que formariam a genética dos primeiros gaúchos.


O Pampa continentino sulamericano inclui parte do território
sulriograndense, todo o Uruguay e o nordeste da Argentina. E o
gaúcho se forjou aí, livre, sem fronteiras e sem pátria; somente
ele, o cavalo e o campo.


Mas, nada foi fácil
Depois de trazidos para cá esses cavalos ibéricos tiveram que
enfrentar séculos de aclimatação, com temperaturas extremas entre
o rigor dos invernos gelados e de geadas e frios intensos e o
verão quente e com muitas estiagens, alem do preocesso natural de
seleção e luta contra predadores e caçadores. Tudo isso fez com
que passasse a existir o então chamado cavalo crioulo.


As primitivas comunidades que habitavam estas terras, os índios
charrruas e minuanos, principalmente os charruas, resolveram domar
essas cavalhadas e aproveitá-los como meio de se deslocarem com
mais facilidade pela imensidão das coxilhas (suaves ondulações
típicas dos campos do sul) e tambem nas lides e nas caçadas,
principalmente do nhandú, uma espécie de avestruz de menor
estatura da fauna riograndense, em que manejavam e usavam com
hábil desenvoltura a boleadeira, uma arma feita de duas ou três
tiras (inicialmente de fibras de vegetais que encontravam e,
posteriormente, de couro de animais) com pedras nas extremidades e que, atiradas, se enredavam nas patas dos animais vindo a
derrubá-los.


O índio, agora de a cavalo e o campo: se formava o gaúcho
Já bem adaptados um ao outro, passaram juntos a enveredar por um novo momento: o cavalo, antes solto e livre, agora domado e
empregado nas lidas, foi adquirindo adestramento e habilidades
nunca imaginadas. E as desempenhou com enorme maestria. O índio, antes de a pé, ganhou bastante capacidade ante as novas
possíbilidades de deslocamento e facilidade para fazer suas
caçadas e atividades diárias. Ganharam os dois.


A miscigenação do índio com os castelhanos completou a formação do habitante típico daquela geografia continentina: o gaúcho, um
homem livre, vivendo nos campos, lidando agora com a gadaria que
se reproduziu solta nas estâncias missioneiras e que foi
aclimatada nos campos para fornecer carne e couro e tudo o mais.


Mais uma oportunidade para o cavalo crioulo ampliar suas
habilidades, agora nas tropeadas e nas caçadas daquele gado
selvagem. E ele surpreendeu de novo, lidou com uma desenvoltura
que deixou aqueles homens entusiasmados por demais.
Havia mais uma etapa ainda, antes de chegar aos nossos dias
As disputas de fronteiras entre as Coroas de Espanha e Portugal
ainda iriam exigir mais um pouco daqueles homens destemidos e seus cavalos bem testados nos campos: as guerras. Elas terminaram por completar a índole destemida e indomada daqueles gaúchos e seus animais, que lutaram com um destemor que assombrava quem os atravessava o caminho. Dominavam, como ninguém, o emprego de armas e cavalos e as artimanhas das guerras, conheciam o terreno muito bem.


Foram tempos de guerras e de volta para as lidas e mais guerras e
assim se foi escrevendo a história desta parte da América.
Parceiros inseparáveis, homem e cavalo viveram, sofreram e
morreram juntos.


HOJE EM DIA O CAVALO CRIOULO É UM INVESTIMENTO ALTAMENTE RENTÁVEL
Um animal forte e resistente, porem, de uma mansidão e uma
docilidade indiscutível. Tanto que, até as crianças, desde bem
pequenas, se acostumam fácilmente com o cavalo. E isto, claro, fez
nascer a possibilidade de um melhor aproveitamento econômico da
raça, hoje altamente valorizada no mercado. Um mercado que
movimenta milhões de reais hoje e que tem projeção de crescimento
de 20% para este ano no Brasil. A alta genética, a morfologia, a
capacidade de adestramento e adaptação do cavalo crioulo o colocam como um dos principais destaques da agropecuária gaúcha e brasileira. No estado do Rio Grande do Sul, ele tornou-se um dos
animais símbolos, ao lado da ave quero-quero, pela lei nº11.826 de
agosto de 2002.


A maior vitrine para o crioulo é a Expointer, a maior exposição
agropecuária do país, realizada anualmente no município de
Esteio/RS, tradicionalmente no mês de setembro, com as provas do
Freio de Ouro, o maior teste e demonstração de capacidade e das
qualidades da raça, realizada pela ABCCC - Associação Brasileira
dos Criadores de Cavalos Crioulos, com sede em Pelotas, no estado,
e com núcleos espalhados por todo o Rio Grande do Sul e Brasil,
onde os inúmeros criadores, cabanhas e estâncias demonstram tudo o que o cavalo tem a ofertar em termos de condição orgânica, de
habilidade e destreza dos animais e destacando com isso uma maior
valorização econômica do cavalo crioulo. E Bagé se destaca, com a
participação do Núcleo de Criadores de Cavalos Crioulos de Bagé, o
NCCCB, com inúmeros associados e com as cabanhas criatórias do
município despontando em qualidade e desempenho dos animais, que sempre estão entre os mais valorizados e premiados das
competições.

MÁRCIO DENISON C. COUGO
correspondente Pravda.Ru
Rio Grande do Sul/BRASIL


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