O abismo e o belo horizonte

Nietzsche dizia: "quando você olha para o abismo, o abismo olha pra você". Diante do bueiro nauseabundo que se abriu ao redor do ex-presidente Lula da Silva nos últimos dias, parlamentares governistas protagonizaram uma histórica patacoada retalhista ao aprovar um convite para que o também ex-presidente Fernando Henrique Cardoso vá ao Congresso Nacional dar explicações sobre suas condutas e sobre a suposta "Lista de Furnas" que, a partir de 2000, teria abastecido os cofres do PSDB.

 HELDER CALDEIRA*

Sem prestigiar o raciocínio estratégico e a inteligência (algo bastante peculiar ao atual governo, refém de marqueteiros), em ato de pura insensatez, o convite a FHC foi proposto pelo deputado federal Jilmar Tatto (PT/SP, líder da maioria na Câmara) e aprovado em "pauta-extra" da reunião da Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência (CCAI) na última quarta-feira (12), presidida pelo senador Fernando Collor de Mello (PTB/AL), outrora defenestrado do Palácio do Planalto e atualmente aliado-irmão de Lula, Dilma e do PT. Na mesma "pauta-extra", Collor também conseguiu aprovar convite ao procurador-geral da República, Roberto Gurgel, na tentativa de constrangê-lo ao fim do julgamento do Mensalão.

Por óbvio, esse movimento escuso do PT e sua base aliada foi articulado, às pressas, para tentar embaralhar o jogo e as manchetes da mídia, lançando uma cortina de fumaça sobre as denúncias que atingiram o peito do ex-presidente Lula da Silva e atolaram o "pop star" no lamaçal de apaniguados, bandalheiras e corrupção. Muita corrupção. Escândalos das mais diversas naturezas: desde a lambança de sua chefe de gabinete, Rosemary Noronha; passando pela indecente aliança com Paulo Maluf para eleger Fernando Haddad em São Paulo; e as recentes e bombásticas revelações do publicitário-presidiário Marcos Valério. Isso sem falar nas expressivas condenações dos mensaleiros pelo Supremo Tribunal Federal.

No entanto, esse convite ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso pode ser o cadafalso do governo petista. Vivendo dias amplamente desfavoráveis diante da opinião pública, o PT corre grande risco ao abrir um espaço de tal envergadura a um político experiente como FHC. Ao contrário de ficar preso a perguntas capciosas (que certamente virão!), no mínimo o tucano vai ter a oportunidade institucional de defender seu legado, mergulhar o dedo em grandes feridas abertas do atual governo e colocar alguns deputados e senadores em seus devidos lugares (valendo aqui a leitura de "devidos lugares" como melhor convir à nossa fração perversa)

Em seu depoimento à CCAI, Fernando Henrique terá a real oportunidade de transformar a cena e virar a mesa, repetindo feito extraordinário de Dilma Rousseff em maio de 2008, quando exercia a função de ministra-chefe da Casa Civil e deu um baile nos parlamentares (especialmente no senador José Agripino, do DEM/RN) durante depoimento à Comissão de Infraestrutura do Senado Federal. Naquele dia, Dilma entrou no Congresso Nacional como ministra e saiu de lá consagrada candidata oficial à sucessão do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Caso alcance um bom desempenho no depoimento à Comissão Mista e desfeche ataques cirúrgicos que façam Lula, Dilma e o PT sangrar ainda mais, Fernando Henrique Cardoso colocará o senador mineiro Aécio Neves (PSDB/MG) na cara do gol, na marca do pênalti. Já anunciado como candidato tucano à Presidência da República em 2014, Aécio será o principal beneficiário de uma boa performance de FHC, abrindo pleito com um belo horizonte em seu campo de visão e atuação.

Na pior das hipóteses, um depoimento oficial, institucional, ao invés de constrangimento (como equivocadamente imaginam os governistas), será uma extraordinária oportunidade para emergir e reposicionar o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso no cenário e nas manchetes políticas nacionais, além de projetar por imediato seu candidato ao Palácio do Planalto. PT e aliados não foram ingênuos. Foram politicamente burros! Vale reiterar Nietzsche: "quando você olha para o abismo, o abismo olha pra você".

Escritor, Jornalista a Apresentador de TV

www.ipolitica.com.br - helder@heldercaldeira.com.br

*Autor do best-seller "A 1ª PRESIDENTA" (Editora Faces, 2011, 240 páginas) e Jornalista e Comentarista Político da REDE RECORD, onde apresenta o "iPOLÍTICA". Acaba de lançar seu primeiro romance de ficção: "ÁGUAS TURVAS" (Editora Faces, 2012, 278 páginas).

 


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