Guerra da Coreia foi tentativa de domínio dos EUA na Península Coreana

Documentos apontam que governo norte-coreano era popular no Sul, mesmo durante a guerra, pois era o único regime legítimo na Coreia

Eduardo Vasco, Pravda.Ru

Arquivos revelados ao grande público em novembro do ano passado pela Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos (CIA) relatam que a Coreia do Sul planejava invadir o Norte um ano antes do início da Guerra da Coreia, em junho de 1950.

O relatório, de 7 de julho de 1949, é intitulado "Desejo de oficiais do alto-escalão do exército coreano de uma invasão da Coreia do Norte". Nele, afirma-se que "em uma recente discussão sobre a defesa da República da Coreia [Coreia do Sul]", o chefe do Estado-Maior do Exército, Chae Pyung-tuk, declarou que "seu interesse principal é um ataque à Coreia do Norte logo que for possível".

O objetivo de muitos oficiais do Estado-Maior, segundo o documento, era "estabelecer um exército suficientemente forte para invadir a Coreia do Norte antes que o reforço da Manchúria e da China servisse de apoio" às forças armadas de Pyongyang.

Outro informe, de maio de 1950, relata a prisão de opositores que planejavam executar membros do governo norte-coreano. Eles haviam se reunido para ouvir transmissões de rádio clandestinas vindas do Sul, que assinalavam a intenção do exército da Coreia do Sul de conquistar o Norte naquele ano.

Ainda em dezembro de 1949, a revista sul-coreana Ibuk T'ongsin publicava um artigo que esboçava uma hipotética invasão por parte da Coreia do Sul, alegando que "a única forma de apagar a divisão do paralelo 38 [fronteira entre os dois territórios] é o uso da força".

O plano consistia de três etapas: a primeira era a ocupação da capital norte-coreana, que deveria ser executada em no máximo três dias. Ela incluía o bombardeio de quartéis generais e mesmo da residência oficial do presidente norte-coreano, Kim Il-sung.

A segunda etapa seria mais difícil, segundo a revista, porque haveria que lutar contra a resistência nas montanhas, que teria apoio da China. Mas acabaria por se retirar para a província de Hamgyong, no nordeste do país. A terceira etapa seria ocupar esta última parcela da Península e unir o país territorial e politicamente.

Entretanto, não foi até junho de 1950 que essa guerra chegou à Península Coreana. A versão da história contada no Ocidente, que é a versão da Coreia do Sul e dos EUA, diz que a guerra foi iniciada pela Coreia do Norte.

Um só país, um só povo

Mas a Coreia constituía um único país, que havia sido ocupado pelo Japão até o fim da Segunda Guerra Mundial. Em 1945, o Japão teve que se retirar da Península por ser um dos perdedores da guerra, mas também porque a resistência coreana o expulsou do país.

Nessa época já existiam organizações populares e de massa por todo o território coreano, tanto no Norte como no Sul. Fortemente influenciados pelas ideias socialistas e patrióticas, os comitês populares formavam na prática um governo nacional.

Após derrotarem o Japão na Segunda Guerra, os Estados Unidos entraram no Sul da Península Coreana, enquanto a União Soviética, que ajudou a libertação em relação ao Japão, já tinha suas tropas no Norte e apoiou o governo de Kim Il-sung.

No Sul, os EUA impuseram um governo contra a vontade do povo coreano, após fecharem sindicatos e partidos de esquerda, reprimirem manifestações, sufocarem a resistência e desmantelarem os comitês populares. Esse fato é reconhecido por pesquisadores, como o intelectual Noam Chomsky, e diplomatas, como o primeiro embaixador brasileiro na Coreia do Norte, Arnaldo Carrilho.

Segundo o historiador e cientista político Diego Grossi, estudioso da história norte-coreana, o legítimo Estado Coreano, entre os dois que existem hoje, é a Coreia do Norte, justamente por ter sua origem em um governo constituído a partir dos comitês populares na luta contra o Japão e por não ter sido invadida e subjugada a um governo imposto por um país estrangeiro.

"A URSS sai rapidamente do Norte. No Sul, os EUA não só continuam a ocupação como ainda sufocam esses comitês e colocam no poder seus aliados, inclusive como presidente Syngman Rhee, que viveu durante décadas nos EUA", conta à Pravda.Ru.

Praticamente metade da vida de Rhee tomou lugar nos Estados Unidos, onde reuniu-se até mesmo com presidentes norte-americanos. Ele foi empossado na prática pelo governo militar de ocupação dos EUA em 1945, voando da América para Tóquio e depois para Seul em aviões militares estadunidenses, inclusive um particular do general Douglas MacArthur.

Em 1948, a URSS retirou suas tropas do Norte, cumprindo os acordos da Conferência de Moscou, que determinou a desocupação da Península pelas duas potências. Porém, os Estados Unidos não fizeram o mesmo no Sul, onde mantêm soldados até os dias atuais. "É a ocupação ianque que divide o país até hoje", ressalta Grossi.

Apoio popular à Coreia do Norte em Seul

Em 25 de junho de 1950, forças militares norte-coreanas ultrapassaram o paralelo 38 - escolhido pelo Ocidente para dividir a península -, e a Guerra começou oficialmente. No dia seguinte, a embaixada estadunidense em Moscou demonstrou preocupação com os interesses dos EUA na Coreia, conforme relatado por outro documento da CIA disponibilizado recentemente.

"A Embaixada aponta que a derrota da República da Coreia teria sérias e desfavoráveis repercussões para a posição dos EUA no Japão, no Sudeste da Ásia e também em outras áreas", destaca o relatório.

A ocupação do Sul pelo Norte, que controlou Seul e chegou até o extremo sul da península, durou cerca de três meses. Durante esse período, o governo comunista recebeu forte apoio de parte da população da capital sul-coreana. De acordo com um relatório de julho de 1950, 60% dos estudantes da cidade ajudavam "ativamente" os norte-coreanos, que também eram prestigiados pela classe operária da capital. Além disso, quase todos os partidos políticos da Coreia do Sul apoiavam a Coreia do Norte, com exceção do partido extremista de direita do então presidente Syngman Rhee.

Os EUA lideraram as forças da ONU, aproveitando-se da neutralidade soviética, e iniciaram a intervenção de mais de uma dezena de países em auxílio militar à Coreia do Sul. Conseguiram fazer as tropas norte-coreanas recuarem e invadiram o Norte. Segundo outro relatório da agência, de outubro de 1950, Rhee procurava incorporar a Coreia do Norte à Coreia do Sul, proposta que foi apoiada pelos EUA especialmente na área econômica, ao incentivarem a anexação monetária do Norte a partir do uso de notas do Banco da Coreia em toda a península.

Quando da invasão da Coreia do Norte, o general MacArthur sugeriu ao presidente Harry Truman o uso de armas nucleares para vencer a guerra com mais rapidez. No entanto, foi exonerado.

A URSS e a China intervieram no conflito, que terminou apenas em julho de 1953. Por volta de 2,5 milhões de coreanos morreram nos três anos de guerra. Contudo, o país continua dividido no mesmo paralelo 38 até hoje, já que não houve vencedor e oficialmente a guerra não foi concluída. Os EUA foram considerados derrotados moralmente.

 


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Timothy Bancroft-Hinchey