Entrevista com Hatem Abudayyeh: Extremismo Cristão na América

Líder muçulmano que representa comunidade árabe em geral nos Estados Unidos fala  da crescente histeria e opressão, branca e protestante, no propalado "berço da democracia" cuja máscara se decompõe, de maneira cada vez mais evidente

por Edu Montesanti

Em setembro de 2010, agentes federais norte-americanos em Chicago invadiram injustificadamente a residência de Hatem Abudayyeh, diretor executivo da Rede de Ação Árabe-Norte-Americana (AAAN, na sigla em inglês), em uma época em que agentes federais executavam mandados de busca em residências e escritórios de vários islamitas em Chicago e Minneapolis. Algumas das muitas "caças contra muçulmanos" em todos os lugares do país, desde os ataques do 11 de Setembro.

Os agentes do FBI levaram um computador, fitas de vídeo e um telefone celular do líder muçulmano pelos direitos civis. "Eles levaram tudo na minha casa que continha a palavra 'palestino'", disse Abudayyeh. A investigação federal procurava saber se Abudayyeh e outros cidadãos financiaram organizações terroristas estrangeiras. Abudayyeh nunca foi condenado por nada.

De acordo com o líder da AAAN, filho de palestinos, o FBI o investigou apenas por ter uma visão pró-palestina. "Trata-se de uma escalada maciça de ataques às pessoas que atuam em prol da Palestina neste país, e que trabalham contra a guerra", disse Abudayyeh na Universidade de Wisconsin-Milwaukee três meses depois das buscas policias, enquanto se recusava a conceder entrevista à rede de TV ABC News. "Não vamos parar de falar abertamente contra a guerra, não vamos parar de falar abertamente contra o apoio dos Estados Unidos às violações de Israel contra o povo palestino".

Nesta entrevista exclusiva, Hatem Abudayyeh comenta a ordem executiva do presidente norte-americano Donald Trump que impede cidadãos de sete países de maioria muçulmana de entrar nos Estados Unidos nos próximos 90 dias, refugiados de todo o mundo por quatro meses, e refugiados sírios por tempo indeterminado. Também observa que os mais prejudicados serão latinos, segundo ele gente trabalhadora e vítima dos enormes atrasos governamentais no atendimento à solicitação de documentação para residência permanente. Fato que a mídia oligárquica internacional não vê.

O ativista palestino-norte-americano diz: "Trump e outros racistas e supremacistas brancos em seu governo são extremamente perigosos, não só para árabes e muçulmanos como também para imigrantes em geral: negros, trabalhadores, mulheres e todas as outras comunidades marginalizadas e oprimidas nos Estados Unidos. Acredito que Trump quer, na realidade, 'fazer os Estados Unidos brancos de novo '", diz ele em irônica referência ao lema de campanha do republicano, "fazer os Estados Unidos grandes de novo".

Abudayyeh afirma que árabes e muçulmanos querem viver em paz e com dignidade, enquanto muitos deles têm sido intimidados e diversas organizações de sua comunidade dedicadas a serviços sociais, programação para jovens e divulgação cultural têm sido sumariamente fechadas no "berço da democracia".

Nada mudou nos Estados Policialescos Unidos da América desde a opressão que o líder islamita do estado de Illinois sofreu em 2010, em nome de uma "Guerra ao Terror" sem fim que apenas espalha medo, violência indiscriminada, fere liberdades civis sem precedentes e semeia muito ódio no país e em todo o mundo, tudo isso incitado pela grande mídia global. Hatem Abudayyeh afirma que "o governo, aqui, precisa colocar um rosto local sobre o 'inimigo' estrangeiro", para o que a mídia tem desempenhado papel fundamental, tanto através do jornalismo de propaganda quanto da indústria do cinema.

"As políticas pós-9-11 criminalizaram árabes e muçulmanos de tal forma, que estamos vivendo em constante medo de detenção, de deportação, de vigilância e de repressão geral", diz o líder comunitário norte-americano, de origem palestina. "Nossa comunidade está enfrentando vigilância massiva, documentada, e repressão". Mas não apenas isso, de acordo com o ativista muçulmano: "Ele (Trump) criminaliza árabes e muçulmanos nos Estados Unidos para obter apoio das pessoas aqui com objetivos imperialistas em nossos países de origem".

Nada mudou na "política de segurança" dos Estados Unidos (eufemismo para crimes institucionalizados) desde os sombrios anos de George W. Bush - a não ser no sentido de maior insegurança no mundo e nos próprios Estados Unidos. Isso tudo, nada mais é o que os poderes totalitários precisam para justificar o cerceamento de liberdades civis e a aplicação de políticas de linha dura em geral, a fim de dominar e explorar. Nenhuma novidade na história da humanidade, mas nem por isso menos deplorável.

Confira a íntegra da entrevista com Hatem Abudayyeh, quem relata o clima de histeria e de ódio que permeia todos os segmentos da política e da sociedade norte-americana. Realidade que o Pentágono midiático não quer que os cidadãos fora dos Estados Unidos saibam, sustentando o mito - cada vez mais difícil de ser sustentado - de que a sociedade norte-americana é aberta. Uma vez mais, soa agressivamente o apito da panela de pressão branca e protestante da América.

Edu Montesanti: Hatem Abudayyeh, conte como funciona a Rede de Ação Árabe-Americana (AAAN)?

Hatem Abudayyeh: A AAAN foi criada em 1995 para prestar apoio à comunidade árabe da Grande Chicago nas áreas de organização comunitária, advocacia, serviços sociais, programação para jovens e divulgação cultural.

Somos a única organização árabe em Illinois, e uma das poucas em todo o país que desafiam o racismo estrutural e institucional, e a opressão nacional com uma base organizacional popular.

Oferecemos desenvolvimento de liderança para jovens e mulheres imigrantes, e os membros da comunidade mais afetados lideram nossas campanhas de justiça social e mudança sistêmica.

O que significa ser árabe nos Estados Unidos hoje, especialmente árabe muçulmano após 11 de setembro de 2001, e o que mudou desde que o presidente Donald Trump venceu as eleições?

Os árabes nos Estados Unidos enfrentaram opressão nacional e racismo há muitas décadas, desde muito antes do 11 de Setembro, e agora com Trump. Mas os desafios são muito mais acentuados agora.

As políticas pós-11 de setembro de 2001 criminalizaram árabes e muçulmanos de tal forma, que estamos vivendo em constante medo de detenção, deportação, vigilância e repressão geral.

Várias de nossas organizações têm sido fechadas, indivíduos proeminentes como Rasmea Odeh enfrentaram acusações políticas, e o sistema judicial, a mídia, o sistema educacional e outros segmentos tornam algo aterrorizante aos árabes e muçulmanos viver aqui em paz, e com dignidade.

No discurso de inauguração, o presidente Donald Trump pediu que o "mundo civilizado" se unisse "contra o terrorismo radical islamita, que erradicaremos completamente da face da Terra". Mais tarde, o novo ocupante da Casa Branca confirmou Mike Pompeo como chefe da CIA, um republicano do Tea Party a favor da reintegração de afogamentos induzidos, entre outras técnicas de tortura. Ele vê os muçulmanos como ameaça ao Cristianismo e à civilização ocidental além de ser identificado como "radical extremista cristão" que acredita que a "guerra global contra o terrorismo" constitui uma "guerra entre o Islã e o Cristianismo". Sua opinião, por favor, Hatem.

Trump e os outros racistas e supremacistas brancos no seu governo são extremamente perigosos, não só para árabes e muçulmanos como também para os imigrantes em geral: negros, trabalhadores, mulheres e todas as outras comunidades marginalizadas e oprimidas nos Estados Unidos.

Não há muita diferença entre republicanos e democratas neste país, especialmente quando se trata da política externa dos Estados Unidos e até mesmo em relação à política doméstica e econômica, mas Trump é claramente distinto. Ele está claramente aproximando-se do pior racismo da sociedade dos Estados Unidos, colocando os supremacistas brancos declarados em seu governo e atacando imigrantes, negros e trabalhadores através de todas as ordens executivas que assina.

O ataque específico contra árabes e muçulmanos serve a uma causa muito específica, uma causa que tem sido utilizada por todos os presidentes desde o 11 de Setembro. Ou seja, para justificar a política externa dos Estados Unidos no Oriente Médio: invasão, ocupação, apoio à desestabilização da Síria, ameaças contra Irã e Líbano entre outras coisas. O governo, aqui, precisa colocar um rosto local sobre o "inimigo" estrangeiro.

Ele criminaliza árabes e muçulmanos nos Estados Unidos para obter apoio das pessoas aqui, com fins imperialistas em nossos países de origem. Sim, Trump e Pompeo são racistas radicais ultra-direitistas, mas isso é apenas uma continuação da política imperialista embora seja, talvez, ainda mais devastadora.

Como você vê a ordem executiva de Trump sobre a imigração que impede cidadãos de países com maioria muçulmana - Irã, Iraque, Líbia, Somália, Sudão, Síria e Iêmen - de entrar nos Estados Unidos nos próximos 90 dias, refugiados de todo o mundo por quatro meses e refugiados da Síria por tempo indeterminado?Acredito que Trump quer, na realidade, "fazer os Estados Unidos brancos novamente". A proibição da entrada de muçulmanos e os memorandos anteriores da execução da ordem executiva têm a intenção expressa de proibir imigrantes da cor de vir para cá, e deportando outros que estão já aqui - na maior parte mexicanos e centro-americanos.

A AAAN não acredita que essas políticas estão apenas afetando árabes e muçulmanos. Na verdade, as pessoas que estão e vão carregar o peso são os latinos, que constituem a maior população de imigrantes indocumentados neste país. A grande maioria deles trabalha, paga impostos e tenta sustentar suas famílias aqui, mas Trump quer deportá-los, todos. Trump está afirmando que eles "ferem a lei", mas a única coisa ferida é o nosso sistema de imigração que tem um enorme atraso de pedidos para as pessoas que tentam se tornar residentes permanentes. Eles estão aqui há muitos anos e têm sido forçados a estar aqui, principalmente, por causa das políticas econômicas neoliberais como NAFTA e CAFTA, mas agora eles estão sendo ameaçados diariamente com deportações.

Trump é um autocrata racista que está usando ações executivas para tentar tornar o país mais parecido com o que seus partidários querem, isto é, a sociedade branca europeia politicamente dominada dos anos 30, 40 e 50 nos Estados Unidos.

Como essa "política" de imigração agressiva afetará a sociedade norte-americana e o mundo a médio e longo prazo?

Essas políticas de proibição da entrada de muçulmanos e anti-imigrantes em geral já estão afetando a sociedade norte-americana, causando apreensão e intimidação em massa, mas também resistência maciça.

Nós não vimos os tipos de protestos diários, consistentes como esses provocados por Trump e seu racismo desde a era dos direitos civis (dos anos 60), e é claro que eles não vão abrandar. Ao mesmo tempo em que os imigrantes estão sob ataque, os negros e seu Movimento de Libertação Negra (Black Liberation Movement) também etsão, como evidenciado pelo plano de Trump de rescindir a política de Obama de eliminar gradualmente prisões privadas, e os ataques de propaganda do governo Trump contra o Movimento por Vidas Negras (Movement for Black Lives) e suas exigências que a aplicação da lei neste país parar o seu perfil racial e matar os negros.

O outro perigo atual que vemos hoje são os crimes supremacistas brancos contra pessoas em comunidades de cor. Porque Trump normalizou o racismo contra negros, latinos, árabes, muçulmanos e tantos outros, os supremacistas brancos têm perpetrado crimes racistas de ódio contra todas essas comunidades.

De um massacre em uma igreja negra, dos racistas brancos armados protestando contra mesquitas até um índio norte-amerciano morto com um tiro porque ele parecia árabe, e os latinos sendo agredidos por multidões brancas, os Estados Unidos de Trump são muito parecidos com aquele país Estado brucutu dos anos 50 e 60.

Mas como o movimento dos direitos civis no Alabama e por todos os Estados Unidos, as pessoas hoje não se permitirão ser vítimas. Elas vão se defender, vão resistir e voltar a lutar. E as políticas de Trump serão interrompidas pelas massas, como a proibição da entrada dos muçulmanos acabou sendo. O tribunal federal que congelou a proibição declarou claramente que havia gerado "caos", o que significa que a nossa resistência, os protestos em massa e o fechamento de aeroportos tinham tanto a ver com a decisão judicial como a inconstitucionalidade da proibição.

Você denunciou uma vez a repressão do F.B.I. contra ativistas, e você mesmo foi vítima de uma operação em 2010 por parte da polícia secreta federal. Isso ainda acontece? Você e sua comunidade se sentem vítimas de qualquer tipo de vigilância e repressão?

Nossa comunidade está enfrentando vigilância e repressão, massivas e documentadas. Existem milhares de informantes do FBI em nossas comunidades, infiltrados em mesquitas, centros comunitários e pequenas empresas.

Um programa federal iniciado pelo governo de Obama, chamado Contra o Extremismo Violento (Countering Violent Extremism , fornece quantidades maciças de dinheiro às comunidades para atingir jovens árabes e muçulmanos, e considera nossa comunidade extremista, mas não os supremacistas brancos que perpetraram mais ataques terroristas que qualquer outro segmento neste país ao longo dos anos.

Mais especificamente, acreditamos que a vigilância e a repressão política afetam mais os palestinos e seus seguidores, dos estudantes que defendem os direitos dos palestinos, das organizações palestinas ao já mencionado Rasmea Odeh.

A crítica política da ocupação e colonização israelenses está se tornando a norma neste país, e o governo dos Estados nidos, por seu apoio inequívoco a Israel, precisa reprimir a organização de apoio da Palestina para continuar garantindo que Israel permaneça como seu cão de guarda no mundo árabe.

E agora o governo de ultra-direita de Trump está em cena ao mesmo tempo que o governo de ultra-direita de Netanyahu governa Israel, então devemos esperar que a repressão piore.

 


Author`s name
Timothy Bancroft-Hinchey