Guerra na Iugoslávia 'foi um ensaio da OTAN para as intervenções recentes em outros países'

Guerra na Iugoslávia 'foi um ensaio da OTAN para as intervenções recentes em outros países'

Após quase 20 anos dos bombardeios da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) à antiga Iugoslávia - então composta somente por Sérvia e Montenegro -, em 1999, as ações da força militar ocidental se espalharam por todo o mundo.

Eduardo Vasco

Com a desculpa de proteger os civis da província rebelde do Kosovo das supostas perseguições sérvias, o ocidente apoiou o grupo considerado terrorista Exército de Libertação do Kosovo e, percebendo a sua ineficiência na divisão do país, interveio diretamente. Foi a primeira ação bélica da OTAN em 50 anos de existência, mesmo após o término da Guerra Fria - que havia sido o motivo de sua criação.

Milhares de civis inocentes foram assassinados pelos bombardeios diários à Belgrado e outras regiões.

A guerra da OTAN contra a Iugoslávia foi a última da série de guerras que o país viveu durante a década de 1990. Da Eslovênia até a Bósnia, a então terra dos eslavos do sul, que abrigava distintas etnias e religiões convivendo harmoniosamente por 40 anos, foi sendo esquartejada e afogada em sangue. Depois, os ataques diretos da OTAN trataram de terminar a destruição do país.

O acompanhamento da imprensa foi um fator decisivo para que os bombardeios ocorressem. Durante anos os sérvios e seu presidente, Slobodan Milosevic, foram acusados de criminosos e opressores - embora o próprio Tribunal de Haia tenha reconhecido que tais acusações foram um exagero.

Para o jornalista Mário Augusto Jakobskind, na época editor de "Internacional" do jornal Tribuna da Imprensa, do Rio de Janeiro, a cobertura midiática durante as guerras na Iugoslávia "de um modo geral foi uma cobertura tendenciosa em que prevaleceu o esquema do pensamento único e em que a informação, como nas guerras de um modo geral, foi também uma grande vítima".

Nesta entrevista, Jakobskind, que também é historiador e autor do livro "Iugoslávia: laboratório de uma Nova Ordem Mundial", faz uma avaliação do noticiário sobre a guerra e compara as ações da OTAN naquele acontecimento com suas intervenções posteriores pelo mundo.

O que a guerra na Iugoslávia, no final do século XX, representou em termos históricos?

De alguma forma foi um ensaio do Ocidente, mais precisamente da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e não Aliança Ocidental, como afirmam telejornais brasileiros, da ação posterior feita na Líbia alguns anos depois e em outros países como o Iraque, por exemplo.

A globalização, ao invés de dissolver as fronteiras, contribuiu para a exacerbação dos nacionalismos?

Na verdade, o nacionalismo tornou-se uma estratégia de autodefesa de países ameaçados pelo imperialismo, um termo que nos últimos tempos tem sido silenciado, mas que existe de fato e está, aí sim, exacerbado. Em outras palavras, o objetivo da globalização tem sido a dissolução das fronteiras e o nacionalismo tornou-se uma forma de alguns Estados nacionais se defenderem.

Além da cobertura da Guerra do Kosovo, você acompanhou o noticiário das guerras anteriores nas outras regiões da Iugoslávia? Como você avalia a cobertura da mídia nesses conflitos anteriores ao Kosovo?

De um modo geral foi uma cobertura tendenciosa em que prevaleceu o esquema do pensamento único e em que a informação, como nas guerras de um modo geral, foi também uma grande vítima. Um exemplo concreto ocorreu com o dirigente iugoslavo Slobodan Milosevic, que foi preso e de antemão condenado sem mesmo ser julgado. Cerca de dez anos depois, quando já estava morto, o Tribunal de Haia o inocentou das acusações segundo as quais ele tinha sido responsável pelo "genocídio". A mídia de um modo geral chegou a compará-lo a Adolf Hitler. E essa mesma mídia, seja nacional ou as agências internacionais, praticamente silenciaram sobre o veredicto do Tribunal de Haia.

Tanto o noticiário brasileiro como o internacional foram tendenciosos na Guerra do Kosovo? Houve diferenças nas coberturas?

O noticiário nacional, com raras exceções, entre as quais o então jornal do Rio de Janeiro, Tribuna da Imprensa, noticiou a guerra de forma tendenciosa contra os sérvios.

Por que a cobertura brasileira foi tendenciosa? Quais os interesses?

O alinhamento incondicional com o noticiário das agências internacionais, em sua maioria norte-americanas, inglesas, francesas, alemãs e espanholas tem sido uma constante nas editorias internacionais da grande imprensa. E isso se deu nos episódios mencionados (Iugoslávia, Kosovo, Milosevic etc), bem como prossegue na atualidade, inclusive em relação à vizinha Venezuela. O alinhamento automático tem sido uma constante.

Me parece que nas guerras precedentes à do Kosovo a mídia exigia a intervenção da ONU na Iugoslávia. Depois que a ONU começou a intervir, ela foi muito criticada porque estaria sendo conivente com as "atrocidades" sérvias e parte da mídia pediu uma ação militar do Ocidente. Você acha que isso foi parte da estratégia para levar a OTAN a bombardear a Iugoslávia em 1999, ignorando qualquer decisão da ONU?

Já estava tudo traçado de antemão, porque o objetivo sempre foi a intervenção da OTAN, sob o comando do Pentágono.

A quem interessava dividir a Iugoslávia? E por quê? Qual a relação da mídia com isso?

Creio que a pergunta já está respondida. O interesse da Europa e dos Estados Unidos era nesse sentido. Os fatos históricos deixam bem claro. A cobertura dos meios de comunicação de um modo geral completaram o esquema.

Você vê semelhanças entre a cobertura midiática na Iugoslávia e em outros países que passaram por conflitos ou crises neste século XXI?

Como já afirmei: Líbia, Iraque e mais recentemente a Venezuela, para não falar de outros exemplos a serem melhor analisados como acontecimentos em várias outras partes do mundo, entre os quais o Sudão e até mesmo o Egito, para não falar da Tunísia e mais recentemente a Síria.

 


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Timothy Bancroft-Hinchey