O projeto UE. Desvalorização interna, o euro e os novos Viriatos

UE - um projeto inserido na globalização capitalista

O projeto UE, sob o nome genérico inicial de CEE, foi um elemento surgido no pós-guerra quando se percebeu que a recuperação das destruições do conflito exigia uma concertação na zona nobre do capitalismo dito liberal - a Europa Ocidental e os EUA.

Os EUA, sem destruições de guerra e com perdas humanas nada comparáveis com as havidas na Europa, - sobretudo na URSS, em termos absolutos e na Grécia, em termos relativos - mantinha a sua estrutura produtiva incólume e precisava de a manter, para evitar que a desmobilização desenvolvesse uma crise de desemprego, como nos anos 30. Mesmo no contexto da Guerra Fria, seria necessário substituir parte da produção militar pela de bens de consumo e equipamento e a desmantelada Europa era um campo fértil para aplicação dessa política.

A Europa, em grande parte destruída, na sua capacidade industrial, infraestruturas e equipamentos sociais, seria um bom local para o investimento dos norte-americanos com capitais que, de imediato voltariam à origem para pagamento de importações europeias dos EUA; alicerçando-se assim a supremacia do dólar como moeda de reserva e para as transações internacionais. O Plano Marshall (1947) capeou essa política e foi completada pela criação da OECE (futura OCDE, em 1948) e pela NATO, em 1949. Portugal, como prémio pelo apoio aos Aliados desde 1943 (...depois da viragem em prejuízo do Eixo) recebeu $ 140 M e a Espanha franquista ficou de fora.

A concorrência inicial que o modelo soviético exercia, como produto do papel determinante da URSS na derrota do nazismo alimentava ideias para grandes avanços sociais em grandes partidos de esquerda, mormente em França e Itália e obtinha a simpatia de intelectuais de nomeada, como Sartre. A constituição da NATO dava para isso um bom contributo, com a afirmação de uma tutela dos EUA sobre a Europa.

A futura UE foi até aos anos 80 uma fórmula decalcada do Zollverein, uma união aduaneira entre países com níveis de desenvolvimento próximos e numa área territorial concentrada. O Reino Unido, que ficara de fora do projeto inicial devido à oposição de De Gaulle só ingressaria no grupo em 1973, com a Irlanda e a Dinamarca.

Como projeto de agregação de mercados, a inicial CEE tornou-se precursora dos atuais tratados TTIP, CETA... negociados entre as multinacionais e os burocratas de Bruxelas ou Washington, mantidos secretos, a despeito das imensas repercussões na desconstrução de funções tradicionais dos estados-nação e para a vida dos povos, que se pretendem venham a estar submetidos a instâncias oligárquicas, a uma escala geográfica muito mais alargada e distanciada das pessoas do que as instituições da actual UE.

A concretização daqueles tratados apresenta-se como uma componente civil, complementar, de uma estrutura militar nascida no pós-guerra - a NATO - onde a preponderância norte-americana é clara. Como já foi assinado o TPP que pretende regular e controlar o comércio no Pacífico - com o isolamento da China - fica clara a estratégia do Pentágono: a de colocar os EUA como o centro de uma enorme área marítima e continental, entre a margem ocidental do Pacífico e a margem oriental do Atlântico, com os BRICS excluídos e o resto do planeta, fragmentado, submetido à pressão das multinacionais, da dívida e das guerras inseridas na "luta contra o terrorismo". A atualidade de Orwell é evidente.

2 - Os alargamentos dos anos 80 e a criação da primeira periferia

Com a entrada da geograficamente excêntrica Grécia e dos países ibéricos, em 1981 e 1986, respetivamente, surgiram países com indicadores económicos claramente inferiores aos membros mais antigos e com eles, os programas de ajuda, os fundos estruturais e de coesão. Esta era uma nova realidade, a coexistência num mesmo espaço económico de áreas com grandes discrepâncias de riqueza e rendimento; se bem que, anteriormente, a Irlanda também apresentasse algumas distâncias face aos outros países.

Os fundos comunitários foram apresentados como capitais entrados com contrapartidas formais, meramente burocráticas, em nome da coesão, da modernização, da integração económica, numa lógica vagamente federalista para concretizar num tempo futuro, indeterminado. O dito projeto europeu, porém, pouco mais tem sido que um projeto economicista de abertura total dos mercados, de vigência das três liberdades cantadas pelo liberalismo - de circulação de bens, de capitais e de pessoas, verticalizado e constituinte de desigualdades. Assim. a drenagem de fundos para os países periféricos, pode dizer-se nunca ter integrado um projeto altruísta e solidário.

Essas verbas visaram claramente os objetivos de criação de maior densidade nas trocas no seio da Comunidade. As estradas, sobretudo as transfronteiriças tiveram grande incremento, sabendo-se a priori que na ausência de barreiras de ordem política, o chamado mercado livre favorece as empresas mais poderosas, com maiores capacidades tecnológicas e produtividade. As regiões mais desenvolvidas tenderão a alargar o campo para as suas exportações e as regiões menos "competitivas" ficarão como importadoras líquidas, com estruturas económicas desarticuladas, com maus serviços públicos, débeis economias de proximidade e baixos salários, admitindo a polarização, em muito poucas atividades globalmente valorizadas - minas, floresta, turismo, ou algumas outras que se insiram nas redes logísticas das multinacionais, como produto de deslocalizações, beneficiando de apoios estatais e de mão-de-obra barata para o nível de especialização desejado.

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Timothy Bancroft-Hinchey