Conversações entre Governo Nacional e FARC-EP

La Habana, 4 de junho de 2015

Avanços da discussão do ponto 5: Comissão para o esclarecimento da verdade, da convivência e da não repetição

O Governo da Colômbia e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia-Exército do Povo, em cumprimento do estabelecido no ponto 3 do numeral VI do Acordo Geral para a Terminação do Conflito e a Construção de uma Paz Estável e Duradoura de 26 de agosto de 2012, apresentam este Informe Conjunto sobre os avanços e acordos alcançados em relação ao Ponto 5 da Agenda -"Vítimas".

O fim do conflito constitui uma oportunidade única para satisfazer um dos maiores desejos da sociedade colombiana e das vítimas em particular: que se esclareça e conheça a verdade sobre o ocorrido no conflito.

Neste novo cenário será possível contribuir com a construção e preservação da memória histórica e alcançar um entendimento amplo das múltiplas dimensões da verdade do conflito, incluindo a dimensão histórica, de tal forma que não só se satisfaça o direito à verdade como também se contribua para assentar as bases da convivência, da reconciliação e da não repetição.

Com este propósito, o Governo Nacional e as FARC-EP alcançamos um acordo para que se ponha em marcha, uma vez firmado o Acordo Final, a Comissão para o Esclarecimento da Verdade, da Convivência e da Não Repetição [adiante a Comissão], que será um mecanismo independente e imparcial de caráter extrajudicial.

A Comissão fará parte do sistema integral de verdade, justiça, reparação e não repetição que se há de acordar na Mesa para satisfazer os direitos das vítimas, terminar o conflito e alcançar a paz. Por isso, o acordo conseguido sobre a Comissão não pode ser entendido nem definitivamente fechado, nem isolado do sistema que estamos comprometidos a construir e que ainda não se concluiu. Continuaremos trabalhando para acordar outros mecanismos que nos permitam garantir os direitos das vítimas à verdade, à justiça e à reparação, ademais de contribuir para garantir aos colombianos e às colombianas a não repetição do conflito. No marco da discussão sobre a integralidade do sistema e seus mecanismos judiciais e extrajudiciais, se acordarão os temas cuja concretização depende da relação entre os diferentes mecanismos do sistema.

A Comissão deverá cumprir três objetivos fundamentais.

Em primeiro lugar, a Comissão deverá contribuir com o esclarecimento do ocorrido, de acordo com os elementos do mandato descritos mais adiante, e oferecer uma explicação ampla da complexidade do conflito, de tal forma que se promova um entendimento compartilhado na sociedade, em especial dos aspectos menos conhecidos do conflito. Neste sentido, saudamos a visita e o pronunciamento efetuado durante este ciclo por Zainab Bangura, Representante Especial do Secretário-Geral das Nações Unidas para a Violência Sexual em Conflitos, e nos comprometemos a atender suas recomendações.

Em segundo lugar, a Comissão deverá promover e contribuir para o reconhecimento. Isso significa o reconhecimento das vítimas como cidadãos que viram seus direitos vulnerados; o reconhecimento voluntário de responsabilidades individuais e coletivas por parte de todos aqueles que, de maneira direta ou indireta, participaram no conflito como uma contribuição à verdade, à justiça, à reparação e à não repetição; e, em geral, o reconhecimento por parte de toda a sociedade desse legado de violações e infrações como algo que merece o rechaço de todos e que não se deve nem se pode repetir.

E em terceiro lugar, a Comissão deverá promover a convivência nos territórios. Para isso promoverá um ambiente de diálogo e criará espaços nos quais as vítimas se vejam dignificadas, se façam reconhecimentos individuais e coletivos de responsabilidade, e em geral se consolidem o respeito e a confiança cidadã no outro, a cooperação e a solidariedade, a justiça social, a equidade de gênero e uma cultura democrática que cultive a tolerância e nos livre da indiferença frente aos problemas dos demais. Assim se assentarão as bases da não repetição, da reconciliação e da construção de uma paz estável e duradoura. Por essas razões, é necessário entender a construção da verdade também como uma parte essencial da construção da paz.

O êxito da Comissão dependerá do compromisso de todos os setores da sociedade com o processo de construção da verdade e do reconhecimento de responsabilidades por parte daqueles que de maneira direta e indireta participaram no conflito. Por isso, tanto o Governo Nacional como as FARC-EP se comprometem a contribuir de maneira decidida com o esclarecimento da verdade sobre tudo ocorrido no conflito, incluindo as graves violações aos direitos humanos e infrações ao DIH.

 

  1. Comissão para o Esclarecimento da Verdade, da Convivência e da Não Repetição

Critérios orientadores:

Centralidade das vítimas: Os esforços da Comissão estarão centrados em garantir a participação das vítimas do conflito, assegurar sua dignificação e contribuir para a satisfação de seu direito à verdade em particular, e em geral de seus direitos à justiça, à reparação integral e às garantias de não repetição, sempre tendo em conta o pluralismo e a equidade. Todo o anterior deve contribuir, ademais, para a transformação de suas condições de vida.

Imparcialidade e independência: A Comissão será um mecanismo imparcial e independente com plena autonomia para o desenvolvimento de seu mandato e o cumprimento de suas funções.

Caráter transitório: A Comissão será excepcional e funcionará durante um tempo limitado de tal forma que suas conclusões e recomendações possam contribuir de maneira efetiva para a construção de uma paz estável e duradoura.

Participação: A Comissão porá em marcha um processo de participação ampla, pluralista e equilibrada no qual se ouvirão as diferentes vozes e visões, em primeiro lugar das vítimas do conflito que o tenham sido por qualquer circunstância relacionada com este, tanto individuais como coletivas, e também dos que participaram de maneira direta e indireta no mesmo, assim como de outros atores relevantes.

Enfoque territorial: A Comissão será uma entidade de nível nacional, porém terá um enfoque territorial com o objetivo de conseguir uma melhor compreensão das dinâmicas regionais do conflito e da diversidade e particularidades dos territórios afetados, e com a finalidade de promover o processo de construção da verdade e contribuir para as garantias de não repetição nos diferentes territórios. O enfoque territorial terá em conta também as pessoas e populações que foram deslocadas forçosamente de seus territórios.

Enfoque diferencial e de gênero: No desenvolvimento de seu mandato e de suas funções, a Comissão terá em conta as distintas experiências, impacto diferencial e condições particulares das pessoas em razão do sexo, gênero, idade, etnia, ou situação de invalidez, e das populações ou setores em condições de vulnerabilidade ou especialmente afetados pelo conflito, entre outras. Haverá especial atenção à vitimização sofrida pelas mulheres.

Coordenação com outras medidas de construção de paz: A Comissão se coordenará com os mecanismos que se ponham em marcha para a implementação do Acordo Final. Em particular, se coordenará, onde haja lugar, com os planos e programas de construção de paz que se ponham em marcha nos territórios, como consequência da implementação do Acordo Final.

Regras de procedimento: A Comissão estabelecerá previamente procedimentos que assegurem aos que participam nela as devidas garantias, e um tratamento justo, digno e não discriminatório.

Garantias para os comissários e as comissárias: Em relação a seu trabalho na Comissão, @s comissári@s não estarão obrigad@s a declarar em processos judiciais, estarão isent@s do dever de denúncia e suas opiniões e conclusões não poderão ser questionadas judicialmente.

Condições de segurança: A Comissão avaliará as condições de segurança necessárias para o desenvolvimento de suas atividades e coordenará, com as autoridades do Estado, a posta em marcha das medidas de segurança necessárias tanto para @s comissári@s como para os que participem nas atividades da Comissão.

Convivência e reconciliação: Para contribuir com o objetivo da não repetição e da reconciliação, as atividades da Comissão, em desenvolvimento de seu mandato, estarão orientadas a promover a convivência entre os colombianos, em especial nos territórios mais afetados pelo conflito e pela violência. Para isso, a Comissão zelará para que os espaços ou audiências que estabeleça sirvam para fortalecer o respeito e a tolerância, a confiança cidadã no outro e nas normas que garantam a vigência e o respeito dos direitos humanos. Desta forma, a Comissão ajudará também a assentar as bases sólidas para a construção da paz.

Metodologia: A Comissão tomará todas as medidas necessárias para garantir a maior objetividade e imparcialidade possível para o desenvolvimento de suas atividades, para o qual adotará procedimentos para contrastar e verificar a qualidade da informação que colete, incluindo sua confiabilidade, e para identificar a informação falsa que poderia ter sido fornecida de má-fé à Comissão. A Comissão tornará pública sua metodologia.

Mecanismo extrajudicial: A Comissão será um mecanismo extrajudicial. Neste sentido, suas atividades não terão caráter judicial nem poderão implicar na imputação penal dos que compareçam ante ela. A informação que a Comissão receba ou produza não poderá ser transladada por esta a autoridades judiciais para ser utilizada com a finalidade de atribuir responsabilidades em processos judiciais ou para ter valor probatório; nem as autoridades judiciais poderão requerê-la.

Mandato:

A Comissão terá como mandato esclarecer e promover o reconhecimento de:

 

Período objeto de estudo da Comissão (âmbito temporário):

Para abordar os distintos elementos de seu mandato, a Comissão terá como âmbito temporário o período do conflito. Como isso supõe um marco temporário extenso, será necessário que a Comissão estabeleça dentro deste prioridades de sua investigação. Não obstante, para efeitos de cumprir com o propósito de esclarecer plenamente as origens e múltiplas causas do conflito, a Comissão poderá explorar eventos históricos anteriores a este, tendo em conta como insumo básico, entre outros, os informes da Comissão Histórica do Conflito e suas Vítimas.

Funções:

Para o cumprimento de seu mandato, a Comissão terá as seguintes funções principais:

 

Processo de seleção:

A Comissão estará composta por 11 comissári@s. Para sua escolha se porá em marcha um procedimento de candidatura e seleção que ofereça garantias de legitimidade, imparcialidade e independência a toda sociedade colombiana e em particular às vítimas. O processo de postulação de candidatos será amplo e pluralista, assegurando que todos os setores da sociedade, incluindo as organizações de vítimas, entre outros, possam postular candidatos.

Os/as comissári@s serão eleitos por um comitê de seleção. Este comitê estará composto por 9 integrantes. O Governo e as FARC-EP, de comum acordo, selecionarão. através do mecanismo que acordemos, 6 d@s integrantes do comitê de seleção. Os/as 3 integrantes restantes serão @s delegad@s de 3 pessoas ou organizações que acordemos na Mesa. Todos os integrantes do comitê de seleção deverão inspirar confiança na cidadania.

A seleção se baseará exclusivamente nas candidaturas e a eleição levará em conta critérios de seleção individuais como a idoneidade ética, a imparcialidade, a independência, o compromisso com os direitos humanos e a justiça, a ausência de conflitos de interesses e o conhecimento do conflito armado, do Direito Internacional Humanitário e dos direitos humanos, e a reconhecida trajetória em algum destes campos. A seleção d@s comissári@s também deverá levar em conta critérios coletivos como a equidade de gênero, o pluralismo, a interdisciplinaridade e a representação regional.

O comitê de seleção poderá selecionar comissári@s estrangeir@s, porém estes, em todo caso, não poderão ser mais de 3.

O comitê de seleção terá até 3 meses para a seleção d@s comissári@s, contados a partir do encerramento da fase de candidaturas.

A seleção d@s comissári@s se deverá adotar por maioria de 2/3 dos integrantes do comitê de seleção.

Presidente/a da Comissão:

O/a presidente da Comissão deverá ser colombiano/a e será eleit@ de comum acordo entre o Governo Nacional e as FARC-EP pelo mecanismo que acordemos. O/a presidente/a da Comissão será seu principal porta-voz público, coordenará o trabalho d@s comissári@s, facilitará o bom funcionamento interno e dirigirá as tarefas desta, preferivelmente buscando o consenso no processo interno de tomada de decisões. O papel d@ presidente/a da Comissão é importante porque constitui ao mesmo tempo uma referência nacional e internacional.

Duração:

A Comissão terá uma duração de 3 anos, incluindo a elaboração do informe final. A Comissão contará com 6 meses para preparar todo o necessário para seu funcionamento. A publicação do informe final se realizará durante o mês seguinte à conclusão dos trabalhos da Comissão.

Compromissos de contribuição ao esclarecimento

O Governo Nacional, como poder executivo, e as FARC-EP se comprometem a contribuir decididamente no processo de esclarecimento da verdade e a reconhecer suas respectivas responsabilidades ante a Comissão.

O Governo adotará todas as medidas necessárias para garantir a contribuição de outras entidades do Estado e promoverá a participação de terceiros na Comissão, com o objetivo de que contribuam com o esclarecimento e o reconhecimento de responsabilidades, como parte das garantias necessárias para a não repetição.

Em conformidade com as leis aplicáveis, o Governo se compromete a facilitar a consulta da informação que a Comissão requeira para o cumprimento de suas funções, e a Comissão, por sua parte, lhe dará o tratamento legal correspondente.

Financiamento:

O Governo Nacional se compromete a garantir o financiamento oportuno de todo o funcionamento da Comissão, de tal forma que possa cumprir plenamente com seu mandato e funções de maneira autônoma e ininterrupta, incluindo a publicação e difusão massiva do informe final. A Comissão deverá adotar as medidas necessárias para que a execução de seus recursos se faça de maneira transparente, procurando garantir a austeridade no gasto. Se promoverá a vedoria cidadã sobre a execução dos recursos, proporcionando as garantias necessárias para isso.

Comitê de seguimento e monitoramento à implementação das recomendações da Comissão:

Se criará um comitê de seguimento e monitoramento à implementação das recomendações da Comissão que entrará em funcionamento uma vez se tenha publicado o informe final. Para o cumprimento de sua tarefa se facilitará a interlocução com diferentes entidades e organizações de vítimas e de direitos humanos, entre outras. Este comitê estará integrado por representantes de distintos setores da sociedade, incluindo organizações de vítimas e de direitos humanos, entre outras. A Comissão estabelecerá o tempo durante o qual funcionará o comitê. O comitê oferecerá informes periódicos de seguimento às recomendações. Estes informes deverão contar com um enfoque territorial, diferencial e de gênero. O comitê tomará as medidas necessárias para difundir seus informes amplamente nos meios de comunicação de âmbito nacional e regional. O Governo garantirá o financiamento do comitê para o cumprimento de suas funções.

2. Mecanismo de busca

Com a finalidade de contribuir para satisfazer o direito das vítimas e da sociedade em seu conjunto à verdade, e sem prejuízo dos procedimentos de esclarecimento que existam ou possam se adiantar durante o processo de conversações de paz, acordamos que à terminação do conflito é necessário multiplicar os esforços de busca, localização, identificação e recuperação de restos de pessoas mortas ou dadas por desaparecidas no contexto e em razão do conflito, sob qualquer circunstância. Para isso trabalharemos num novo mecanismo que funcionará em coordenação com a Comissão.

3. A participação das vítimas e da sociedade em relação com o Ponto 5

Dentro dos 10 princípios para a discussão do Ponto 5 - "Vítimas", acordados na Mesa, a "participação das vítimas" ocupa um lugar muito importante. Estamos convencidos de que a construção da paz requer uma ativa participação das vítimas, e em geral das comunidades nos territórios, que ao fim e ao cabo são aquelas que se verão beneficiadas pelas transformações que os acordos que alcançamos perseguem.

Para a Mesa tem sido um objetivo fundamental conseguir a maior participação possível e a recepção do maior número de propostas relacionadas com a discussão do Ponto 5. Os avanços no acordo do Ponto 5 que apresentamos hoje se basearam justamente em ouvir as vítimas que vieram diretamente à Mesa e em ler as propostas das milhares de pessoas que as nos fizeram chegar através dos distintos mecanismos de participação.

Em primeiro lugar e pela primeira vez no marco de um processo de paz, a Mesa de Conversações escutou de maneira direta e recebeu as propostas de um grupo de vítimas do conflito. O processo de seleção destas vítimas esteve a cargo da ONU e da Universidade Nacional, com acompanhamento da Conferência Episcopal, as quais, sob os princípios de pluralismo, equilíbrio e sindérese, buscaram refletir todo o universo de violações aos direitos humanos e infrações ao DIH que têm tido lugar no conflito, tendo em conta os diferentes setores sociais e populações, e o enfoque regional. As delegações estiveram compostas por 12 vítimas e a Mesa ouviu uma delegação por cada ciclo, durante os ciclos 27, 28, 29, 30 e 31 de conversações.

Entre os fatos vitimizantes representados, se ouviram depoimentos sobre deslocamento forçado, homicídio, tortura, desaparecimento forçado, sequestro, violência sexual, execuções extrajudiciais e recrutamento forçado de menores, entre outros. Todas as pessoas vítimas que visitaram Havana com o objetivo de expressar seus depoimentos, suas propostas e suas expectativas frente ao processo de paz e a implementação dos acordos ante as duas delegações na Mesa de Conversações coincidiram em ressaltar a necessidade de pôr fim ao conflito.

Adicionalmente, entre julho e agosto de 2014, se organizaram 3 fóruns regionais [em Villavicencio, Barrancabermeja e Barranquilla] e um Fórum Nacional em Cali sobre o Ponto 5. Participaram 3.162 pessoas, das quais 51,7% eram homens e 48,3% mulheres. A estes fóruns assistiram mais de 600 organizações de vítimas.

Finalmente, até o momento recebemos 24.324 contribuições de vítimas, com mais de 59.000 referências aos diferentes aspectos deste Ponto, incluídas mais de 8.600 relacionadas ao tema de "verdade".

--

Equipe ANNCOL - Brasil

anncol.br@gmail.com

http://anncol-brasil.blogspot.com

 


Author`s name
Timothy Bancroft-Hinchey