Do monopólio do povo brasileiro para o monopólio do capital financeiro

Em 30 de junho de 2021, o economista aposentado e membro da Diretoria da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET), Claudio da Costa Oliveira escreveu “A Shell poderá até vir a ocupar o espaço da Petrobrás no Brasil”, no AEPET Direto. Transcrevemos um trecho do artigo:

“No Brasil, ao que tudo indica, a Banca elegeu a Shell, no biombo da Raízen, para ocupar espaço a ser tomado da Petrobrás. Entre seus acionistas a Shell conta com destacados membros da Banca, como Franklin Templeton, J.P.Morgan, Fidelity Investments e Boston Capital. A Shell deve ter se mostrado à Banca como a mais promissora em rapidez e volume de dividendos, na exploração do butim brasileiro. Este trabalho vem sendo desenvolvido há vários anos”.

Certíssimo estava e está Claudio Oliveira. Com dados de 06/082021, listamos os dez maiores acionistas da Royal Dutch Shell, empresa fundada em Londres, em 1907, que chega ao Brasil em 1913, e tem, atualmente, sua sede em Haia (Países Baixos, antiga Holanda):

1. Fischer Asset Management;

2. Hotchkis & Wiley Capital Management;

3. Fidelity Management & Research Company;

4. Franklin Advisers;

5. Wellington Management;

6. Arrowstreet Capital;

7. Capital Research & Management;

8. Pzena Investment Management;

9. Northern Trust Investment; e

10. Millennium Management.

Porém, se algum acionista já não mais ocupa a posição de dez antes, é pela incrível mobilidade com que atuam, nas bolsas de valores e fora delas, em todo mundo, este capitais apátridas, com endereço nos paraísos fiscais.

A citada Raízen teve lançada suas ações na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) e assim foi noticiada, pelo InfoMoney, em 05/08/2021:

“A ação da Raízen (RAIZ4), joint venture entre Shell e Cosan (CSAN3), teve uma estreia volátil na Bolsa brasileira nesta quinta-feira (5). Na máxima do dia, o ativo RAIZ4 chegou a subir 2,70%, a R$ 7,60, mas o papel virou para perdas, também acompanhando o noticiário doméstico mais negativo, e fechou em baixa de 2,16%, a R$ 7,24. A companhia precificou sua oferta inicial de ações a R$ 7,40 por papel na última terça-feira, que movimentou R$ 6,9 bilhões, no maior IPO do ano na Bolsa brasileira”.

Certamente a atilado leitor deve estar cogitando: será boa aplicação comprar este papel pelos R$ 7,24? Diríamos, e as posições da Shell são um exemplo, que o risco é alto, melhor ainda, altíssimo.

Não mais está o Boston Capital na posição dos dez grandes na Shell. Porque alguma troca possibilitou um ganho maior do que os lucros que a Shell auferiria para seus investidores. Amanhã surge um negócio nas Filipinas ou em Angola que compense para Shell se desfazer por R$ 6,00 das ações da Raízen e este nosso leitor amargará o prejuízo que, no entanto, para Shell promoverá lucro ainda maior do que o monopólio brasileiro permitiria.

Este doloroso e realista exemplo é o que nos espera com a alienação de empresas e recursos naturais brasileiros para fundos de capitais apátridas, protegidos pelo anonimato e dos tributos, nos quase cem paraísos fiscais existentes no planeta, dos quais cerca de um terço com estreitas ligações com as finanças inglesas.

Algumas mudanças ocorridas neste século ainda não foram percebidas, principalmente pelos que ainda estão combatendo o comunismo, no espírito pré-1970, da guerra fria.

De início devemos distinguir quem eram os capitais que promoveram as crises do petróleo, as campanhas “ecológicas” contra a industrialização e dominaram o sistema financeiro com as desregulações dos anos 1980, começando pelo Reino Unido de Margaret Thatcher e pelos Estados Unidos da América (EUA) de Ronald Reagan.

Denominávamos banca, o sistema financeiro internacional, com aqueles “capitais tradicionais” que foram acumulados por dezenas ou centenas de anos, pela escravidão, espoliação de colônias, especulações financeiras e imobiliárias, utilizando os sistemas fundiários, mercantis e financeiros, e até mesmo com as indústrias. Sendo exemplos, os judeus venezianos, que se denominaram família Warburg germano-estadunidense, os anglo-escoceses Stuart (hoje Windsor), os Orange, dos Países Baixos, os judeus Rothschild, os holandeses-estadunidenses Vanderbilt, os franco-huguenotes estadunidenses Du Pont, os estadunidenses Rockefeller, os anglo-estadunidenses Astor, os sauditas Saud. E, igualmente, famílias mais recentes, como as estadunidenses Koch, Walton, Bush e Morgan, a italiana Agnelli, a sueca Wallenberg, os Brenninkmeijer dos Países Baixos, entre outros bilionários, sempre em dólares estadunidenses (USD).

Com as desregulações, invadiram o sistema financeiro internacional, a partir dos anos 1990, os “capitais marginais”, quais sejam, os que têm origem no tráfico de drogas, no comércio de pessoas e órgãos humanos, no contrabando de armas e produtos cuja venda é proibida ou dificultada, na prostituição e outras atividades ilegais. Na verdade, estas atividades se transformam em legais, como a venda de armas e munições, quando os capitais marginais passam a participar dos governos. Por isso preferimos a denominação “marginal”, que está à “margem da sociedade”, do que ilícito, que um governo de milicianos e traficantes pode legalizar.

No século XXI a “Banca” foi renomeada “Gestores de Ativos”, que não foi apenas nova expressão, mas a mudança de ações e estratégias.  Para “banca” o lucro máximo e monopolista já era objetivo importante, para os “gestores de ativos” a transformação da sociedade é fundamental. Não basta conquistar as finanças e a economia, é necessário alterar e controlar os Estados Nacionais e as mentes, as percepções e idealizações das pessoas.

Com participação crescente no volume de transações, os “capitais marginais” passaram a influenciar as diretrizes e estratégias do sistema. E tendo hábito de agir nas sombras, apagar seu rastro era quase intuitivo. Daí a multiplicidade de paraísos fiscais que aparecem a partir do final dos anos 1980, mesma época do Consenso de Washington e da Constituição Brasileira.

E a “questão nacional”, que fora um divisor político, desaparece da disputa, dos princípios partidários, dos discursos eleitorais. Sem a questão nacional, um paraíso fiscal passa a caber em quatro estados dos EUA, entra nas salas das melhores famílias, com a decência que não existe para os capitais das corrupções, da prostituição, de crimes de diversas naturezas.

Para crise de 2008-2010, registrada como "crise dos subprimes" estadunidenses, temos a compreensão que foi o primeiro embate que ultrapassou as fronteiras do sistema financeiro internacional, e expôs as divergências entre “tradicionais” e “marginais”. Mas não se tratava de divergência de fins, nem mesmo, acreditamos, dos meios; era a disputa sobre quem mandará, a luta pelo poder.

Os capitais tradicionais trabalharam sempre com a dívida, com imobilizações. Têm, por conseguinte, menor liquidez que os marginais, que só se aceitam pagamento à vista. Quem irá comprar droga às prestações ou armas para desconto de duplicatas em 30 ou 60 dias? Este dinheiro “cash” está permitindo grande protagonismo dos “marginais” e sua condução na estratégia de prioridades e dos ganhos.

Este domínio também pode ser avaliado pela mudança de valores, pela apatia social, pela cumplicidade com ilícitos como as votações no Brasil, os benefícios das famílias militares e as do poder judiciário sem correspondência no restante inerme da população.

Então se tem o desfocar da ação. Comunista, assim como corrupto, pelas décadas de combate pela banca e pelo capitalismo industrial ganharam instintiva rejeição da população. Ora, a corrupção é mostrada a cada dia na ação dos “gestores de ativos”. Recentemente o Congresso foi subornado para aprovar a “remuneração de todos os depósitos que durmam de um dia para outro nas instituições financeiras”. E não é só isto, que já constitui o escândalo dos bancos auferirem receitas públicas com o seu dinheiro. Quem paga este remuneração é seu imposto, pois sai do Tesouro Federal, e sob a forma de dívida, isto é, em títulos emitidos pelo Governo.

Veja, caro leitor: seu dinheiro que está depositado em conta bancária, rende um “overnight” para o banco, e irá constituir dívida para o País, consequentemente para você, aumentando o endividamento do Brasil, que justifica o aumento da taxa de juros, que você pagará também. E isto é lícito! Claro que o velhaco e sagaz capital marginal é bem capaz deste projeto; com aplauso dos “capitais tradicionais”, é óbvio. E o que você fez? Nem mesmo soube que foi um senador do Partido dos Trabalhadores (PT) o escolhido pelo capital para apresentar esta proposta.

O que pretendem então? Que você considere todos iguais, que descreia na política e não se revolte quando um roedor arrivista apunhale o probo e nacionalista Roberto Requião, fechando-lhe as portas do partido por ele fundado no governo militar, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB).

E, para convencê-lo que o errado é certo, e vice-versa, além do domínio das mídias, do convencional jornal impresso às “lives” virtuais, os capitais tradicionais e marginais têm amplo domínio das instituições internacionais de seus interesses: Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial (WB), Organização Mundial do Comércio (OMC), Organização Internacional do Trabalho (OIT) e Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Fórum Econômico Mundial entre outras.

Portanto, caro leitor, preste um pouco mais de atenção e confira seu bolso. O inimigo do povo é este capital apátrida, com endereço nos paraísos fiscais, que teve como representante no Brasil, entre outros: Gustavo Franco, Armínio Fraga, Henrique Meirelles, Antonio Palocci, Joaquim Levy e Paulo Guedes.

Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado


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Pedro Augusto Pinho