Rio Negro inicia turismo comunitário em Terras Indígenas

As Expedições Serras Guerreiras de Tapuruquara em Santa Isabel do Rio Negro, noroeste amazônico, percorreram cinco comunidades que encantaram 45 viajantes de oito estados brasileiros

Um ano para fazer história. Ou, para começar a escrever uma história que vai transformar a vida das comunidades indígenas do Médio e Alto Rio Negro, no noroeste amazônico. As Expedições Serras Guerreiras de Tapuruquara, realizadas entre outubro e o início de dezembro deste ano, geraram renda e valorizaram a cultura em cinco comunidades, impactando a vida de 495 moradores.

Tudo começou em 2012. Ali foi aprovada a Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial das Terras Indígenas (PNGATI), com o objetivo de garantir e promover as iniciativas indígenas com vistas à proteção, recuperação, conservação e ao uso sustentável dos recursos naturais dos territórios.

A partir de 2013, a Acir (Associação das Comunidades Indígenas e Ribeirinhas) iniciou a discussão do turismo em sua área de abrangência, que envolve 13 comunidades das Terras Indígenas Médio Rio Negro I e Médio Rio Negro II. Em 2015, a Funai publicou a Instrução Normativa (IN 3/2015), que regulamenta as atividades de visitação em Terras Indígenas. A partir daí, as comunidades Boa Vista, Cartucho, Uabada II, São João II e Aruti, em conjunto com a Acir e em parceria com o ISA (Instituto Socioambiental), a Foirn (Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro), a Garupa e a Funai (Fundação Nacional do Índio) organizaram assembleias e oficinas. Daí nasceu o projeto com a participação de 110 famílias e quase 500 pessoas das etnias Baré, Baniwa, Piratapuya, Desana, Tukano, Tariana, Dow e Kuyawí.

As expedições foram idealizadas e realizadas em parceria com a Garupa, e com apoio do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) e da Prefeitura Municipal de Santa Isabel do Rio Negro.

Desafios

As Serras Guerreiras de Tapuruquara (Iwitera Maramuywera Tapuruquara Suiwara, na língua Nheengatu) ficam no município de Santa Isabel do Rio Negro (antiga Tapuruquara). Os povos indígenas que habitam essa região estão ali há milhares de anos. Eles vivem suas tradições nas festas, danças, rituais, nos conhecimentos de agricultura e cultivo na floresta, na confecção de artefatos e utensílios de fibra e cerâmica e nas histórias e mitos. Tudo isso tendo como cenário a espetacular diversidade natural do Rio Negro.

Vale lembrar que os povos indígenas dessa região enfrentam problemas complexos para a gestão territorial e ambiental. São conflitos geracionais, adensamento na ocupação territorial e, muitas vezes, migração para as zonas urbanas mais próximas. Enfrentam, ainda, as pressões e ameaças externas de narcotráfico e mineração, dificilmente fiscalizadas pelas precárias estruturas do Estado. Assim, apoiar o projeto é dar suporte à iniciativa das comunidades de estruturação do turismo comunitário como um negócio socioambiental. Ou seja: geração de renda em uma atividade relacionada aos seus modos de vida, beneficiando não só as comunidades, mas famílias e a conservação do território de maneira equilibrada. Os roteiros do projeto conectam a população brasileira e mundial com os modos de vida do Rio Negro e chamam a atenção para a importância de apoiar a preservação de um patrimônio único: a Amazônia.

As viagens

Foram realizadas quatro viagens entre outubro e o início de dezembro de 2017. Cada uma contou com grupos de 10 pessoas - todas inscritas através do site serrasdetapuruquara.org -, selecionadas pela equipe da ONG Garupa depois de entrevistas individuais que levaram em conta, a contribuição que os primeiros viajantes poderiam dar para a melhor formatação dos roteiros.

Dois grupos percorreram o roteiro Iwitera (serra, na língua Nheengatu); outros dois, o roteiro Maniaka (mandioca, em Nheengatu). O primeiro roteiro tem perfil mais aventureiro e o segundo, mais cultural, mas ambos ofereceram experiências diversificadas - ou seja, aventura e cultura para todos os participantes.

Ao longo de cada viagem, cinco comunidades foram visitadas. As hospedagens, as refeições, a participação em oficinas, festas e rituais e os passeios guiados pelos próprios moradores, como trilhas, roteiros de canoa e visitas a cachoeiras, fizeram parte da vivência. Antes de deixar cada comunidade, os integrantes das expedições realizaram rodas de conversa com os moradores, para trocar impressões sobre a experiência.

Os resultados

A boa organização dos moradores nas divisões de trabalho chamou a atenção, e a imersão proposta por eles, através das atividades planejadas, deu a dimensão da diversidade local - não só de paisagens, mas também dos diferentes usos do território e da interação dos habitantes com o lugar.

A mobilização local para o turismo estimulou a discussão coletiva e incentivou a produção de artesanato. As peças foram compradas pelos participantes e, no mês seguinte às expedições, também foram vendidas em feiras na sede do município, Santa Isabel do Rio Negro.

O dinheiro do turismo chegou direto para as comunidades através da Acir. Parte da renda foi direcionada para os indígenas que trabalharam diretamente na recepção, e outra parte será usada em investimentos coletivos, decididos por cada comunidade e acompanhados pela associação.

Próximos passos

A avaliação das viagens e do plano de visitação, feita pelas equipes do ISA e da Garupa, será compartilhada com as comunidades em março de 2018, com a participação da Foirn e da Funai. Nessas reuniões estão planejadas discussões sobre ajustes nos roteiros, melhorias em relação à infraestrutura e comercialização de artesanato e outros produtos, além da definição do calendário do próximo ano - a ideia é que as futuras expedições sejam realizadas no segundo semestre, entre setembro e dezembro.

Os números das expedições

180 pessoas pré-inscritas de 17 estados brasileiros e 3 países
4 viagens realizadas
45 viajantes de 8 estados brasileiros
5 comunidades visitadas no Alto e Médio Rio Negro
495 pessoas impactadas, de 8 etnias
R$ 37.800 de renda gerada para as comunidades
R$ 12 mil foi a renda extra obtida com a venda de artesanato
50% da renda obtida pelas comunidades foram investidos coletivamente, para melhoria da infraestrutura
Das pessoas envolvidas com turismo nas comunidades, 41% eram mulheres
135 pessoas na lista de espera para as viagens de 2018

Equipes ISA e Garupa

Foto: Marcelo Monzillo ISA

 

ISA

 


Author`s name
Timothy Bancroft-Hinchey