Desembargador dez anos processado declarado inocente

Desembargador que ficou dez anos processado, injustamente, é declarado inocente

Por ANTONIO CARLOS LACERDA
PRAVDA.RU
 
BRASILIA/BRASIL - No Brasil, por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal (STF) decretou o trancamento da ação penal 425, do Superior Tribunal de Justiça, que acusava o desembargador federal Antonio Ivan Athiê, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região TRF-2 (Rio de Janeiro e Espirito Santo), de suposta prática de formação de quadrilha e estelionato (artigos 288 e 171 do Código Penal), quando juiz federal no Espírito Santo.

Trancar um ação penal quer dizer que o acusado é inocente por não existir sequer uma mínima prova capaz de incriminá-lo.

O trancamento da ação penal 425 foi baseado no reconhecimento da atipicidade da conduta imputada ao desembargador Ivan Athiê, depois de dez anos de investigação, com duas quebras dos seus sigilos bancário, fiscal e telefônico.

Ao recomendar o arquivamento, o Ministério Público Federal (MPF) apontou que não foram encontradas provas que incriminassem o desembargador.
 
Atualmente, Ivan Athiê é desembargador do TRF-2, com sede na cidade do Rio de Janeiro. Antes de ser promovido a desembargador, Ivan Athiê foi advogado no Estado de São Paulo, promotor e procurador federal em Rondônia e juiz federal em Rondônia e no Espírito Santo. Nas localidades por onde passou, exercendo a função de advogado, promotor e procurador de justiça e juiz federal, Ivan Athiê deixou uma legião de amigos.

No Espirito Santo, por exemplo, José Dório Machado, que é aposentado como agente de segurança judiciária da Justiça Federal, e chegou a trabalhar com o então juiz federal Ivan Athiê, ficou emocionado ao receber a notícia do trancamento da ação penal 425. Dório disse que o desembargador Ivan foi um dos mais humanos e justos juízes que a Justiça Federal já teve no Espírito Santo.

"Nesse momento de alegria e aclamação da justa justiça, por estar distante, só lamento uma coisa: não poder dar um forte abraço no Doutor Ivan, pela vitória alcançada, que não é somente dele, nem da família dele, é de todos nós, cidadãos capixabas", disse, emocionado, José Dório Machado.

Também em Vitória, o ex-vice-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional do Espírito Santo (OAB-ES), criminalista José Carlos Nascif Amm, recebeu com euforia a notícia do trancamento da ação penal 425.

"O meu ilustre amigo desembargador Ivan Athiê é uma das mais honradas e respeitáveis figuras da magistratura brasileira. Certamente, viveu com familiares e amigos tristes momentos ao longo desses dez anos de uma verdadeira odisseia travada contra as injustiças praticadas contra ele. Tenho o dever de afirmar que o desembargador Ivan Athiê sempre atendeu os advogados com profundo respeito e admirável humildade, jamais cerceando o amplo direito de defesa. Me uno aos seus familiares e amigos para festejar com eles essa vitória que, lamentavelmente, veio tarde demais", afirmou José Carlos Nascif Amm.

Abaixo, na íntegra, a entrevista do desembargador federal brasileiro Antonio Ivan Athiê ao Correspondente Internacional do PRAVDA.RU, jornalista Antonio Carlos Lacerda.

Como Vossa Excelência recebeu a notícia do trancamento da ação penal 425, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que o acusava de suposta prática de formação de quadrilha e estelionato?

Desembargador Ivan Athiê:- Bem, sempre estiveram comigo, desde o primeiro momento, o fantástico Dr. Técio Lins e Silva, e incrível equipe. Não há como não confiar na Justiça, com essa companhia, mesmo sabendo que não há setor imune a indevidas interferências. Sabia que o resultado, normalmente, seria esse mesmo. E porque sabia que a quadrilha formada para desmoralizar o Judiciário, via acusações a juízes, já estava agonizando, eis que amorais mais cedo ou mais tarde traem os próprios comparsas, e é está a razão de o bem sempre triunfar. Assim, o anormal seria resultado diferente, na quadra atual. Bem, recebi a notícia via SMS, no segundo seguinte ao final do julgamento. Fiquei feliz, claro.

Como foi viver e conviver com colegas, amigos e o público em geral esses dez anos, carregando nas costas, uma acusação que agora caiu por terra, por total falta de fundamentos e provas, sendo sepultada pelo Supremo Tribunal Federal?

Desembargador Ivan Athiê:- É desagradável, sem dúvida. Toda situação sempre ensina alguma coisa. Aprendi muito, sem dúvida. Hoje conheço melhor os colegas, e os amigos, poucos de antes, muitos de depois. Quando se tem a certeza da inocência, e - o muito importante - uma família sadia, suporta-se tudo. Agora, provas existem, e fartas, de quem é o responsável pelos atos que me atribuíram, e foram, por longo tempo, olimpicamente desconsideradas. E isto é que era surreal: quem teria de demonstrar sabedoria e conhecimento, além de um pouco de coragem, apequenou-se diante de mim, mesmo tendo de parecer gigante. Hoje, esses seres são, para mim que já os conheço bem, meus devedores. De dívida que jamais poderão quitar. E sabem disso, tendo de aceitar humilhante perdão que publicamente sempre lhes dedico, quando presente ocasião.

Vossa Excelência pretende processar a autoridade (pessoa física) ou a União para reparação do dano causado a si próprio, a sua família?

Desembargador Ivan Athiê:- Não vou processar ninguém. Aprendi também que juiz não vocacionado, e há em número surpreendente, não gosta de juiz, e sempre julga contra o "colega". Além disso, não guardo mágoa alguma. Tive uma experiência negativa com um juiz aqui do Rio, e percebi que nem tendo razão vale a pena aborrecer-se com uma ação.

O ministro Gilmar Mendes, quando presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, ao visitar presídios do Estado do Espírito Santo, considerados mundialmente como 'masmorras medievais', onde mais de 20% dos presidiários eram inocentes, e viviam como animais enjaulados ferozes, afirmou ser "imensurável um dia de liberdade do ser humano". Por conta do encarceramento de milhares de inocentes nos presídios brasileiros, já se fala em criar dispositivo de lei que penaliza severamente o agente público (policia, ministério público e judiciário) que incriminar alguém sem provas, levando-a à prisão. Pergunta-se, então: Vossa Excelência é a favor da punição, além do estado ou da união, do agente público que incriminar um inocente baseado em supostos indícios?

Desembargador Ivan Athiê:- Iniciei minha vida profissional como advogado, no interior de São Paulo, Piracicaba precisamente. Atuei em todas as áreas do Direito, principalmente na criminal, por cerca de dez anos. Em 1981 fiz meu primeiro concurso, para Procurador da República, e passei, assumi em 1982, e em Brasília exerci a função, até 1984, quando assumi a Magistratura Federal, que foi o segundo e último concurso que prestei. Cadeia não recupera ninguém. Ao contrário. Em certos casos, todavia, é a solução que resta, para evitar mal maior. Ficar preso um dia que seja, além do devido, configura infração, talvez até crime, de quem não libertou quem não mais poderia ficar na cadeia. Bem, respondendo objetivamente a pergunta, sou totalmente a favor sim, de punição a quem incrimine sem provas. Isso é abuso de direito, não raro também covardia institucional. Acho que haveria menos injustiças relativas à prisão, se todo acusador profissional (Ministério Público), como já dizia o Prof. Roberto Lira (e ele o era), antes de assumir a função ficasse pelo menos um dia preso. Acrescento, a mesma regra deveria ser também aplicada ao juiz criminal.
 
ANTONIO CARLOS LACERDA é Correspondente Internacional do PRAVDA.RU


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Timothy Bancroft-Hinchey