Brasil: A última gota que fez transbordar a paciência de um povo santo

A lição do Brasil é fácil de entender e envia uma mensagem cristalina para todos os governadores e governos por todo o mundo: quando as pessoas saem às ruas, quando o povo se une, as posições, luxos e privilégios dos políticos são colocados em questão. As últimas semanas no Brasil mostram um cartão vermelho para a corrupção.

Para começar, as grandes manifestações que varrem todo o Brasil não colocam em questão a presidente Dilma Roussef, que ganharia uma eleição amanhã se houvesse. Eles são, no entanto, contra as sanguessugas que gravitam em torno de seu partido político, o Partido dos Trabalhadores (PT), em especial, contra os políticos de outros partidos, em geral e contra o pesadelo que é a vida de muitos brasileiros.

Nem são as manifestações só contra os aumentos nas tarifas de transporte público, embora esta foi a última gota que fez um povo com a paciência de um santo explodir em fúria nas ruas. A distância entre o povo e os ricos e poderosos no Brasil, personificados pela classe política dominante, é enorme e crescente, e enquanto o PT tem elevado milhões de pessoas pobres para a classe média baixa, também empobreceu a classe média com a carga de tributação e a obrigação de pagar por serviços particulares porque os públicos em diversas áreas continuam a ser uma desgraça.

O resultado é que a maioria das pessoas se sentem insatisfeitas com a maneira em que o país é governado, o resultado são os preços crescentes, serviços públicos ruins que forçam as pessoas a gastar o pouco que têm em planos de saúde privados e escolas privadas, enquanto ao mesmo tempo são galopantes os casos escandalosos de corrupção, que, em regra, ficam impunes. Em fim, faz com que as pessoas sintam que seus líderes estão gozando com eles.

Adicionemos a esta equação o fato que as ruas e parques e espaços públicos do Brasil não pertencem ao cidadão comum - pertencem, sim, a viciados em drogas (a sensação de insegurança no Brasil é tangível, pois as pessoas estão com medo de se aventurar fora dos seus condomínios com muralhas altas, eletrificadas, com medo de serem assaltadas) e agora temos os elementos da equação que explicam as manifestações, o resultado de tanta injustiça.

O resultado das manifestações massivas, trazendo mais de um milhão de pessoas às ruas em oitenta cidades em todo o Brasil, enorme e extremamente diversificado, foi uma vitória no curto prazo - o aumento nas tarifas de transporte de 3,00 para 3,20 reais (1,32 USD para 1,41 USD) foi revogado na maioria dos municípios, e a presidente Dilma prometeu investir a renda do petróleo na educação. No entanto, ainda há muito mais a fazer.

Os serviços públicos, regra geral, são ineficientes - o visitante ao Brasil entende isso logo na chegada, onde é preciso esperar literalmente horas, às vezes, para passar o controle de passaportes, ocupado por funcionários oficiosos entretidíssimos num jogo infantil de poder. Com tantos recursos a produzirem bilhões de dólares em receita, por quê o sistema de ensino primário e secundário é tão pobre que as famílias têm de mandar seus filhos para escolas particulares para que eles tenham alguma chance de entrarem em uma universidade pública (ao contrário, de um padrão muito mais elevado), isso significando também que as crianças de famílias com menos recursos têm menos chances do que aquelas que têm? Por quê não há mais lugares para os estudantes universitários?

Com tanto dinheiro proveniente de uma enorme riqueza de matérias-primas e recursos naturais no Brasil, por quê é o sistema de saúde pública é em muitos casos uma desgraça, obrigando as pessoas a pagarem planos de saúde privados? Porquê é que o policiamento é tão ineficiente que os criminosos dominam as ruas e o cidadão comum está escondido atrás de arame farpado, como se estivesse vivendo em uma prisão?

E por quê, se há 28 bilhões de Reais (12.3 biliões de USD - doze bilhões, trezentos milhões de dólares) para os estádios de futebol para sediar a Copa do Mundo de 2014 (e mais bilhões para os Jogos Olímpicos em 2016), é a carga tributária tão alta, por quê não há dinheiro para financiar estes serviços e por quê continua a corrupção desenfreada impune?

É verdade que as coisas são muito melhores do que há uma década, quando o PT assumiu o governo depois do PSDB de Fernando Henrique Cardoso, mas até aqueles que governam o Brasil saiam de seus castelos fortificados, saiam para a rua (se ousarem) e ouçam as pessoas, até que assumam a luta contra os barões da droga que comercializam a felicidade das pessoas, até que limpem as ruas da sujeira "humana" (?) que ganha a vida roubando o dinheiro que o povo ganhou com tanto esforço para alimentar de forma tão egoísta seus hábitos repugnantes, até que abordem as questões levantadas acima, os brasileiros continuarão a tomar as ruas, se Deus quiser.

A frase "Deus criou o Brasil" faz todo o sentido para quem conhece este país maravilhoso, um paraíso de primeira categoria com um povo de primeira categoria, com riquezas sem igual mas com uma classe política (há excepções, claro) de quinta categoria, que nem servem para lamber as botas do povo brasileiro.

 

Timothy Bancroft-Hinchey

Pravda.Ru

Diretor e chefe de redação da versão potuguesa

 

 


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Timothy Bancroft-Hinchey