Fornicação macunaímica

Nunca antes na história deste país a fornicação com o dinheiro público esteve tão em alta, em larga escala modista. O rapapé dos pagadores de impostos permite tal excrescência. País sem tradição de seriedade, caráter e dignidade, o Brasil chegou ao século XXI com a mesma envergadura macunaímica, "herói da nossa gente, filho do medo da noite", como escreveu o célebre Mário de Andrade em 1928. Vamos carnavalizar nossas mazelas! Vamos futebolizar nossas tragédias! Vamos romancear nossas inquietudes com a nação em frangalhos!

HELDER CALDEIRA*

Na contemporaneidade tupiniquim, o "Ai, que preguiça!" de Macunaíma se confunde com o "Ai, que loucura!" da Narcisa, quase construindo um samba-canção a entoar a farra pornográfica dos desqualificados que assumiram o poder há mais de uma década. Para mascarar (um pouquinho!) a fedentina de zurrapa que exala da Praça dos Três Poderes, os nobres-vagabundos batem palmas para qualquer lunático que se sirva da fé para justificar palavrórios preconceituosos e desvie a atenção da plateia-imbecil, como se difícil fosse, para outras direções.

Enquanto isso, a baderna continua... Os cupins travestidos em ternos e gravatas seguem saqueando o Estado, amparados pela ineficácia da legislação e pela mansidão da população. Os miseráveis do Brasil são roubados diuturnamente e acham que é normal. E veja bem: não há sectarismo nesta asserção. Vivemos num país de mentira(s). Somos todos passivos hipócritas! Somos todos miseráveis!

Observemos a fuzarca... O governo federal consome bilhões de Reais para, supostamente, construir uma ferrovia que possa escoar a produção brasileira e, 26 anos depois, a obra continua gerando custos milionários e ainda não está pronta. O trecho executado está cheio de erros de cálculo e falhas de projeto. Ainda que sejamos extraordinários produtores de aço, o governo foi comprar o metal na China, mais barato e com qualidade inferior. Mas o dinheiro público continua sumindo nos trilhos. E o povão, sem trem, aplaude!

O governo gasta rios de dinheiro para, supostamente, tentar executar a transposição do São Francisco e, uma década depois, os cofres públicos continuam jorrando sem cessar, ainda que as obras estejam quase integralmente paradas ou abandonadas. O sertanejo famélico vai continuar com sede por longos anos, à espera dos prometidos fios d'água do Velho Chico. Nos escurinhos de Brasília, os larápios palacianos dão gargalhadas, em deboche da cara crédula da nova geração de Macunaímas. E o povão, sem água, aplaude!

 

O governo promete construir milhões de casas populares e investe centenas de bilhões de Reais num lodaçal sombrio e descontrolado, alheio às ineficientes instâncias oficias de fiscalização e controle. O resultado está dentro do "Nível Brasil": quem realmente precisa continua sem habitação; a indústria da propaganda eleitoral segue alardeando o sucesso do programa; e os empreiteiros espertinhos conseguem levantar grana pública e licitações depois de uma noite de sexo com alguém dos ministérios ou de participar de orgias malocadas nas mansões de Brasília. E o povão, sem-teto, aplaude!

 

Nosso adorável governo já enterrou quase R$ 1 trilhão para bancar a realização da Copa do Mundo 2014 em solo brasileiro. Sem que as obras estejam prontas (muitas nunca ficarão, porque o dinheiro foi desviado!), já está aberta a pré-venda dos ingressos para os jogos. Mesmo que nossos suados impostos tenham sido consumidos (indiferentes à precariedade da educação, saúde, saneamento e afins), o brasileiro terá que desembolsar entre R$ 1 mil e R$ 9 mil se quiser ir aos estádios. Para assistir aos jogos da Seleção Brasileira na 1ª Fase, paga-se a bagatela de R$ 5 mil. E o povão, paupérrimo, aplaude!

 

Seria ótimo ter mais espaço para poder dizer que Renan, outrora demonizado, vai indicar dois ministros para o Tribunal de Contas da União; que Lula da Silva vai virar colunista do The New York Times; que o julgamento do Mensalão pode ir por água abaixo e ninguém amargar o xilindró; e tantas outras esculhambações. Mas as mãos do povão, "Ai, que preguiça!", podem ficar vermelhas e cansadas. No melhor da expressão popular, o Brasil está "funicado"... e fanicado! Tornamo-nos um gigante país da fornicação macunaímica.

 

P.S.: Quem não entendeu, não precisa aplaudir.

 

 

 


Author`s name
Timothy Bancroft-Hinchey