Capitalismo e o espírito naif para a construção do futuro

A - A estrutura e a atuação do capital

O capitalismo aprecia lucros, acima de tudo; e para os garantir atende a todos os meios de os conseguir, avaliando os custos que tem de incorrer para o efeito, procedendo tecnicamente ao que se chama análise custo-benefício.

Essa análise cinge-se a uma abordagem meramente técnica e contabilística, no caso de pequenos negócios. Isso já não acontece quando se trata de grandes negócios, envolvendo vultuosos meios financeiros, humanos e de capital; aí, além daquelas abordagens, triviais, são enquadradas as variáveis envolventes, como as económicas, as sociais, as políticas, as ideológicas e, mais recentemente, as ecológicas.

  

Vejamos de seguida, um ensaio de definição da organização global do capitalismo

  

1 - Objetivo essencial do capitalismo - A acumulação de capital

2 - Principais instrumentos da acumulação capitalista

  

3 - Efeitos colaterais do modelo de acumulação de capital

  1. Desenvolve-se uma luta acerba - comercial, política, militar - entre empresas e Estados, pelos recursos materiais do planeta, como pelo controlo dos ditos mercados consumidores;
  2. Face aos danos ambientais motivados pela competição inerente aos grupos capitalistas e aos seus Estados, revelam-se duas atitudes por parte de capitalistas e das classes políticas - a da gestão mercantil desses danos, como mais uma oportunidade de negócio ou, a da sua efetiva desvalorização enquanto problema, como se observa pelas considerações de Trump e Bolsonaro;
  3. Na ausência de uma narrativa política globalizante e suficientemente consensual de superação do capitalismo, tornam-se dominantes fórmulas tecnocráticas ou politicamente inócuas de encarar os problemas sociais, políticos, económicos ou ambientais; e, recentemente têm surgido narrativas fascizantes recolhidas no sótão de avós pouco recomendáveis;
  4. O aumento da parcela dos rendimentos nacionais embolsados pelos ricos - bem como da riqueza na sua posse - empurra as populações para dificuldades económicas que geram estagnação ou redução dos seus padrões de vida que, contudo, não têm sido origem de levantamentos populares; Perante a crise sistémica de baixas taxas de reprodução do capital é mobilizado o Estado para desempenhar um papel supletivo ou preventivo dos efeitos da desestruturação económica, social e ambiental, causados pela acumulação capitalista. Esse papel consubstancia-se ainda no apoio a grupos capitalistas, mormente bancos ou, no apoio a desempregados para que se lancem na aventura do empresariato em nome individual, que na grande maioria dos casos termina em falência, endividamento e frustração;
  5. O papel da propaganda promovida pelas classes políticas tem-se acentuado para gerar a mansidão da multidão - com a criteriosa utilização de instrumentos vários, como a manipulação, a ameaça e a repressão. A ideia de que os modelos em vigor - económico e político - são os melhores e os mais eficientes de todos - there is no alternative - vai vingando, ao contrário de outras épocas, dada a ausência de uma esquerda anticapitalista com notoriedade e alheia aos novelos que embrulham e indiferenciam as classes políticas;
  6. O magno objetivo da acumulação vem conduzindo ao afogamento da Humanidade em dívida[1] - pública ou privada - com regulares crises financeiras que a inércia dos povos permite sejam temporariamente superadas. A dívida, em geral, serve para antecipar consumos e, sobretudo, capturar os devedores; desse ponto de vista não é pagável, haja ou não pífias reestruturações. Por outro lado, as cascatas de títulos de dívida que alimentam a especulação financeira servem para esse efeito e não para serem liquidadas; até porque o devedor inicial, o real, rapidamente fica desconhecido após sucessivas titularizações;
  7. Parte das inovações tecnológicas visam o controlo social através da vacuidade e da manipulação - redes sociais, media, a focagem de tempo e atenção em smartphones - para além de gerar negócios impulsionadores de rápidas formas acumulação de capital; um controlo social muito mais intenso e eficaz do que no tempo em que a imprensa era dominante;
  8. A crescente parcela da acumulação de capital que provém dos delírios financeiros, associada aos avanços atuais e futuros na gestão da informação ou na robotização, colocam às altas esferas do capital - e os seus think tanks - a questão, a médio prazo, de uma redução drástica dos efetivos humanos.

  

B - A insuficiência de qualquer abordagem parcelar do capitalismo

  

Como sistema, global e integrado, o capitalismo, pode ser observado de vários ângulos - económico, social, político, tecnológico e ambiental, entre outros; e, devido a essas caraterísticas, qualquer medida ou acontecimento setorial, de per si, interage com outros sectores, melhorando o desempenho nuns mas afetando negativamente outros. A II Guerra, provocou enorme destruição material e humana mas, daí resultaram alterações profundas, no ordenamento global a nível tecnológico, económico, social e político. Os celebrados 30 gloriosos anos conduziram, na Europa, à instauração do modelo social europeu que depois foi adulterado e extinto pelo neoliberalismo, o qual, por sua vez, gerou novos paradigmas na área laboral. O desmoronar da URSS e do seu capitalismo de estado facilitou a integração da Europa de Leste na UE e empurrou a Rússia para alianças estratégicas baseadas na Ásia... Contudo, globalmente, pode dizer-se que houve apenas reajustamentos no âmbito do modo de produção capitalista. 

  

Outro caso de reajustamento, obviamente menos profundo e mais estrito, é o da proibição dos clorofluorcarbonetos (CFC) e dos halons em 1987, que contribuiu para a redução do buraco do ozono, embora o acordo para essa supressão tenha sido facilitado porque a sua produção estava centrada uma grande empresa, a DuPont; ... e ainda porque logo se encontraram sucedâneos, não havendo danos para o sistema capitalista. Aliás, curiosamente, o CO2 ajuda a aumentar o ozono na estratosfera ao contrário do metano, num efeito líquido que estará em estudo.

  

Enquanto os grupos de contestação - ainda que com méritos técnicos e políticos em questões circunscritas - se cingirem a abordagem parcelares e sem um perfil estratégico, o capitalismo saberá proceder à gestão das concessões, cooptações e repressões, necessárias e convenientes para a sua continuidade; sobretudo, porque dispõe de vários organismos, think tanks e consultores com meios poderosos, de caráter técnico, financeiro e de conhecimentos, capazes de proceder a sínteses, estratégias políticas, táticas, de âmbito geográfico e social, mais específico ou alargado, mais verídico ou mais falsificado[2]

  

Quanto mais circunscrita - no espaço e no âmbito - for a contestação, mais facilitada será a repressão e mais difícil será a congregação de apoios populares face às atitudes do poder. Se os grupos de contestação, cada qual com uma base circunscrita de atuação - aspetos ambientais, sociais, políticos, económicos... - se concertarem ou federarem os seus objetivos contra o capitalismo como elemento bloqueador do bem-estar dos povos, a sua atuação ganhará força, consistência, recursos, visibilidade e abrangência no combate. Por outro lado, essa integração, pela troca de ideias e pela interação entre os vários grupos temáticos, contribuirá para uma maior maturidade na consciência da necessária supressão do capitalismo. 

  

O fracasso da luta anticapitalista - mesmo nas suas distintas áreas - está garantido enquanto não tiver por detrás a força vital e a vontade expressa e militante da multidão de seres humanos, despidos de complexos nacionalistas, étnicos ou religiosos; ou ainda, se incorporarem instituições verticalizadas e autoritárias, como são os Estados ou os partidos políticos que, aliás, estão ficando desacreditados, como se tem observado em França na revolta dos Coletes Amarelos. Os Estados nasceram, no dealbar do capitalismo, para dar coesão aos estados-nação, como coutadas de restritos grupos de capitalistas, procurando vincar no "seu" povo, através da escola e do serviço militar, a diferença e o antagonismo face aos outros povos; fazendo esquecer que dos dois lados de uma fronteira há apenas seres humanos com os mesmos propósitos essenciais de vida. 

  

Assim, os estados-nação com os seus instrumentos de repressão e saque da multidão estão sendo, na sua maioria, subalternizados pela globalização daí surgindo duas tendências. Uma cosmopolita, inclusiva, de cruzamento de corpos e culturas, de construção do comum; e outra, temerosa do futuro e que se refugia por detrás da xenofobia, da fronteira e do antagonismo face ao Outro, sempre visto como ameaça, esperando recriar o paraíso dentro da narrativa oitocentista de "a cada povo uma nação".  

  

Assim, na luta global e em todas as frentes nas quais o capitalismo exerce o seu domínio ou influência, a supressão daquele deverá exercer-se a partir de enxames de redes rizomáticas, com decisão democrática, horizontal, tomada por todos, uma vez que a existência de hierarquias e dos privilégios facilita casos de traições, de cooptações ou conluiosvindas de instituições que servem o capital - mormente as classes políticas.

  

Este e outros textos em: 

  

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[1]  Como o sistema financeiro captura a Humanidade através da dívida

http://grazia-tanta.blogspot.pt/2016/12/como-o-sistema-financeiro-captura.html

  

http://grazia-tanta.blogspot.pt/2017/01/como-o-sistema-financeiro-captura.html

  

http://grazia-tanta.blogspot.pt/2017/01/como-o-sistema-financeiro-captura_14.html

Reestruturar a dívida pública nada resolve na nossa vida

http://grazia-tanta.blogspot.pt/2016/11/reestruturar-divida-publica-nada.html  

  

[2]  Como exemplo das típicas manipulações produzidas por consultores, recorde-se, nos anos 90, que a EDP pretendia construir uma barragem no rio Coa mas, a descoberta de pinturas rupestres veio levantar obstáculos ao empreendimento. Expedita, a gestão da EDP recorreu a um "reputado especialista" que negou valor histórico aos achados, que seriam obra de pastores do século... XIX. Descobriu-se que o especialista era um burlão e, com a mudança de governo, a construção da barragem foi abandonada.

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Author`s name
Timothy Bancroft-Hinchey