Varoufakis fez o que tinha de ser feito

Yanis Varoufakis é hoje homem de bem poucos amigos nos círculos oficiais. O sempre incisivo ex-ministro das Finanças da Grécia há muito tempo vem sendo furiosamente criticado por seus hoje ex-contrapartes na Eurozona cujas mediocridades Varoufakis impressionou negativamente. Depois que foi demitido por seu primeiro-ministro Alexis Tsipras, e criticou a capitulação da Grécia às demandas iníquas da Alemanha, até seus ex-colegas do Syriza já estão perdendo a paciência com ele. Varoufakis está-se convertendo em encarnação do mal, por ter concebido um ousado plano de fuga, para o caso de os credores europeus fecharem o sistema bancário grego e cortarem todos os laços econômicos internacionais do país - o que realmente fizeram.

Por mais que, com certeza, o plano de Varoufakis, de cria umsistema paralelo de pagamentos baseado no registro de arrecadação do país tenha sido bem pouco ortodoxo, é movimento perfeitamente compreensível. Até recentes revelações, Varoufakis era criticado por ter-se levantado contra os credores na Eurozona sem ter um Plano B para o caso de as negociações falharem. Como mais de um especialista e comentarista, inclusive eu, aconselhamos, o governo grego precisava preparar-se para uma moeda paralela que garantisse liquidez à economia, para o caso de as autoridades da Eurozona fecharem as torneiras. Assim poderia ameaçar não pagar, e ameaça crível, sem se separar da Eurozona - e, como se esperava, convencer os credores a oferecer algum alívio na dívida, do qual a deprimida economia grega desesperadamente precisava para se recuperar.

Havia um Plano B

Mas agora, quando afinal se sabe que, sim, havia um Plano B, Varoufakis está sendo atacada também por ter plano. Uns criticam a temeridade e o 'jogo duplo' que haveria em preparar o país para uma moeda paralela, que poderia vir a ser uma nova dracma dracma, dado o compromisso do governo para permanecer no euro. Mas essa crítica é mal-intencionada. Governos devem preparar-se e preparam-se para as mais variadas probabilidades de novos eventos. O Banco da Inglaterra faz muito bem ao preparar-se para a possibilidade de uma Brexit, que pode acontecer mesmo no caso de não ser política de governo. Deve-se esperar que Whitehall tenha planos para enfrentar um inverno nuclear e qualquer tipo de epidemia catastrófica. Varoufakis fez muito bem ao preparar seu ministério para enfrentar resultado que não era apenas possível, mas bem provável.

Outros objetam que o plano nunca funcionaria. E por que não funcionaria? Em princípio, a ideia de criar sistema paralelo de pagamentos envolvendo os valores de impostos a pagar dos cidadãos é engenhosa. Dado que o valor da moeda paralela derivaria do fato de o governo grego aceitá-la como pagamento de impostos devidos, atuais e futuros, o plano faz perfeito sentido. Se se sabe que imprimir e distribuir notas de dinheiro é processo lento e complexo, começar por um sistema integralmente eletrônico também faz sentido.

Talvez a maior objeção é a que insiste em que o sistema de arrecadação do Estado grego teria sido hackeado, o que seria ilegal. Não sou especialista em legislação grega - e duvido que a maioria dos críticos e comentaristas desse assunto, hoje, o sejam. Mas se Tsipras decidiu que o plano podia prosseguir, ele com certeza obteria a aprovação do Parlamento, especialmente depois do resultado "Não", no referendum grego. Tsipras também poderia invocar caso de "força maior" para autorizar o hacking, supondo que tenha acontecido. Afinal de contas, é difícil imaginar emergência maior e mais grave do que estar diante de credores que ameaçam explodir todo o sistema bancário da Grécia e, com os bancos, também as poupanças dos gregos e o capital de giro dos pequenos negócios.

O que os  críticos realmente não aceitam é que esse esquema tenha sido planejado em segredo. Mas... Ora! Tempos desesperados exigem medidas desesperadas.

Há cem anos, o império britânico administrava o serviço de arrecadação na China, recolhendo impostos que ajudaram a pagar dívidas externas do país. Esse arranjo de exploração quase-colonial, que só teve fim em 1949, com a Revolução Chinesa de Mao Tse Tung, é fonte de ressentimentos até hoje.

A Grécia está em situação semelhante. O Secretariado Geral de Rendas Públicas, dentro do Ministério das Finanças é "totalmente e diretamente controlado pela troika" - as instituições que representam os credores -, segundo Varoufakis. Como no caso da China, a justificativa oficial é que estrangeiros podem promover arrecadação mais eficiente de impostos e taxas. Mas, mais importante que isso, esse arranjo garante às autoridades da Eurozona total controle sobre importantes aspectos do sistema tributário grego - e, assim, sobre todo o destino econômico do país.

Nessas circunstâncias, é compreensível que Varoufakis, com a aprovação ostensiva de Tsipras, tenha mantido seu plano sob sigilo, e tenha optado por alguns atalhos, onde fossem indispensáveis. Hackear o sistema de arrecadação, por menos recomendável que seja, é reação proporcional e justificável. Varoufakis estava onde estava por desejo manifesto dos eleitores. Ninguém poderá jamais dizer que planejava uma revolução.****

1/8/2015, Philippe Legrain, The Guardian, in Yanis Varoufakis Blog

 


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Timothy Bancroft-Hinchey