A base da democracia é a liberdade, o livre arbítrio. Sem este fator o próprio conceito de democracia desmorona, perde seu alicerce, perde seu sentido. Como então determinar a obrigatoriedade do voto, expressão máxima do exercício da tão almejada democracia?
O sufrágio universal é uma conquista inquestionável. Se formos analisar nosso passado, em que o voto era censitário, ou mais ainda, quando o voto era reservado somente aos homens , não temos como negar que evoluímos em direção à igualdade e ao Estado Democratico de Direito. Contudo, o direito ao voto não pode ser imposto. Não podemos confundir um direito com um dever. O sufrágio, que em sua essência é o direito politico de um cidadão, não se confunde com o voto, que é o exercício desse direito. Pois bem, como pode um direito ser obrigatório? Trata-se de um contrasenso.
Se assim fosse, seríamos obrigados a casar, a testar, a dirigir, etc. Para que a democracia indireta obtenha um resultado prático efetivo, não podemos obrigar ninguém a votar, principalmente o cidadão sem instrução, e por isso mesmo, desinteressado. Essa assertiva nos remete a outro equívoco corriqueiro: a confusão entre instrução e alfabetização. Por óbvio são coisas diversas. Instrução, informação, conhecimento não são sinônimos de alfabetização que representa o mínimo da educação.
A educação traduzida em conhecimento traz ao homem a grandiosidade da liberdade intelectual. Não que o analfabeto, ou o cidadão de classe humilde não tenha, em tese, esta liberdade. A liberdade intelectual permite ter uma atitude crítica contrária à atitude subserviente própria da natureza humana. O homem sem instrução, sem conhecimento, é como o músico que nunca teve contato com uma partitura : se alguns despontam como geniais, estes são exceção.
Há, sem sombra de dúvida, uma relação complexa que a democracia e a liberdade mantêm com a filosofia e o conhecimento. Manter a imposição do voto concomitante à falta de educação e conhecimento do povo em geral é como aniquilar uma democracia genuina e profunda.
A grande maioria da população brasileira não tem condição intelectual de votar, e mais, algumas pesquisas já demonstram que esta enorme parcela de cidadãos só vota por ser obrigada. Ao passo que os cidadãos que já detém mais informação e, exatamente por esa razão, têm maiores chances de se interessar por política, economia e governo, demonstram que a facultatividade do voto não mudaria sua postura, ou seja, 90% continuariam votando.
Outrossim há o argumento de que o voto obrigatório é cláusula pétrea e, como tal, imutável. Há que se fazer um pequeno acerto de conceitos : imutável é o sufrágio universal, exercido através do voto direto e secreto, previsto no art 14 da Constituição Federal, e não a obrigatoriedade do voto.
Em países em que o voto é facultativo há uma verdadeira expressão da soberania popular, raiz indiscutível da democracia, onde observa-se real participação política dos votantes. Estes se expressam através de movimentos politicos efetivos, com manifestações populares de peso,o que nos leva a crer que os que votam realmente sabem o que estão fazendo. Ao contrário, o que se verifica em nosso país é que o dia de votação é um estorvo para a grande maioria da população que exerce um direitoimposto pela lei sem a mais pálida ideia da dimensão de seu ato.
Porque não trazemos estas sanções eleitorais, que recaem sobre os cidadãos que não votam, para a Administração Pública que não cumpre com suas obrigações quanto a aplicação de recursos na educação e saúde? Se a democracia em nosso país é indireta seria lógico que as sanções sobre os administradores legitimamente eleitos sejam maiores, e principalmente mais efetivas, do que as sanções eleitorais individuais impostas a cada cidadão que descumpre seu direitode votar.
A título ilustrativo, nos Estados Unidos, ao longo da história dos direitos politicos de seus cidadãos, houve época em que os analfabetos eram impedidos de votar. Isto se dava como forma de impedir que os negros votassem, pois estes eram marginalizados ao extremo. Uma das causas e consequências dessa exclusão era a falta de instrução.
A contrário senso, impor ao alfabetizado, porém completamente excluído de conhecimento, a obrigatoriedade de votar também soa como forma de manipulação de resultados, afinal, o desinformado vota baseado nas mais exdrúxulas das razões, menos naquela que a Constituição prevê, qual seja, a eleição de um representante de suas convicções políticas.
Lydia Alves
advogada e pós - graduanda em Direito Público e Privado da Universidade Estácio de Sá
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