Cipriano Atroz, o Bruxo Capa Preta
"Psicografado" por Fernando Soares Campos(*)
Ditado pelo espírito Cipriano Atroz(**).
Eu, Cipriano Atroz, servo do Deus destronado, fiel aos seus princípios, a quem amo de todo o meu coração, garanto que me pesa por vos amar vivendo num mundo de alienação, onde duas barras de ouro na mão valem mais do que um pássaro voando.
Porém reconheço que vós, meu Deus marginalizado, mas eternamente meu Senhor, sempre vos lembrastes deste vosso ingrato servo Cipriano Atroz, que durante a primeira infância foi amigo-irmão do teu filho unigênito, Jesus, mas que, na sucessão de minhas pueris etapas existenciais, da segunda infância até esta velha infância atualmente vivida, passou a considerá-lo tão somente um “boa praça”, aquele de quem a gente só se lembra quando os falsos amigos, que são os verdadeiros inimigos, mostram o pau com que matam as lombrigas que incomodam suas panças.
Agradeço-vos, meu Deus latente, de todo o meu coração, os benefícios que de vós sempre recebi durante toda a minha existência, mesmo que de forma clandestina, como eu sempre gostei, porém acanhado, para que ninguém soubesse que sou teu seguidor. Pois agora, ó Deus das criaturas pueris, dai-me força e fé para que eu possa desligar tudo quanto involuntariamente liguei, aquilo que equivocadamente invoquei, sempre em vosso santíssimo nome, mas nem sempre com uma santificada intenção.
É certo, ó Deus do banco de reserva, em cujo jogo o titular pode ser um falso religioso, verdadeiro caça-níquel, apoiador do anticristo, que me declaro vosso verdadeiro servo e vos considero titular, dizendo-vos: “Deus, forte e poderoso, que morrestes no cadafalso de Brasília, onde o Deus em exercício tinha altar banhado a ouro, como os templos da Bahia e Minas, louvado sejais para sempre!” (Atire contra o espelho um bibelô dourado em forma de bezerro.)
Ó Deus relegado ao posto de quebra-galho, vós vistes as malícias deste vosso servo Cipriano Atroz, as tais malícias pelas quais fui conduzido durante uma eternidade relativa, debaixo do poder golpista de (citar o primeiro nome que assomar à sua atrofiada mente), quando eu ainda não tinha noção do que representava o vosso santo nome e ligava as mulheres a delicioso “pecado”, ligava as nuvens do céu à realidade celestial, ligava a imensidão das águas do mar a reles tsunamis. Vós bem sabeis que, pelas minhas malícias, minhas pequenas e grandes malícias, ligava as mulheres prenhes à “irresponsabilidade” de pobre parir, e tantas outras ligações que fiz entre preconceitos e conveniências, sempre em teu nome, sem notar que Belzebu usava as mais sutis das camuflagens para assumir a tua imagem, muitas vezes dizendo-se o Messias que viria nos salvar, e eu caía aos pés daquele altar como um esperto otário feliz.
Agora, ó Deus em mim redivivo, que durante muitos anos foi colocado na condição de Deus alternativo, está na hora de Vós serdes reconduzido ao trono, desmascarando culpados pela nova ordem universal (epa!) ditada pelo "Deus" em exercício e operada pelos seus capachos, vampiros travestidos de anjos barrocos. Invoco o teu infinito poder, a fim de que sejam desfeitas e desligadas as bruxarias e feitiçarias, venham das máquinas ou do corpo dessas maquiavélicas criaturas: (cite os nomes de quem você acaba de se lembrar ou simplesmente do capo di tutti capi). Pois vos chamo, meu Deus escanteado, para que, com o teu poder, rompais todos os ligamentos dos homens e das mulheres com as ideias macabras desses estúpidos, falsos semideuses.
Caia a chuva da verdade sobre cabeças pensantes, para que as mulheres tenham seus filhos, e eles estejam livres de qualquer ligamento atroz. Desligue o mar de hipocrisia, para que os pescadores possam pescar a verdade, livres de qualquer perigo. Desligue toda estupidez que está conectada a estas desencaminhadas criaturas (cite-as desembestado, durante um minuto, e pare, porque é muita gente estúpida). E eu desligo, desalfineto, rasgo e desfaço tudo que esteja se lambuzando em algum poço profundo de minha mente. Não como num passe de mágica, mas gradativamente, amadurecendo, aprendendo a viver minha última infância.
Se necessário for, resgato os monstros que no meu coração se afogam, transformando-os em garimpeiros-ourives a garimpar cascalhos e lapidá-los, criando estátuas que se derreterão ao sol, quando finalmente serão desfeitos todos os males ou maus feitos, feitiços, encantamentos ou superstições, além de destruir as artes diabólicas que fui capaz de realizar de forma inconsciente, descontrolada e irracional, ou aquelas que simplesmente utilizo conscientemente, mas de forma igualmente alienada.
O reinado do senhor das trevas está chegando ao fim. Não mais existirão igrejas caça-níqueis. Não mais existirão canalhas fantasiados de homens de bem. Não mais existirão rampeiras travestidas de santa, nem santa decaída se esbaldando num bordel.
Finalmente, Vós sereis reconduzido ao trono, ó Deus verdadeiro. E, quando lá estiverdes de volta, derramarás vossa inspiração sobre a Humanidade, a fim de que todos possamos escolher, democraticamente, nossos representantes nos postos de comando da Terra.
Amém.
(*) Fernando Soares Campos é autor de "Saudades do Apocalipse - 8 contos e um esquete", CBJE, Câmara Brasileira de Jovens Escritores, Rio de Janeiro, 2003; "Fronteiras da Realidade - contos para meditar e rir... ou chorar", Chiado Editora, Portugal, 2018; e "Adeildo Nepomuceno Marques: um carismático líder sertanejo" (em parceria com Sérgio Soares de Campos), Grafmarques, Maceió, AL, 2022.
(**) Fonte de inspiração: O verdadeiro Livro de São Cipriano.