por Fernando Soares Campos
Desde o princípio, quando da aparição do ser humano sobre a Terra, observamos atentamente o mundo em que estamos inseridos, esforçando-nos para compreender o princípio de todas as coisas, com ênfase sobre a origem do universo observável, tudo aquilo que está ao alcance de nossas vistas e sentidos em geral, seja com ou sem a utilização de instrumentos e recursos apropriados.
O firmamento, as estrelas, a Lua, o Sol, campos e florestas, as águas em suas diversas concentrações, sejam os mares e oceanos, rios e lagos, nuvens e o fenômeno da chuva, o fogo, as rochas, a imensa variedade de animais e vegetais, tudo isso sempre inquietou a alma humana, despertando em cada um de nós, com variado grau de interesse, o desejo de conhecer o começo e o fim da extensão do Universo, a origem e o destino da humanidade. Como se processam os nossos pensamentos? O que são em suas essências e como se formam os sentimentos e afetividades que geram em nós as emoções e até descontroladas paixões? Quem somos? De onde viemos? Por que estamos aqui? O que queremos deste mundo? Para onde vamos?
O sentimento da existência de Deus é universal. Em toda a face da Terra, desde tempos remotos, o ser humano professa a crença num criador de todas as coisas. As definições sobre quem ou o que venha a ser Deus variam conforme a época, o lugar, o governo, a ideologia dominante, entre outros fatores, porém os diversos conceitos e pareceres sobre a existência de Deus expressam em comum a crença de que se trata de um regente universal, justo, perfeito, infinito, eterno, onipresente, onisciente e onipotente.
Há quem acredite que Deus, um ser tido como supremo, infinito, eterno, dotado dos atributos da onisciência, onipotência e onipresença, uma entidade que expressaria o amor em estado puro e viria a ser o legislador da Perfeita Justiça, seria fruto da fértil imaginação do ser humano. Para esses, a imagem e supostos predicados divinos não passam de elementos de ficção teológica, criados com o propósito de explicar o inexplicável, ou transmitir certa noção sobre aquilo que ainda não compreendemos. Esses são os que professam o ateísmo. O ateu acredita que as chamadas leis divinas foram criadas por nós e “promulgadas” pelas religiões, a fim de exercerem controle social, refreando as más inclinações humanas.
Por outro lado, existem os que creem num deus criador de todas as coisas, um ser supremo, único, uma divindade superior a qualquer das formas de vida existentes no Universo, a quem devemos incondicional obediência.
Há também os que definem Deus como um ser dotado das possíveis virtudes e imperfeições humanas. Um deus capaz de amar e, eventualmente, odiar, um deus que abençoa ou amaldiçoa, absolve ou condena, conforme o comportamento de suas criaturas. Quem de nós não ouviu pregações sobre um deus capaz de se irar? Falam de um deus que lançaria maldições sobre indivíduos ou coletividades humanas. Os que assim se manifestam são tidos como fanáticos. Em geral, o fanatismo religioso é o resultado de uma formação ou orientação religiosa distorcida, como no caso daqueles que pregam uma divindade às avessas, ao falarem de um deus à semelhança do ser humano, a criatura como modelo do criador.
Os fanáticos, pessoas que demonstram excessiva exaltação pelas qualidades de alguém ou de alguma coisa, manifestam cega devoção por entidades religiosas. Falam de um deus que ama apenas os tidos como bons, os obedientes aos ditames da empresa divina, e condena a penas eternas, sem o direito de se redimirem de suas faltas, aqueles que são identificados como maus, indisciplinados, rebeldes. Diante de tal doutrina e em vista da impossibilidade de se identificar signos de lógica que alimente tal raciocínio, surgiram aqueles que optaram por não acreditar em nada que se reporte a um ser tido como supremo, divino, “infinito, eterno, sobrenatural e existente por si só; causa necessária e fim último de tudo que existe” (Houaiss), cujos princípios e regras equiparam-no a reles tiranete.
O ateu acredita que a criação do Universo ocorreu por vias espontâneas. Para esse, uma combinação de fatores químicos e físicos, surgidos do “nada”, teria feito a vida emergir em múltiplas formas, acompanhada de todos os elementos necessários ao provimento de sua subsistência, conforme se especula com a formulação de determinadas teorias. A mais aceita pela comunidade científica é a teoria da Grande Explosão, em inglês: “Big Bang”. Na concepção do ateu, tudo teria ocorrido sem a suposta interferência ou simples influência de um ser inteligente, supremo.
Enquanto isso, o crente considera que todas as coisas existentes na natureza teriam sido obra de um criador, um ser transcendente, supremo: Deus.
Quanto ao “religioso fanático”, aqui o entendemos como sendo um indivíduo crente, mas supersticioso, aquele que se deixou dominar pelo medo e, por isso mesmo, aceita, dogmaticamente, portanto sem qualquer questionamento, os preceitos que ditam e regem o comportamento humano, conforme prescrição das chamadas escrituras sagradas, verificadas em diversas religiões.
O indivíduo tido como fanático aceita, sem questionar, os preceitos que ditam tais condições, enquanto o ateu que não se dá ao trabalho de analisar a possibilidade de sobrevivência da alma fica também com o seu dogma sobre a inexistência de vida inteligente que sobreviva à morte do corpo físico, em forma de alma, espírito, fantasma, espectro, marmota, assombração...
Para o ateu, a evolução humana é atributo exclusivo da matéria, e a alma (ou espírito) não passa de uma abstração, resultado de processos mentais gerados por funções orgânicas, reflexos de um fenômeno puramente material, que se apagaria após a morte do corpo físico.
Os diversos credos religiosos fundamentados em confissão de fé cristã, seja católico, batista, luterano, calvinista, ou qualquer outro, se diferenciariam entre si basicamente pelas interpretações que os líderes de cada denominação dão às escrituras tidas como sagradas. A compreensão e aceitação de tais entendimentos geralmente condicionam-se ao grau de instrução de cada indivíduo e ao desenvolvimento do seu poder de cognição, além de geralmente estar atrelada aos interesses imediatos de indivíduos ou de castas.
Entretanto, se analisadas com o espírito despojado de sentimentos inferiores, como, por exemplo, o orgulho ilusório, e de paixões sem reserva, pode-se perceber que tais interpretações, apesar das aparentes divergências verificadas entre os credos religiosos que concentram as maiores multidões de fiéis, estariam manifestando, fundamentalmente, os mesmos conceitos. “Todos os caminhos levam a Roma”, no entanto existem os mais ou menos curvos, os mais ou menos íngremes, os bem pavimentados e os esburacados, os mais largos e os mais estreitos, enfim, os mais ou menos adequados, os que oferecem maior ou menor risco, mais ou menos esforço para se alcançar a meta.
Também concluímos que outro fator que distingue as religiões entre si são as versões que elas dispõem sobre Deus e a origem do Universo.
O Espiritismo, doutrina fundamentada no conjunto de cinco livros que recebe a denominação de Codificação Kardequiana (de Allan Kardec), trata, na obra intitulada Livro dos Espíritos, da definição daquilo que vem a ser Deus, as provas de sua existência e os atributos da divindade. Também desenvolve temas relacionados com a imortalidade da alma, a natureza dos espíritos e suas relações com o homem, entre outras abordagens. O livro é composto de 1018 perguntas elaboradas por Kardec, e as respostas teriam sido dadas por espíritos que já alcançaram alto grau de evolução moral. A primeira pergunta é: “O que é Deus?”, a qual recebeu a seguinte resposta: “Deus é a inteligência suprema, causa primária de todas as coisas”.
2 – O que devemos entender por infinito?
– O que não tem começo nem fim; o desconhecido; tudo o que é desconhecido é infinito.
3 – Poderíamos dizer que Deus é infinito?
– Definição incompleta. Pobreza da linguagem dos homens, que é insuficiente para definir as coisas que estão acima de sua inteligência.
4 – Onde podemos encontrar a prova da existência de Deus?
‒ Num axioma que aplicais às vossas ciências: não há efeito sem causa. Procurai a causa de tudo o que não é obra do homem, e a vossa razão vos responderá”.
Segue-se um comentário de Kardec: “Para acreditar em Deus, basta ao homem lançar os olhos sobre as obras da criação. O Universo existe, portanto ele tem uma causa. Duvidar da existência de Deus seria negar que todo efeito tem uma causa e admitir que o Nada pudesse fazer alguma coisa”.
Ainda extraído do Livro dos Espíritos:
10 – O homem pode compreender a natureza íntima de Deus?
– Não, falta-lhe, para isso, um sentido.
11 – Um dia será permitido ao homem compreender o mistério da Divindade?
– Quando seu Espírito não estiver mais obscurecido pela matéria e, pela sua perfeição, estiver mais próximo de Deus, então o verá e o compreenderá. [Aqui se refere a Deus Personificado, um ser eternizado, que tem começo mas não tem fim, perpétuo; divinizado, em vista do seu alto grau de evolução, aquele a quem se atribui a condição de Deus, por exercer liderança suprema sobre os habitantes de imenso espaço cósmico.]
Comentário de Kardec: “A inferioridade das faculdades do homem não lhe permite compreender a natureza íntima de Deus. Na infância da humanidade, o homem O confunde muitas vezes com a criatura, da qual lhe atribui as imperfeições; mas, à medida que o senso moral nele se desenvolve, seu pensamento compreende melhor o fundo das coisas, e ele faz uma ideia de Deus mais justa e mais conforme ao seu entendimento, embora sempre incompleta”.
12 – Se não podemos compreender a natureza íntima de Deus, podemos ter ideia de algumas de suas perfeições?
– Sim, de algumas. O homem as compreende melhor à medida que se eleva acima da matéria [densa]. Ele as pressente pelo pensamento.
13 – Quando dizemos que Deus é eterno, infinito, imutável, imaterial, único, todo-poderoso, soberanamente justo e bom, não temos uma ideia completa de seus atributos?
– Do vosso ponto de vista, sim, porque acreditais abranger tudo. Mas ficai sabendo bem que há coisas acima da inteligência do homem mais inteligente, e que a vossa linguagem, limitada às vossas ideias e sensações, não tem condições de explicar. A razão vos diz, de fato, que Deus deve ter essas perfeições em grau supremo, porque se tivesse uma só de menos, ou que não fosse de um grau infinito, não seria superior a tudo e, por conseguinte, não seria Deus. Por estar acima de todas as coisas, Ele não pode estar sujeito a qualquer instabilidade e não pode ter nenhuma das imperfeições que a imaginação possa conceber.
Mais uma vez, comenta Kardec: “Deus é eterno. Se Ele tivesse tido um começo teria saído do Nada, ou teria sido criado por um ser anterior. É assim que, de degrau em degrau, remontamos ao infinito e à eternidade. É imutável; se estivesse sujeito a mudanças, as leis que regem o universo não teriam nenhuma estabilidade. É imaterial, ou seja, sua natureza difere de tudo o que chamamos matéria; de outro modo não seria imutável, porque estaria sujeito às transformações da matéria. É único; se houvesse vários deuses, não haveria unidade de desígnios, nem unidade de poder na ordenação do Universo. É todo-poderoso, porque é único. Se não tivesse o soberano poder, haveria alguma coisa mais ou tão poderosa quanto Ele; não teria feito todas as coisas e as que não tivesse feito seriam obras de um outro Deus”. [Aqui, Kardec trata de Deus Impessoal, inteligência suprema, causa primária de todas as coisas.]
Inspirado pelos espíritos evoluídos que o acompanharam nos trabalhos da Codificação, Allan Kardec formulou perguntas e teceu comentários às respostas. Observe que Kardec não perguntou “quem é Deus”, mas sim “o que é Deus”. Ambas as partes concordam que “a pobreza da linguagem dos homens é insuficiente para definir as coisas que estão acima de sua inteligência”, conforme afirmaram os espíritos.
Considerando a pobreza da linguagem humana e a nossa inferioridade intelectual, Jesus, quando entre nós encarnado, utilizou-se, em diversas ocasiões, de prático método de comunicação que nos facilitaria a compreensão das mensagens divinas: a parábola, narrativa alegórica capaz de estabelecer uma comparação entre o comportamento humano e os preceitos morais assentados na nossa consciência, muito disso ainda em estado latente, sem uma definição precisa, em vista da densa materialidade a que estamos submetidos.
Jesus, no entanto, não se expressou apenas por figuras de linguagem, ele também empregou o discurso direto, mesmo sabendo que somente muito adiante, quando avançássemos no campo científico e, principalmente, em elevação moral, poderíamos melhor entender suas declarações, como, por exemplo, quando afirmou: “Vós sois deuses”. E acrescentou: “Podeis fazer tudo que faço e muito mais”. Com isso, o Mestre de Nazaré evidenciou que aquilo que nos distingue uns dos outros, inclusive dele próprio, é o grau de evolução que cada indivíduo haja conquistado.
Também o Pai a quem Jesus tantas vezes se referiu não é “a causa primária de todas as coisas”, mas, sim, a personificação de Deus, uma entidade em altíssimo grau de evolução, da qual Jesus é assessor direto para as questões referentes à humanidade terrena. “Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém pode ir ao Pai senão por mim.” João, 14 – 6.
Quando Jesus afirmou “Eu e o Pai somos um”, ele fazia referência à união entre as criaturas através do Espírito Santo: inteligência suprema, causa primária de todas as coisas, Deus eterno e infinito, uma entidade, ou instituição, sobre quem (ou o que) jamais desvendaremos o mistério de sua natureza íntima em toda sua extensão; do contrário, Ele não seria eterno, infinito.
Para quem precisa de provas da existência de Deus, recomendamos começar suas pesquisas e estudos já! Daí em diante, esse teólogo terá toda a eternidade para concluir seus estudos.
(*)Fernando Soares Campos é escritor, autor de "Saudades do Apocalipse - 8 contos e um esquete", CBJE, Câmara Brasileira de Jovens Escritores, Rio de Janeiro, 2003; "Fronteiras da Realidade - contos para meditar e rir... ou chorar", Chiado Editora, Portugal, 2018.