Em Defesa do Colega Jornalista Edu Montesanti
O que Edu Montesanti tem feito como jornalista contra o regime totalitário de Bolsonaro é heróico. Não se trata de mera batalha de um único jornalista contra um regime corrupto, totalitário, bandido e criminoso. É uma batalha entre nobres e maus. E nesta batalha, Edu Montesanti pode contar com o apoio de todos nós - toda a mídia
por Shoaib Choudhury, editor do jornal bengali The Weekly Blitz
tradução: Pravda Brasil
Um colega jornalista do Brasil - grande amigo meu, também como meu irmão, Edu Montesanti, por ter sido abandonado e exilado de seu próprio país tem enfrentado sofrimentos inimagináveis junto de sua filha menor.
De acordo com relatos da mídia, o Brasil tornou-se uma nação maligna, atormentada por terrorismo e corrupção - em nível estatal. Antes de Edu ir ao exílio, o cruel regime brasileiro chegou a impedir que sua filha recém-nascida fosse amamentada, enquanto os pais da menor eram submetidos a duras táticas de intimidação.
De acordo com Repórters sem Fronteiras (RSF), desde que assumiu o cargo em janeiro de 2019 o presidente Jair Bolsonaro insultou, denegriu, estigmatizou e humilhou jornalistas sempre que publicam ou veiculam algo contrário aos interesses de seu governo.
E nisso, ele tem sido ajudado por membros de sua família, alguns de seus ministros e um exército de apoiadores nas redes sociais.
Embora assumam várias formas, esses ataques sistemáticos à mídia obedecem a uma estratégia clara e cada vez mais aprimorada: encorajar desconfiança duradoura dos jornalistas visados, destruir sua credibilidade e, gradualmente, construir um inimigo comum.
Eles também têm um objetivo comum: controlar o debate público, e evitar ter que abordar o conteúdo das questões. Nos primeiros três meses de 2020, o RSF registrou nada menos que 32 ataques do presidente Bolsonaro contra jornalistas e a mídia em geral, uma média de um a cada três dias.
“O público vai perceber rapidamente que foi enganado pela mídia”, disse o presidente Bolsonaro durante entrevista à TV Record em 22 de março daquele ano, dia em que o Brasil relatou oficialmente 1.800 casos de coronavírus e 34 mortes.
Durante um discurso formal na TV nacional dois dias depois, ele qualificou a Covid-19 de “gripezinha”, e acrescentou: “Muitos meios de comunicação espalham sentimento de medo explorando as muitas vítimas na Itália, país com muitos idosos e cujo clima é totalmente diferente do nosso (...). Um cenário perfeito, transmitido pela mídia para que a histeria tome conta do nosso país”.
O próprio ministro da Saúde de Bolsonaro, Enrique Mandetta, fez o mesmo em uma entrevista em 28 de março, descrevendo as reportagens da mídia como "sórdidas" e "tóxicas", e instando os brasileiros a "desligar seus aparelhos de TV por algum tempo".
Como a pandemia do coronavírus continuou espalhando-se pelo Brasil, com 28.320 casos e 1.736 mortes quando esta análise foi publicada em 2020, Bolsonaro continua negando a realidade e pedindo o fim do lockdown.
Depois de postar vídeos em suas contas oficiais do Twitter e Instagram que o mostravam andando pelas ruas de Brasília, misturando-se ao público questionando o lockdown e contradizendo as instruções de seu próprio governo e conselhos da Organização Mundial de Saúde, Twitter e Instagram censuraram suas contas em 29 e 30 de março sob alegação de irresponsabilidade, em uma sanção altamente incomum ao líder de um país.
Uma cena surrealista aconteceu no início de uma coletiva de imprensa em frente ao Palácio da Alvorada, residência oficial do presidente em Brasília no dia 3 de março de 2020, e transmitida ao vivo nas redes sociais do presidente.
Bolsonaro chegou em seu carro oficial junto com um comediante que o fez passar por ele, e pediu ao comediante que distribuísse bananas aos jornalistas (o que, no Brasil, simboliza dar o dedo a eles).
Mais tarde, durante a coletiva de imprensa, quando foi questionado sobre o fraco desempenho econômico do Brasil, Bolsonaro, rindo, pediu a seu imitador para que respondêsse em seu lugar.
Ele humilhou os mesmos jornalistas do lado de fora do Palácio da Alvorada no dia 26 de março de 2020. “Olha, povo do Brasil”, disse ele, apontando aos jornalistas, “essas pessoas dizem que eu estou errado, e que você deve ficar em casa”. Virando-se aos jornalistas, acrescentou: “O que vocês estão fazendo aqui? Vocês não têm medo do coronavírus? Vão para casa!"
Esses ataques repercutem amplamente nas redes sociais, onde o Bolsonaro é muito ativo e não hesita em divulgar notícias falsas (sobre o uso da cloroquina, por exemplo).
De acordo com o relatório anual da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (ABERT), houve quatro milhões de ataques online a veículos de comunicação profissionais e jornalistas em 2019, ou sete ataques por minuto.
O relatório afirma que, de 39,2 milhões de postagens contendo as palavras “imprensa”, “jornalista”, “jornalismo” ou “mídia”, dez por cento foram ataques diretos, sobretudo por políticos conservadores pró-Bolsonaro e sites de notícias.
O relatório dizia: “Jornalistas que publicam conteúdo crítico ao governo se tornaram alvos de ataques online sistemáticos, promovidos por bots e simpatizantes do governo, cujo objetivo é minar a credibilidade da mídia”. As mulheres, alvos favoritos.
Patrícia Campos Mello, jornalista veterana do jornal Folha de S. Paulo e ex-repórter de guerra, é um dos alvos favoritos do que alguns chamam de “sistema Bolsonaro”.
Em outubro de 2018, ela relatou que empresários estavam financiando ilegalmente uma campanha de desinformação do WhatsApp destinada a fazer os brasileiros votarem em Bolsonaro nas eleições presidenciais, cujo segundo turno foi realizado no final daquele mês.
Sua história desencadeou uma feroz campanha online de insultos e ameaças de partidários do Bolsonaro contra ela.
No decorrer de uma investigação sobre suas revelações, uma Comissão Parlamentar Anti-Fake News ouviu o depoimento em 11 de fevereiro de 2020 de Hans Nascimento, funcionário de uma das empresas de marketing digital que supostamente ajudou a enviar milhões de mensagens falsas no WhatsApp.
Nascimento testemunhou à comissão que Mello tentou extrair informações dele em troca de favores sexuais. Embora Mello e a Folha de São Paulo tenham negado imediatamente, a afirmação de Nascimento desencadeou uma torrente de comentários repugnantes e lascivos, inclusive do próprio presidente Bolsonaro, e foram repetidos por vários parlamentares incluindo o filho do presidente, Eduardo Bolsonaro.
Falando na Câmara dos Deputados, ele disse: “Não tenho dúvidas de que Patrícia Campos Mello tenha oferecido favores sexuais, como disse Hans Nascimento, em troca de informações para tentar prejudicar a campanha do presidente Jair Bolsonaro”.
Amplamente retransmitidas nas redes sociais, essas insinuações desencadearam uma nova onda de insultos e ameaças sexistas e misóginas contra ela.
Vera Magalhães, outra conhecida jornalista, apresentadora do famoso programa de atualidades da TV Cultura, o Roda Viva, também foi alvo de muitos ataques do presidente, de seus filhos e aliados no primeiro trimestre de 2020, sobretudo por se manifestar no Twitter que o presidente mentiu e pediu em particular a seus apoiadores que organizassem protestos contra a Suprema Corte brasileira e o Congresso Nacional, o que resultou em apelos para que ele fosse acusado de “responsabilidade criminal”.
Os filhos do presidente estão entre os mais agressivos entre os que atacam jornalistas nas redes sociais. De acordo com a contagem do RSF, o parlamentar Eduardo Bolsonaro foi responsável por pelo menos 30 ataques à mídia somente em março de 2020. Joice Hasselmann, uma parlamentar que foi aliada presidencial, revelou a existência de um “gabinete de ódio” que orquestra ataques em larga escala contra jornalistas.
Composto por conselheiros presidenciais muito próximos e coordenado pelo seu segundo filho, Carlos Bolsonaro, este grupo dirigiu-se sobretudo a Mello e a dois outros jornalistas, Constança Rezende e Glenn Greenwald, que têm sido repetidamente alvo de campanhas de ódio nas redes sociais por causa do suas revelações sobre o governo brasileiro.
Este “gabinete do ódio” está na lista de Predadores Digitais da Liberdade de Imprensa publicada pelo RSF em 10 de março daquele ano.
Os casos como os de Mello e Magalhães são típicos do machismo bruto que caracteriza o comportamento do presidente e de seus apoiadores. Em relatório solicitado pela ONU e publicado em 13 de março de 2020, a Associação Brasileira de Jornalistas Investigativos (ABRAJI) forneceu uma descrição detalhada do ambiente para os jornalistas brasileiros, que inclui ataques misóginos, difamação e exposição de dados pessoais.
De acordo com o relatório, houve pelo menos 20 “ataques de gênero” contra jornalistas mulheres em janeiro e fevereiro (2020), 16 deles por funcionários do Estado.
De acordo com um relatório recente publicado pelo IFEX, os ataques à mídia brasileira pelo presidente Bolsonaro, sua família e outros membros de seu círculo vicioso vêm se intensificando.
O número de ataques à mídia pelo presidente Bolsonaro no primeiro semestre de 2021 aumentou 74% em relação ao segundo semestre de 2020. Jair Bolsonaro alvejou a mídia 87 vezes, o que o tornou o predador líder do sistema, embora seus filhos não estivessem muito atrás .
O vereador Carlos Bolsonaro, do Rio de Janeiro, foi responsável por 83 ataques à mídia (um aumento de 84,4% no segundo semestre de 2020), enquanto o deputado federal Eduardo Bolsonaro atacou a mídia 85 vezes, o que - embora com grande pontuação - teve queda de 41,4% no segundo semestre de 2020, quando foi responsável por 145 ataques.
O presidente Bolsonaro começou 2021 com um prelúdio. Cercado por apoiadores em um evento em 27 de janeiro sobre os gastos do governo federal (e em meio a uma controvérsia sobre gastos anormalmente altos com leite condensado), ele disse que "as latas de leite condensado deveriam ser enfiadas no traseiro do pessoal da imprensa" sob gritos e aplausos da multidão, inclusive do então chanceler Ernesto Araujo.
Ele voltou ao assunto durante sua transmissão semanal no Facebook Live em 5 de fevereiro, exibindo uma grande lata de leite condensado e dizendo que era “combina melhor com a mídia das fake news”.
Perdeu todo o autocontrole em entrevista coletiva durante visita ao estado de São Paulo, em 21 de junho de 2021, insultando um jornalista da TV Vanguarda do grupo Globo, que lhe perguntou por que ele não usava máscara quando chegou ao site do a visita.
“Cala a boca (...) a Globo é uma imprensa de merda, imprensa podre”, gritou depois de tirar a máscara para responder.
Ele perdeu todo o controle novamente em 25 de junho de 2021 quando, questionado sobre suspeitas de fraude do governo federal em relação à compra de vacinas Covid-19, disse à jornalista da Rádio CBN Victória Abel para “voltar para a universidade, ao Ensino Médio, depois para a creche e então você pode renascer”. Durante a mesma coletiva de imprensa, ele disse aos jornalistas que parassem de fazer “perguntas estúpidas”.
Os ministros mais ofensivos incluem Onyx Lorenzoni, que é chefe de gabinete do presidente, e Damares Alves, ministro da Mulher, Família e Direitos Humanos. O primeiro foi responsável por 18 ataques à mídia nos últimos seis meses, enquanto o segundo foi responsável por sete.
A plataforma preferida pelos atacantes do sistema Bolsonaro é o Twitter. Este canal de ventilação para os apoiadores do Bolsonaro é onde 80 por cento dos ataques à mídia acontecem. O presidente limita sua própria exposição no Twitter, bloqueando a maioria das contas que o irritam. Eles incluíram o RSFs desde que publicou sua rodada de ataques para 2020.
Segundo levantamento da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), ele é o funcionário público que mais bloqueia as contas de jornalistas no Twitter - 240 a mais que a média de deputados.
Advogado do Presidente Bolsonaro Ameaça Jornalista
De acordo com o Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ), em 9 de julho o advogado pessoal do presidente Jair Bolsonaro, Frederick Wassef, enviou uma longa mensagem de texto ameaçadora, revisada pelo CPJ, para Juliana Dal Piva, jornalista do UOL.
Na mensagem, Wassef perguntou se Dal Piva é “comunista” ou “soldado da esquerda raivosa”, e perguntou por que ela não tinha se mudado para a China, onde “você desapareceria e nem sequer seu corpo seria encontrado”.
Wassef também acusou Dal Piva de “atacar e tentar destruir o presidente do Brasil, sua família e seu advogado” e a chamou de “inimiga da pátria”.
Dal Piva entrevistou Wassef por telefone em 2 de julho para uma série de reportagens sobre suposta corrupção envolvendo o presidente e seus familiares. Partes da entrevista de Wassef também foram incluídas no episódio de 9 de julho no podcast de Dal Piva no UOL, “A vida secreta de Jair”, disse a jornalista ao CPJ em entrevista por telefone. A mensagem de texto de Wassef para a jornalista não fazia referência a uma reportagem específica.
“É inaceitável que qualquer figura pública, menos ainda o advogado do presidente, envie mensagem ameaçando jornalista por seu trabalho. Esta clara tentativa de assediar Juliana Dal Piva envia uma mensagem arrepiante a todos os jornalistas que cobrem política e corrupção no Brasil”, disse a coordenadora do programa para a América Central e do Sul do CPJ, Natalie Southwick, em Nova York.
“O Brasil é uma democracia, e seus líderes devem dar um tom que incentive e não impeça a manifestação livre, de interesse público”.
Em entrevista por telefone, Wassef disse ao CPJ que não acreditava que a mensagem fosse ameaçadora e que estava simplesmente “fazendo perguntas”, e que seus comentários foram “retirados do contexto”.
“Eu não ataquei a jornalista Juliana Dal Piva; pelo contrário, estava atacando ditaduras comunistas ”, disse Wassef. “Quando digo o que 'eles' farão com ela, não é o que farei. Eu não a estava ameaçando, estava avisando”.
Wassef disse ao CPJ que sua mensagem não foi em resposta a uma reportagem específica, mas que ficou frustrado com o que considera um esforço de anos de Dal Piva e outros repórteres, para retratá-lo de forma negativa.
“Isso não tem nada a ver com o trabalho dela ou com o que ela escreveu sobre o presidente”, disse Wassef.
Dal Piva disse ao CPJ que não respondeu à mensagem de texto de Wassef, que o UOL publicou junto com uma declaração em apoio a Dal Piva reafirmando o “compromisso do veículo com o jornalismo independente, sério e apartidário, voltado ao interesse público”.
“Sou uma brasileira orgulhosa, e não inimiga do meu país por fazer meu trabalho. Cobrir essa história é falar da biografia do presidente. Os jornalistas têm um papel fundamental ,e cumprem suas responsabilidades profissionais cobrindo de perto o presidente. É responsabilidade deste tempo atual informar sobre o governo Bolsonaro”, disse Dal Piva ao CPJ.
De fato, a jornalista brasileira Dal Piva ou aqueles que foram vítimas do círculo vicioso do presidente Bolsonaro, não são criminosos ou inimigos do país. Eles têm cumprido seus deveres jornalísticos como parte do compromisso com a nação.
Eles não fizeram nada de errado ao expor a corrupção e as ações criminosas do presidente Bolsonaro, de membros de sua família e das elites governantes.
Da mesma forma, Edu Montesanti não fez nada de errado. Escorraçado do Brasil pelo regime autocrático e agressivo, Edu Montesanti vive atualmente refugiado na Bolívia, com sua filha menor.
Numa entrevista transmitida em vídeo, através da página da Rádio El Deber no Facebook, ao entrevistar Edu Montesanti em Santa Cruz de la Sierra, Linda Gonzáles disse a certa altura: “O nossa colega, meu colega, este grande jornalista cheio de ímpeto que se orgulha de tudo o que enfrentando, por lutar sozinho com o bebê em meio a um refúgio político”.
Em resposta, Edu Montesanti disse: “Estou muito orgulhoso de tudo o que ebfrento, sim, Linda”. Para acrescentar: "O que estou enfrentando é parte da nossa luta... e também é parte dessa luta para superar tudo".
"Quando comecei a estudar Jornalismo, sabia que enfrentaria dificuldades no futuro, exercendo a profissão ”, disse ao notar os olhos arregalados de Linda, paralisados, com sua bebê nos braços.
“Você não deve medir esforços para ser honesto, por um mundo melhor e por seus ideais. Um dia, quando eu contar tudo isso a esse bebê, todas as dificuldades e dramas que passamos juntos, ela vai se orgulhar do pai que tem”: assim terminei a entrevista com Linda Gonzales em uma tarde chuvosa e fria em Santa Cruz de la Sierra.
Edu disse: “Meu maior motivo de honra não é baseado no materialismo ou grau de conhecimento, mas no que todo ser humano deve se orgulhar: brio, honestidade e solidariedade, apesar de todas as minhas limitações e defeitos.
“Nunca vou deixar de trabalhar como jornalista e seguir em frente com a minha linha de trabalho”, disse Edu na Rádio El Deber, perguntado se iria seguir com seu jornalismo. “Existem dois objetivos, Linda: fazer esta menina crescer educada e saudável, e manter viva meu trabalho jornalístico ”.
Edu Montesanti certamente sobreviverá, porque o que tem feito como jornalista contra o regime totalitário de Bolsonaro é heróico.
Todos os indivíduos conscientes, bem como jornalistas, meios de comunicação e grupos de direitos precisam se manter firmes na defesa de Edu Montesanti já que não se trata de uma mera batalha de um único jornalista contra um regime corrupto, totalitário, bandido e criminoso. É uma batalha entre nobres e maus.
E nesta batalha, Edu Montesanti pode contar com o apoio de todos nós - de toda a mídia.