Negacionismo e atraso tecnológico
Adilson Roberto Gonçalves
Os remédios postulados contra a covid-19 tiveram sua não eficácia comprovada, o que é bem diferente de dizer que os estudos não foram conclusivos ou que não foram testados. Estão, assim, sendo comprovados riscos de distúrbios mentais pelo uso prolongado de hidroxicloroquina. Talvez essa seja a explicação para os delírios dos articulistas bolsonarista que se contorcionam para defender agora até uma direita sem Bolsonaro. O próximo passo é dizer que o PT forjou a prisão de Lula para que não fosse ele o candidato e permitisse que o ogro chefe da familícia se elegesse.
Ao contrário dos governantes de direita de Reino Unido e Israel, Bolsonaro é o anti-presidente, com pauta de destruição do Estado brasileiro desde antes de ser candidato. Foi a pessoa errada no momento mais errado do país para ser ungido como mantenedor do status quo, talvez por ser facilmente manipulável. Sua índole é má, à qual são adicionadas a incompetência e a demência. Foi mostrado a ele a vantagem que teria em administrar a pandemia e se beneficiar com a vacinação, solenemente desprezada.
A revista Quatro cinco um é primorosa em sua proposta de resenhar a literatura moderna, ainda que com grande volume de traduções. Em edição recente, destacou o ensaio sobre a dinâmica de uma pandemia retratada por Steven Johnson (O mapa da enfermidade), que nos remete ao Brasil da Covid-19, cujos dados confiáveis passaram a ser aqueles obtidos pelo consórcio da imprensa, e não pelo governo federal, como atestou a própria Anvisa. É também importante, como verificado pelos que estudam geografia urbana, que o coronavírus seguiu o caminho das estradas, mantendo a mesma dinâmica da mobilidade de humanos.
A Folha de S. Paulo, portanto, fez editorial contundente, verdadeiro e necessário ao afirmar 'vacinas, enfim'. Quisera assim o fosse quando das patacoadas governamentais na economia, que o jornal tanto defende. A ciência teve uma primeira vitória, pequena em face do problema sanitário em que estamos, mas é o começo.
No mesmo jornal, o professor Rogério Cezar de Cerqueira Leite fez brilhantes argumentos e resgate histórico de parte do que é nosso atraso tecnológico. A nós o que é nosso, assim deveria ser. Ainda há os que argumentam que pesquisa tecnológica deveria ser feita pelas empresas, sabendo-as vilipendiárias, porém dependentes das benesses públicas para seus projetos, sem correr riscos. Se já foi difícil com governos progressistas, não será com o desgoverno negacionista instalado em Brasília que algo de positivo acontecerá com a ciência e a tecnologia. Não nos esqueçamos, porém, que João Dória tem sua parte no morticínio da pesquisa paulista, com as incursões para redução dos orçamentos da Fapesp e das Universidades Públicas, fonte primária do conhecimento científico.
Adilson Roberto Gonçalves, pesquisador da Unesp, membro da Academia de Letras de Lorena, da Academia Campineira de Letras e Artes e do Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Campinas
Foto:
Public Domain, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=22407401