A distopia e a oração do homem decadente
O Brasil virou palco de ficção científica, parece que estamos vivendo uma cena daqueles filmes futuristas decadentes onde a Terra passa por caos climático, superpopulação, desigualdades, totalitarismo, fogo e fome.
Atravessamos uma grave crise intelectual desde que a ignorância e o comportamento bárbaro e violento passaram a ser representados na presidência da república.
Em Búzios e Manaus, comerciantes, turistas e a população foram às ruas exigir o direito de se exporem ao vírus que matou mais de duzentas mil pessoas e contaminou mais de sete milhões no país.
Sob o efeito de alguma hipnose gerada por um processo semelhante à cesárea de um hipopótamo, gritavam palavras de ordem usadas em greves e manifestações por liberdade, como se estivessem realmente lutando por uma causa socialmente justa.
O presidente, na sua cegueira civilizatória, disse que não se sente pressionado pela vacinação ter iniciado em outros países, enquanto no Brasil tudo está atrasado: "Não dou bola pra isso" - disse em passeio, sem máscara, pelas ruas de Brasília causando aglomeração.
A deputada federal bolsonarista do PSL, Bia Kicis, representante desse comportamento, se manifestou no Twitter contra a prevenção do vírus: "Búzios deu o exemplo e agora novas cidades se levantam contra a tirania do fecha tudo. Agora foi a vez do povo de Manaus se levantar".
O deputado Eduardo Bolsonaro também exaltou a irresponsabilidade de comerciantes, turistas e população de Búzios e Manaus contrários ao lockdown: "Todo poder emana do povo", citando o parágrafo único do artigo primeiro da Constituição.
Nas distopias, o colapso econômico, ambiental e social leva a novos paradigmas morais que afetam as camadas mais vulneráveis. As pandemias passam a ser bem-vindas, viram direito inalienável no combate a um mundo com gente demais, onde a demanda supera a oferta.
Ao final deste ano distópico, de cima de sua estupidez e feliz com sua sandália de barbante; Segurando a cabeça de um homem que procurava comida na lixeira e rodeado por pessoas doentes e mortas, o homem do futuro decadente, de Búzios a Manaus, vai começar assim a sua oração: "Este ano foi ótimo; No ano da morte, estou vivo; No ano da doença, estou saudável; No ano da escassez, não faltou pão na minha mesa".
Ricardo Mezavila , cientista político
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