A democracia e os historiadores
Na sexta-feira, 24 de abril, o presidente da República vetou o projeto que regulamenta a profissão do historiador. Embora não tenha repercutido na imprensa, o tema foi debatido nas redes sociais e entre os que atuam nesse campo profissional.
Na sexta-feira, 24 de abril, o presidente da República vetou o projeto que regulamenta a profissão do historiador. Embora não tenha repercutido na imprensa, o tema foi debatido nas redes sociais e entre os que atuam nesse campo profissional. Afinal, era a nona tentativa, desde que na década de 1970 o primeiro projeto foi apresentado ao Congresso. O atual iniciou a tramitação em 2009, alvo de negociações e reformulações de maneira a evitar que se transformasse numa reserva de mercado exclusiva de uma categoria.
Imagem: Pinterest Brasil
Por Antonio Torres Montenegro, no Cidadão Cultura
No entanto, em face do veto presidencial, os historiadores iniciaram uma mobilização em busca do apoio da sociedade civil e do Congresso para realizar o 'bom combate' e reverter esta decisão. Porém, parece-me oportuno nesta caminhada, não se olvidar o perfil sociocultural, político e intelectual do presidente e das forças que o apoiam.
Desde a época da campanha presidencial, quando o presidente imitava com as mãos uma arma, e era replicado por muitos que hoje se dizem decepcionados, que me vinha a mente a observação de Michel Foucault, de que a "linguagem é uma prática". E nessa trilha, o filósofo francês recomendava que construíssemos nossas análises com o que se apresenta diante de nós, em atos, palavras e documentos. Questionava a busca do "sentido oculto" das coisas, a denominada 'arte de interpretar'.
Assim, 'sem interpretações', o atual presidente, quando deputado federal em momento emblemático da votação do impeachment em 2016, ao declarar seu voto, prestou homenagem ao primeiro torturador condenado no Brasil, o coronel Ustra. E, nessa mesma linha de argumentação, afirmou que Adriano da Nóbrega, miliciano morto na Bahia, era herói da Polícia Militar. Ao mesmo tempo, na atual Pandemia desqualifica as recomendações da Organização Mundial da Saúde e de todos os infectologistas que apontam a quarentena como a medida mais eficaz de combate ao Coronavírus.
Do meu ponto de vista, estamos diante de um político autoritário, em que seus discursos e práticas podem ser lidos como 'eu e meus apoiadores somos a medida de todas as coisas'. Logo, quando o jornalista Elio Gaspari em sua coluna de 26 de abril reafirmou o comentário do jornalista Gerson Camarotti, de que o presidente entrou no "modo desespero", eu defendo outra leitura.
As crises que o presidente e seu grupo produzem são o "modus operandi" escolhido por forças que se negam ao diálogo político e intelectual com quem pensa diferente. A "antessala" propícia para atos golpistas.
Antonio Torres Montenegro é Professor do Departamento de História da UFPE.