A banalidade do mal

A banalidade do mal

Em 1933, Adolfo Hitler e seu partido, o Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei, mais conhecido como Partido Nazista ou Nazi, de extrema direita, ao contrário do que pensam ou já disseram alguns membros do Governo Bolsonaro, chegou ao poder na Alemanha pela via parlamentar.
Pouco a pouco Hitler, como chanceler do Reich, foi concentrando todos os poderes da República em suas mãos, culminando em 1934, depois da morte do presidente Paul von Hindenburg (2/08/34), com a extinção do cargo de Presidente, deixando o país nas mãos de quem passou a se auto intitular de Fuher, o guia, o líder.


A partir daí Hitler passa a desenvolver uma política de eliminação física dos que imaginava pudessem ser seus inimigos. Os primeiros foram os do campo político, os comunistas, mas logo chegaria a vez das perseguições contra homossexuais, deficientes físicos e mais adiante, de forma sistemática, contra ciganos e judeus.
O campo de concentração de Sachsenhausen foi o primeiro a ser erguido em 1936, em Oranienburg, próximo de Berlim, para aprisionar inimigos políticos.
Com a guerra e o estabelecimento da chamada política de "solução final" para exterminar principalmente a população de origem judaica, eles se espalharam principalmente pelos países ocupados no Leste europeu.


Para administrar esses grandes complexos de trabalho escravo e mortes, o governo nazista se valeu de militares e civis, empenhados tanto no trabalho sujo dentro dos campos, como na organização burocrática do transporte de judeus de suas localidades natais para os grandes campos de concentração, como Auschwitz-Birkenau, Treblinka , Ravensbrück, Sachsenhausen e Dachau.
Adolf Eichmann foi um deles. Seu título era SS - Obersturmbannfuhrer-, cargo correspondente a tenente coronel nas forças especiais da SS (Schutz Staffel), organização inicialmente voltada para a proteção de Hitler, mas que com a guerra se transformou numa força especial da política nazista nos países ocupados.
Designado por Reinhard Heydrich, Eichmann se transformou numa espécie de gerente geral do processo de transporte dos judeus, dos países ocupados pela Alemanha para os campos de extermínio.
Depois da derrota nazista, como muitos outros, Eichmann fugiu para a Áustria. Ali viveu até 1950, mudando-se para a Argentina usando documentos falsos. Em 1960, uma equipe da Mossad e agentes da Shin Bet sequestraram Eichmann e o levaram para Israel para ser julgado por 15 crimes, incluindo crimes de guerra, crimes contra a humanidade e crimes contra o povo judeu.


Em 10 de abril de 1961 começou seu julgamento em Jerusalém, que terminou com a sua condenação à morte por enforcamento em 29 de maio de 1962, pena cumprida no dia 31 de maio de 1962.
Mais do que o julgamento em si, o que ficou para a história foi a descrição que a filósofa Hannah Arendt, uma judia alemã fugida do nazismo, fez do evento, que ela cobriu para a revista New Yorker, posteriormente transformada num livro de sucesso mundial, Eichman em Jerusalém.
Hannah descreveu o que seria a banalidade do mal. Para ela, Eichmann, não era o monstro sanguinário que todos imaginavam encontrar, mas apenas um burocrata, preso às suas atividades, que não refletiu sobre os seus atos, que não teve a capacidade de avaliar as leis e ordens que lhe eram dadas.


 Essa foi também a linha de defesa de Eichmann: ele não era um monstro, mas apenas um pai de família, cumpridor de ordens de um governo, esse sim, sanguinário e brutal.
Sob o ponto de vista estritamente jurídico, Eichmann não seria culpado das barbaridades que cometeu, já que obedecia às ordens de um governo formalmente legal.
Esse talvez tenha sido o horror do Holocausto. Ele foi exercido por pessoas que, fora daquele mundo selvagem, se comportavam como seres humanos  aparentemente normais.
O mais famoso de todos os campos de extermínio foi o de Auschwitz-Birkenau, na Polônia, onde milhares de judeus foram mortos. Ele foi comandado durante boa parte de sua existência por Rudolph Hoss, preso, julgado e enforcado depois da guerra. Hoss vivia no próprio campo, com sua mulher, Edwigg, e quatro filhos, numa casa, com jardim, pomar e piscina, apenas alguns metros dos fornos crematórios.
O único incômodo do qual Edwig se queixava é que, em certos dias, o vento trazia a fumaça que saia das chaminés dos fornos crematórios para dentro de casa e ela precisava fechar as janelas.


Embora, obviamente, com um significado extremamente menor, um episódio policial em Porto Alegre trouxe de volta à memória das pessoas bem informadas essa idéia da banalidade do mal.
Dionathã Vidaletti, de pouco mais de 20 anos executou a tiros, com extrema frieza, um casal e seu jovem filho por causa de um banal acidente de trânsito.
Curiosamente, a mãe do assassino, depondo na policia, disse que seu filho não era um monstro, era uma pessoa de boa família, que agiu para defender a mãe pretensamente ameaçada.
Essa senhora certamente não leu Hanna Arendt, possivelmente nunca ouviu falar de Eichmann, mas de alguma forma repete essa idéia de que algumas  pessoas não precisam prestar contas dos seus atos.


Na Alemanha nazista de Eichmann, a violência contra os judeus era autorizada formalmente por Hitler para defender a pureza racial da Alemanha, mesmo que suas vítimas fossem homens, mulheres e crianças indefesas.
No Brasil de Dionathã Vidaletti, o jovem assassino foi estimulado pelo governo Bolsonaro a usar armas de fogo para defender sua família, mesmo que suas vítimas fossem um casal e seu filho, os três desarmados.


Marino Boeira é jornalista, formado em História pela UFRGS

 


Author`s name
Timothy Bancroft-Hinchey