Cresce tentação autoritária entre governos da América do Sul

Cresce tentação autoritária entre governos da América do Sul

Peso das manifestações no Chile fez governo recuar em seus planos de reformas

DW

Brasil, Chile, Equador suspendem seus projetos de reformas devido aos protestos crescentes. Medidas necessárias excluem, porém, os privilegiados. Assim, economia da região se arrasta, impossibilitando redução da pobreza.

O ministro brasileiro da Economia, Paulo Guedes, não é conhecido por ser especialmente cauteloso. No entanto, em sua fala em Washington, no fim de novembro, surpreendeu com uma estratégia de recuo, ao suspender temporariamente - devido aos protestos nos vizinhos sul-americanos - o abrangente pacote de reformas do aparato estatal e do sistema tributário, anunciado há apenas três semanas.

"Não queremos dar nenhum pretexto para as pessoas irem às ruas", disse, contrito, segundo o jornal Estado de S. Paulo: "Vamos ver o que está acontecendo primeiro. Vamos entender o que está acontecendo."

Assim, o Brasil é o último governo latino-americano a sustar um pacote de reformas abrangentes. Antes, o Equador e o Chile haviam recuado em seus planos. Na Colômbia, o povo também está protestando, em parte contra a reforma da aposentadoria.

As reformas não foram o estopim direto para os protestos em nível nacional, mas sim aumentos de preços dos transportes públicos ou combustíveis, ou possíveis manipulações eleitorais. Ainda assim, os projetos nacionais de reforma intensificaram as manifestações.

Em geral, os pacotes visam reduzir os altos déficits orçamentários, responsáveis por inflação e alto endividamento - nesse sentido, os esforços dos governos para reduzir gradativamente as aposentadorias. Por outro lado, sua meta é tornar a economia mais produtiva e reduzir o aparato estatal.

Em termos de produtividade, as economias sul-americanas vão mancando atrás tanto das dos países industriais quanto das do Extremo Oriente, que crescem rapidamente. As empresas e empregados da região são pouco competitivos no mercado mundial. Os Estados, por sua vez, oferecem serviços de baixa qualidade; a oferta estatal em educação, saúde, infraestrutura e segurança é catastrófica.

Nesse sentido, as reformas não só fazem sentido, como são urgentemente necessárias para que a América do Sul não fique mais uma vez para trás na economia mundial. Em 2019, ela é o continente que menos crescerá, e os protestos frearão ainda mais o crescimento.

O problema das reformas, contudo, é que os governos conservadores do Brasil, Chile e Colômbia pretendem distribuir os custos dos cortes orçamentários pelo maior número possível de cidadãos, mas hesitam em confrontar os privilegiados com desvantagens. Além disso, querem impor sobretudo medidas que favoreçam as empresas.

Uma das promessas eleitorais principais do presidente Sebastián Piñera - ele próprio um dos empresários chilenos mais ricos - foi reverter, em parte, a reforma das leis sobre empresas de sua antecessora, Michelle Bachelet. Para muitos chilenos, o gabinete de Piñera parecia uma comunidade de interesses da elite empresarial do país.

Também no Brasil, o governo de fato flexibilizou as totalmente antiquadas leis trabalhistas e elevou a idade mínima de aposentadoria, mas os privilégios dos militares permaneceram intocados; e ele dificilmente decretará cortes para os funcionários alto-assalariados. Em suas reformas, os governos conservadores sul-americanos são cegos do olho social e não ousam tocar nas sinecuras dos altamente privilegiados - dos quais eles também fazem parte. Isso reduz ainda mais a credibilidade dos processos reformistas.

Agora ameaça o perigo de os Estados caírem na tentação de impor de forma autoritária as reformas fracassadas ou suspensas. Na América do Sul existe a franca tradição de mobilizar os militares para "garantir a ordem pública", o que muitas vezes é sinônimo de "garantir os interesses das elites".

Em Washington, visivelmente exasperado, o ministro Guedes esbravejou que, diante dos protestos, "não se assustem se alguém pedir o AI-5" em breve - uma dissonante lembrança dos atos institucionais impostos cerca de 50 anos atrás pela ditadura militar.

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Timothy Bancroft-Hinchey