SE
E SE , o juiz não tivesse nos roubado Inter teria sido campeão. E SE o Jango tivesse mandado atacar as tropas do General Mourão Filho (a Vaca Fardada, como ele mesmo se intitulava), o golpe de 64 teria fracassado e SE Lenin não tivesse morrido tão cedo, Stalin não seria o que foi e a União Soviética poderia cumprir o sonho de se tornar a primeira democracia comunista do mundo.
Quem ainda não se pôs a pensar em quantas coisas seriam diferentes, SE...? Infelizmente este SE diz respeito apenas ao passado e o passado não pode mais ser mudado.
Mesmo assim, depois de ler o livro Ás Portas da Revolução, de Slavoj Zizek, não dá para não pensar como o mundo poderia ser diferente ...SE Lenin tivesse continuado por mais alguns anos no comando da Revolução Soviética, da qual ele foi principal agente em 1917.
Mas, ele morreu em 21 de janeiro de 1924, antes de completar 55 anos. O que Lenin pensava e escrevia naqueles meses que antecederam o outubro de 1917, foram recuperados por Zizek em Às Portas da Revolução, livro no qual, ele também faz uma lúcida análise da realidade atual do capitalismo e as possibilidades de retomada da revolução socialista.
A genialidade política de Lenin já tinha sido reconhecida por um dos maiores historiadores do mundo, o inglês Eric Hobsbawm, mas ninguém tinha pensado como Sizek na possibilidade de repetir hoje a determinação com que Lenin desconstruiu a resistência ao movimento pelo socialismo em 1917.
Sizek é professor, filósofo e psicanalista, nascido em Liubliana, na Eslovênia em 1949 e tem sido apontado como um dos mais importantes divulgadores da obra de Karl Marx. Ao se dispor a recuperar e comentar os escritos de Lenin de 1917, ele disse que a primeira reação pública à idéia foi uma risada sarcástica.
"Marx, tudo bem - hoje em dia até mesmo em Walt Street há gente que ainda o admira: o Marx poeta das mercadorias, que faz descrições perfeitas da dinâmica capitalista; o Marx dos estudos culturais, que retratou a alienação e reificação (transformação de idéias em coisas) de nossas vidas cotidiana. Mas Lenin - não, você não pode estar falando sério! Lenin não é aquele que representa justamente o fracasso na colocação em prática do marxismo?"
Zizek diz que a grandeza de Lenin, numa Rússia destruída pela guerra e pela fome, vivendo uma situação catastrófica após a Revolução de Fevereiro que derrubou o Czar, foi de não ter medo de triunfar - em contraste com o páthos ( do grego phatos, significando sentimento, sofrimento) negativo discernível em Rosa Luxemburgo e Adorno, para quem o ato autêntico, em última instância, era admissão do fracasso que traz à luz a verdade da situação".
"Em 1917, em vez de esperar até que as condições fossem propícias, Lenin organizou um ataque preventivo; em 1920, como líder do partido da classe operária sem classe operária (a maior parte havia sido dizimada na guerra civil), ele deu prosseguimento à organização de um Estado, aceitando plenamente o paradoxo de um partido que tinha de organizar - e até recriar - sua própria base, sua classe operária".
Como psicanalista, Zizek se vale constantemente das lições de Lacan, para analisar as ações de Lenin: "Para ele, assim como para Lacan, a questão é que a revolução "Ne autorise que d´elle-même" (se autoriza por si só): deveríamos arriscar o ato revolucionário sem o aval do grande Outro. O medo de tomar o poder"prematuramente", a busca de garantia, é o abismo de agir."
Em fevereiro de 1917, o regime czarista foi derrubado por uma revolução e o poder em Petrogrado - então o centro político e cultural da Rússia - ficou dividido entre um governo republicano provisório, representado por uma coligação de partidos de esquerda, do centro e liberais e o Soviete de Soldados e Operários (uma espécie de parlamento popular).
Nesse momento, Lenin estava exilado na Suíça, de onde retornou em abril para comandar os bolcheviques, um dos grupos que atuavam nos sovietes, juntamente com os mencheviques e os sociais revolucionários. Enquanto Lenin defendia o fim imediato da guerra imperialista (a Primeira Guerra Mundial envolvendo as maiores potências européias), com a retirada unilateral da Rússia dos campos de combate, a nacionalização dos bancos e a distribuição das terras dos latifundiários para os camponeses, com a passagem de todo poder aos sovietes, os mencheviques e sociais revolucionários tinham metas bem mais moderadas, que incluíam a participação no governo provisório e a eleição de uma constituinte para decidir sobre a questão agrária e a continuação da guerra.
Em outubro, quando a ameaça de restauração monárquica era cada vez maior e as potências ocidentais (Inglaterra e França) anunciavam a intenção de intervir na Rússia se essa saísse da guerra, soldados e operários bolcheviques, que tinham se tornado majoritários nos sovietes,invadiram o Palácio do Inverno em Petrogrado, comandados por Lenin e Trotsky e acabaram com o governo provisório assumindo todo o poder.
Lenin, que tinha se mantido escondido nos dias anteriores à Revolução, saiu do Instituto Smolny e tomou um bonde para chegar até o Palácio de Inverno no centro da cidade, que acabava de ser tomado pelos bolcheviques.
Antes e depois de tomar o poder, Lenin priorizou sempre a formação de um espírito revolucionário entre os operários, procurando explicar, pessoalmente ou através de seus trabalhos escritos, os objetivos da Revolução.
Lenin dizia: "o socialismo nada mais é do que o passo seguinte ao monopólio capitalista de Estado. Ou, em outros termos, o socialismo nada mais é do que o monopólio capitalista de Estado posto a serviço de todo o povo e que, isso, deixou de ser monopólio capitalista".
Embora nunca perdesse de vista que o socialismo seria o primeiro passo para a criação de uma sociedade comunista, onde a divisão de classes seria abolida, Lenin não era apenas o radical como costuma ser visto pelos seus críticos. Ele sabia que a instituição do socialismo não se faria por decreto. "Por causa do seu subdesenvolvimento econômico e o atraso cultural das massas russas, não há como passar diretamente ao socialismo. Tudo que o poder soviético pode fazer é combinar a política moderada do "capitalismo de Estado" com uma intensa educação cultural das massas camponesas inertes."
Em 1921, o governo soviético instituiria a NEP, Nova Política Econômica, em substituição ao chamado Comunismo de Guerra que vigorou nos primeiros anos da Revolução. A NEP, que retomava alguns conceitos do capitalismo, foi justificada por Lenin com a sua famosa explicação: dar um passo atrás agora, para dar dois à frente, mais tarde.
Quando Lenin já estava morto, a NEP foi abandonada e a política econômica ditada por Stalin a partir de 1928 foi a dos planos qüinqüenais com o desenvolvimento acelerado da economia a qualquer custo.
Retomando Zizek e seus comentários no posfácio do livro:
"O retorno a Lenin não pretende ser uma re-encenação nostálgica dos "bons velhos tempos revolucionários", nem um ajuste oportunista-pragmático do velho programa para "novas condições": busca, isto sim, repetir, nas condições do mundo atual, o gesto leninista que reinventou o projeto revolucionário na época do imperialismo e do colonialismo. Lenin representa a liberdade imperativa de suspender as deterioradas coordenadas ideológicas existentes, a debilitante "Denkverbot" (proibição de pensar) na qual vivemos - simplesmente significa que temos permissão para pensar novamente."
SE você é uma pessoa que se dá permissão para pensar livremente, o livro As Portas da Revolução - Revolution at the Gates: Selected Writings of Lenin from 1917 - (Boitempo Editorial - Primeira edição revista 2011) é uma boa oportunidade para descobrir coisas que não costumam aparecer nos debates comuns sobre política.
Marino Boeira é jornalista, formado em História pela UFRGS