Não devemos ter medo das palavras

Não devemos ter medo das palavras

 Algumas palavras têm uma força própria.
Deus, Mestre, Magistrado, Sábio, são palavras que carregam um forte significado nelas mesmo.
Por isso mesmo, às vezes, é preciso desmistificá-las.
São apenas palavras. 


Alguém já disse que a palavra Cão não morde. 
Agora é preciso dizer que a palavra Comunismo não devia assustar ninguém
Mas, ainda assusta.
Anos e anos de uma campanha feroz, no sentido de transformá-la quase num palavrão, fez que ainda hoje ela assuste muita gente.
Faz mais, apavora.


Já disseram que, os identificados com ela "comiam criancinhas", que seus defensores não respeitavam as famílias e os lares e que eles pretendiam expulsar Deus do coração dos fiéis.
Os mais educados falavam que o comunismo era um ideologia exótica que não tinha nada a ver com o Ocidente.


E, talvez o argumento mais usado, o comunismo é antidemocrático e prega uma ditadura.
Vamos então, examinar essa palavra tão amaldiçoada com um grau de distanciamento crítico possível.
Seu campo de ação se localiza basicamente na forma como os seres humanos organizam historicamente sua forma de produção de bens.
Comunismo, como o próprio nome está a indicar, é a forma comunitária de explorar esses bens, tanto na produção, como na sua repartição.
No seu livro clássico As Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, Friedrich Engels, mostra que a exploração comunitária da terra, através da grande família matriarcal, foi a primeira etapa do processo de desenvolvimento  econômico e social da humanidade.
Esse modelo foi sendo sucessivamente substituído por outros mais avançados e eficientes de exploração das riquezas, passando pelos sistemas, escravagista e feudal, até chegar ao sistema capitalista, que começa a se desenhar para o mundo ocidental a partir do ciclo das grandes navegações e que permanece dominante até hoje, passando pelas fases comercial, industrial e financeira até chegar ao atual modelo globalizado.


E o que tem a ver o comunismo com isso?
Seria uma tentativa de voltar ao sistema original?


Longe disso, ele pretende que o sistema continue evoluindo, ao contrário do que pensam alguns historiadores, como Francis Fukuyama, que vê no capitalismo o fim da história.
E são duas, fundamentalmente, as razões para defender a continuidade do processo histórico: uma econômica - o formato atual da economia, com a enorme concentração de renda em alguns poucos e a disseminação da pobreza junto à maioria, gera crise econômicas cíclicas, que só são superadas com enormes perdas materiais; e outra de natureza ética, o capitalismo para se manter vivo precisa de guerras constantes, de restrição de direitos das pessoas e a destruição da natureza, o que levou István Meszaros  a repetir, o que já previa Rosa Luxemburgo há 100 anos, de que a opção hoje é entre o socialismo a barbárie.


O sistema capitalista cria uma nova classe social dominante, a burguesia, que ao contrário da anterior, a nobreza, rompe seus vínculos sociais com a classe dos trabalhadores, para se relacionar com ela apenas de forma econômica, comprando sua força de trabalho ao menor custo possível.
O novo modelo que começa de forma simbólica com a Revolução Francesa, em1789, vai marcar uma longa luta da classe trabalhadora por melhorias em suas condições de trabalho e vida.


Durante toda essa fase, através da luta dos sindicatos que os representam, os trabalhadores vão conquistando mais direitos, como oito horas diárias de trabalho, as férias, as aposentadorias, mas não alteram a relação principal que separa os que trabalham dos que vivem do trabalho dos outros.


A primeira proposta que se fundamenta em bases concretas para romper esse modelo, está contida no Manifesto Comunista de 1848, formulado por Karl Marx e Friedrich Engel, que começa com uma frase que ficou célebre - "Um espectro ronda a Europa - o espectro do comunismo. Todas as potências da velha Europa unem-se numa Santa Aliança para conjurá-lo, o Papa, o Czar, Meternich, Guizot  e o policial da Alemanha"
Os dois, mas principalmente Marx , vão dar a base teórica para os movimentos de trabalhadores da Europa, que não buscam mais apenas conquistas sindicais, mas um  mudança radical no sistema, com a substituição do  capitalismo pelo socialismo num primeiro estágio e mais adiante pelo comunismo, onde existiria uma sociedade finalmente livre da tutela do Estado.


Seria um mundo, como sonhou Rosa Luxemburgo. onde as pessoas são socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres.


O Marxismo, a doutrina oriunda das idéias de Marx, que deveria sustentar essa luta, se apóia num tripé formado pela filosofia de Hegel, as idéias econômicas da escola inglesa e o socialismo utópico dos franceses, uma criação portanto essencialmente ocidental.
Em linhas gerais, ela buscava nos socialistas franceses o sonho libertário que sempre estimulou a busca de uma vida mais digna para o ser humano; na filosofia de Hegel, a ideia dialética de um movimento sempre no sentido positivo e na economia inglesa, a mecânica de funcionamento do capitalismo, baseado na exploração sempre crescente dos trabalhadores.


Primeiro na Rússia e depois na Alemanha, as idéias de Marx formaram a base ideológica para a ação revolucionária dos bolchevistas e dos espartaquistas, que, ao se separem do Partido da Social Democracia, deram origem aos primeiros Partidos Comunistas  
Nos momentos finais da Primeira Grande Guerra, os comunistas iniciaram um ciclo de revoluções sociais para construir o socialismo, vitoriosa em outubro de 1917, na Rússia, sob a direção de Lenin e Trotski e fracassada em janeiro de 1919  na Alemanha, sob o comando de Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht.

Marino Boeira é jornalista, formado em História pela UFRGS

 


Author`s name
Timothy Bancroft-Hinchey