Evolução da população mundial 1950-2050 - O caso da Ásia - 2
Como e porquê a Ásia vai voltar a ser o centro económico do mundo (demograficamente sempre o foi) após cerca de 200 anos de domínio ocidental
1 - O esplendor civilizacional e a colonização
Como referimos anteriormente, para uma abordagem da demografia da Ásia, separámos a Ásia Ocidental, mais especificamente a de matriz dominante islâmica e que vem sendo atravessada por grandes e longos conflitos, nos quais o denominado Ocidente tem tido enormes responsabilidades. O restante território - a Ásia Central e Oriental - abarca a grande maioria da população do continente, isto é, cerca de 91,5% do total, em 2016; e que, sem dúvida, constitui a área mais dinâmica, a nível global, do ponto de vista económico.
A Ásia Central e Oriental apresenta uma grande diversidade de culturas e, na generalidade, cada país comporta uma realidade compósita, com grande variedade étnica, linguística e religiosa.
A sua história mostra um passado recheado de elevados elementos civilizacionais resultantes das ligações comerciais terrestres entre o mundo persa e a Índia ou da China com a Ásia Ocidental, através de canatos turcos ou mongóis, passando dali para o Mediterrâneo e para a Europa. Por seu turno, o comércio marítimo no Índico tem uma duração de largos séculos, com ligações entre a África Oriental, o Mediterrâneo, o mundo islâmico e a China e, no âmbito do qual surgiu uma forte penetração do Islão nas Filipinas, na Malásia, no Bangla Desh e na Indonésia.
Quando os europeus, com os portugueses à cabeça, se envolveram nesse comércio, fizeram-no gradualmente, primeiro, através do controlo de entrepostos costeiros (Ormuz, Goa, Jaffna, Malaca...); a que se seguiu a ocupação territorial, nos séculos XVIII e XIX, neste caso, com papel mais relevante para ingleses e franceses, concentrando-se os holandeses nas ilhas de Sunda (futura Indonésia) e os espanhóis nas Filipinas e alguns arquipélagos do Pacífico Ocidental.
Os portugueses foram-se entrincheirando em Goa, Damão e Diu, sem saber o que fazer dessa posse, até que, em 1960, a Índia decidiu acabar com essa reminiscência colonial. Curiosamente, como demonstração de uma estreita visão estratégica, Bombaim (actual Mumbai, capital financeira da Índia) - então com 10000 habitantes - foi cedida ao rei inglês como dote da sua futura mulher, uma princesa portuguesa, em 1661; depois de entregue à Companhia das Índias, em 1675 já tinha 60000 habitantes, em 1687 passou a ser sede da Companhia e hoje tem uns 12 M de habitantes.
Essa ligação marítima direta (via Cabo da Boa Esperança) entre a Europa, o Índico e o Oriente fez reduzir-se a importância das rotas terrestres e veio a facilitar as conquistas russas na Ásia central e na Sibéria, dominando os vários canatos e as tribos turcas ou mongóis, construindo Tomsk em 1604, Irkutsk em 1661 e Vladivostok em meados do século XIX. A Inglaterra ficava limitada na sua expansão para o interior, a partir da Índia, pelo Himalaia, o Hindukush e a resistência dos afegãos. Por outro lado, o domínio turco do Mediterrâneo oriental e, mormente do Mar Vermelho, contribuiu para a preponderância da rota do Cabo como via de ligação direta entre o Oriente e a Europa.
Só a partir do início do século XIX as potências imperiais europeias se lançaram na ocupação da Ásia Central e Oriental. Na Índia, os ingleses souberam manobrar as divergências entre os vários marajás para se superiorizarem como dominantes, uma vez que nunca teriam meios para dominar, apenas pelas armas, um território tão vasto e com tal população - 255 M, em 1881, incluindo os territórios que hoje constituem a Índia, o Paquistão, Bangla Desh e Sri Lanka, contra os 57 M da Inglaterra que então incorporava a Irlanda[1]. A França, depois da perda da Luisiana e do Canadá -frustrando-se assim a construção de um império na América do Norte - virou-se para África e para a Indochina, conquistando esta última na segunda metade do seculo XIX. Os holandeses, por seu turno, governaram desde o século XVII e até à independência, o que se veio a designar por Indonésia. Entretanto, os EUA, aproveitando-se da fragilidade espanhola apoderaram-se das Filipinas e de Guam em 1898; e no ano seguinte Espanha vendeu as ilhas Carolinas, as Marianas e Palau à Alemanha, que veio a ser despojada das mesmas pelo Japão, durante a I Guerra. Por seu turno, o Japão, perdeu essas ilhas para os EUA com a derrota na II Guerra.
No início do século XX somente existiam na Ásia Central e Oriental cinco países sem ocupação colonial - a China, o Japão, a Tailândia, o Nepal e o Butão.
2 - Depois de II Guerra um novo modelo de capitalismo
Iniciamos de seguida uma mais detalhada caraterização da Ásia Central e Oriental com algumas notas sobre a Índia, a China e o Japão, as peças chave da geopolítica regional.
A Índia, a despeito do seu elevado nível civilizacional - ou talvez por isso mesmo - sempre se cingiu ao seu território, com a sua enorme diversidade étnica, linguística e religiosa, com escassa propensão expansionista. Por outro lado, a sua posição central no Índico permitiu ligações comerciais marítimas fáceis com a África, o Golfo Pérsico e o Mar Vermelho, com a costa leste do golfo de Bengala e, mais adiante, com as ilhas da Insulíndia e a China. As condições oferecidas pela existência de grandes rios como o Indo, o Ganges e o Bramaputra, permitiu populações numerosas e a incorporação de qualquer invasor - Alexandre, persas ou mongóis - em norma aceites como castas governantes. Essa riqueza natural conduziu ao florescimento da filosofia e ao surgimento de várias religiões - budismo, hinduísmo, jainismo, sikhismo - cujas configurações incorporam uma grande tolerância religiosa, incluindo o ateísmo; ao contrário dos atuais monoteísmos.
Quando da independência, em 1947, a separação entre muçulmanos e não muçulmanos - há muitos séculos vivendo em conjunto - gerou a criação do Paquistão (cujo nome aliás não tem qualquer raíz histórica) com uma origem política animada pelos ingleses e que conduziu a massacres, deslocações de milhões de pessoas e várias guerras entre a Índia e o Paquistão. A aberração de inspiração britânica chegou mesmo ao ponto de se unificar sob a sigla Paquistão, povos tão distintos como punjabis, baluques ou pashtuns do vale do Indo e bengalis, povo do delta que une as águas do Ganges e do Bramaputra, separados por milhares de quilómetros, só porque todos são de confissão muçulmana. Como é evidente, essa artificialidade durou apenas 24 anos, até à separação do Bangla Desh face à tutela de Rawalpindi.
A Índia percebeu cedo (1991), perante o declínio económico observado no Ocidente em comparação com o dinamismo da Ásia Oriental que devia proceder a uma inflexão estratégica - "Look East"; por outro lado, as intervenções dos EUA e dos seus sargentos europeus no Médio Oriente dão uma imagem pouco tranquilizadora para a vizinhança. E daí que tivesse passado de observador a membro de pleno direito da OCX - Organização de Cooperação de Xangai, em 2017, tal como aconteceu com o Paquistão.
A Índia, com a China e a Rússia constituem as peças centrais da OCX como bloco euro-asiático de oposição ao mundo ocidental, mormente da suserania dos EUA, que entendem dominar ou condicionar o planeta através do dólar, das imbecis tiradas de Trump e do seu poder militar, através do cordão de bases com que os EUA envolvem o continente euro-asiático. Note-se que no OCX estão quatro potências nucleares, cerca de metade da humanidade, enormes recursos energéticos, uma rápida evolução económica, embora predominem regimes de duvidosas credenciais democráticas, mesmo entendendo por democracia os regimes de tipo ocidental, também oligárquicos e excludentes. Tendencialmente, esses países ficarão ligados por infraestruturas de transporte, geradoras de um maior fluxo de trocas que irão incorporar a Europa, como uma verdadeira península asiática, em termos geográficos e demográficos.
Há muito - desde o século XIV - que a China procurava o isolamento face ao exterior, admitindo apenas um limitado comércio com os europeus, quando estes se aproximaram, no século XVI; a sul e a norte rodeavam-se de estados vassalos e da Grande Muralha, enquanto os seus portos se mantinham fechados ao comércio com o exterior. Nesse contexto, atribuíram Macau aos portugueses, como entreposto comercial, em 1557 e, daí que nunca tivessem considerado o território como colónia; na realidade, com a instauração da república popular, o poder de facto em Macau cabia à China, embora houvesse um governador português. Durante a Revolução Cultural, a ação e a propaganda maoista estavam presentes em Macau, embora o governador fosse nomeado por um regime português, fascista e colonialista. Só em 1999 a soberania sobre Macau passou integralmente para a China, como uma região administrativa especial, tal como Hong-Kong, dois anos antes.
Numa época de feroz imperialismo como foi o século XIX, a influência das grandes potências coloniais europeias não podia deixar a China fora dos seus negócios, da sua rapina; quer os chineses concordassem ou não em se abrir ao "mercado" global. Assim, os ingleses, decidiram alargar o dito mercado, que se vinha cingindo à venda à China de ópio indiano para pagamento da seda, do chá e da porcelana chinesa, no único porto autorizado para as transações sino-britânicas, Cantão.
Como o consumo de ópio na China ia provocando óbvios danos na população, o governo chinês decidiu a sua proibição. A reação inglesa fez-se através de uma guerra facilmente ganha (1839/42) que conduziu ao tratado de Nanquim, no qual a China se obrigou a aceitar o ópio, abrir mais quatro portos ao seu comércio, bem como a entregar aos ingleses a ilha de Hong-Kong. Após uma segunda guerra (1857/60) a China, perante os danos causados pelos anglo-franceses abriu mais onze portos ao ópio e teve de aceitar legações ocidentais e liberdade para comerciantes e missionários ocidentais. Como dizia, René Dumont, o colonialismo impunha-se através de 3 "m" - le militaire, le missionaire, le marchant.
Esses (entre outros) chamados tratados desiguais, repartiram áreas de influência para as potências imperiais - Inglaterra, França, Alemanha, Rússia, Japão e EUA - numa humilhação para uma China que se considerava como o padrão civilizacional face aos "bárbaros" estrangeiros; por outro lado, pela sua dimensão geográfica, populacional e política - não era constituída por uma vasta gama de senhores como a Índia - uma ocupação colonial típica seria incomportável... como mais tarde o sentiram os japoneses.
A norte da China, a Manchúria cai sobre a influência da Rússia e, após uma primeira guerra com o Japão (1894/95), cede Taiwan aquele e aceita uma provisória independência da Coreia, que passará a colónia japonesa em 1910. A sul, tradicionais vassalos do imperador chinês (Birmânia, Tailândia, Vietnam, Laos e Cambodja) caem na órbita britânica ou francesa, enquanto a presença alemã se observa no Shandong.
A decadência e a humilhação elevam a reação nacionalista através da revolta dos Boxers em 1900, esmagada pelos exércitos ocidentais que se aproveitam da situação para aumentarem as suas reivindicações económicas. O surgimento do Kuomintang em 1905 dá expressão política ao nacionalismo e ao repúdio pelo regime imperial, abrindo caminho para a República, em 1912.
A República, dividida pela influência de senhores da guerra, manteve-se sob a pressão do Japão, cuja intervenção no norte da China é acompanhada por uma grande violência, correspondente ao chauvinismo racista dos japoneses face a chineses e coreanos; é curioso notar-se que, tendo os japoneses uma ancestral origem na Coreia, recusem essa origem, desprezem os coreanos e considerem que o imperador é o mais recente descendente de um filho do ... Sol.
A República conseguiu ocupar a Manchúria mas não construir um regime estável e capaz de ombrear com os japoneses, daí surgindo a revolta do PCC, de Mao Tse-Tung, em 1927. Em 1931 o Japão invade a Manchúria e em 1937 inicia-se uma guerra total entre os dois estados, que conduzem à ocupação japonesa de quase todo o litoral chinês, com uma grande violência a exercer-se sobre a população, numa guerra que só terminará com a rendição dos japoneses perante os EUA, em 1945.
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