Numa viagem de carro pelo Leste europeu, não poderia deixar de visitar Karlov Vary, na República Checa. A cidade é famosa por várias coisas: sua beleza plástica, suas águas termais, oferecida nas ruas, gratuitamente ; ser sede de um festival internacional de cinema; ter sido cenário de vários filmes famosos, inclusive 007 Cassino Royal, com Daniel Craig, rodado no luxuoso Hotel Pupp, onde dizem ter se hospedado no passado, Karl Marx e Freud e, finalmente, pelo seu licor, o Karlovarska Becherovka.
A cidade foi fundada em 1.370 por Carlos IV e em sua homenagem se chamou Karlsbad. Durante muito tempo foi uma cidade basicamente alemã, até que em 1945, com o fim da guerra, os alemães foram expulsos.
Hoje, é uma cidade que vive do turismo.
Eu era um deles, ansioso em pesquisar todos os seus encantos.
Mal chegando, já estava nas ruas, fazendo tudo que um turista apressado deve fazer para justificar o dinheiro que está gastando.
Acordei no dia seguinte quase incapaz de levantar da cama. Enfiar as meias e dar um nó no cordão dos sapatos me exigiu um esforço gigantesco.
Uma bela lombalgia era o preço que estava pagando pelo esforço que fizera no dia anterior, ao subir um dos morros que cercam a cidade só para ter uma visão diferente de Karlov Vary, como prometera aquele panfleto turístico.
A visão foi magnífica, mas agora eu estava arrependido do feito.
A solução seria procurar uma farmácia e comprar um relaxante muscular.
Acontece que na Europa, ao contrário do Brasil, farmácias não são muito comuns e automedicação parece não ser uma prática recomendável.
Os checos não entenderiam aquela piada do sujeito hipocondríaco que passava todos os dias na farmácia para perguntar ao farmacêutico quais eram os novos lançamentos em remédios.
Farmácia em checo é “Lekarna”.
E lá fui eu a procurar pelo letreiro “lekarna” em alguma loja. Não encontrei e acabei procurando um hospital, que tinha um local onde vendiam remédios.
O problema era explicar agora à simpática atendente, uma senhora de uns 60 anos no mínimo, qual era meu problema.
Em checo, a comunicação seria impossível. Numa cidade cheia de turistas, certamente ela entenderia inglês.
Mas como se diz em inglês “estou com uma inesperada lombalgia e preciso de um relaxante muscular para poder continuar caminhando”.
Resolvi, depois de várias tentativas inúteis de comunicação, seguir o método da avó do Eça de Queiroz, que só falando o português, viajava por outros países, se alimentando de galinha e ovos.
Na hora do almoço ou da janta, ela abria e fechava os braços como se fosse uma galinha, além de cacarejar e nunca ficou sem comer.
Claro que,apenas galinha ou ovos.
Comecei então a me contorcer e gemer diante da espantada checa, fazendo cara de dor e apontando para lombar.
Devo ter sido um ótimo artista, porque ela sorriu, pronunciou um nome em checo, que sou incapaz de repetir e me trouxe aquelas pílulas maravilhosas.
No dia seguinte, amanheci como se tivesse 20 anos, pronto para continuar desfrutando das belezas de Karlov Vary.
Marino Boeira é jornalista, formado em História pela UFRGS